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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 56153920/2016


Acórdão - DJ nº 0005615-39.2015.8.26.0068 - Apelação Cível
: 05/08/2016

 

 

                                          

Registro: 2016.0000482080

                                                               

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 0005615-39.2015.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que são partes são apelantes MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

 

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

 

 

São Paulo, 30 de junho de 2016.

 

 

 

PEREIRA CALÇAS

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Assinatura Eletrônica


 

 

Apelação0005615-39.2015.8.26.0068

Apelantes: Ministério Público do Estado de São Paulo e Congregação Cristã No Brasil
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

Voto nº 29.483

 

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Transcrição imprecisa que compromete a segurança do sistema – Venda e compra celebrada com herdeiros dos titulares tabulares – Sujeição do registro ao princípio da continuidade – Desmembramento irregular de lote, a exigir retificação (apuração do remanescente) – Irrelevância dos erros praticados no âmbito do serviço extrajudicial (notarial e registral) – Sentença mantida – Recursos improvidos.

 

 

Trata-se de dúvida suscitada pelo D. Oficial de Registro de Imóveis de Barueri, a requerimento da CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL. Sustenta, a interessada, que as exigências apresentadas quando da qualificação dos títulos (escrituras públicas de compra e venda) não se sustentam, pois o imóvel constituído pelo lote 29, quadra D, foi adquirido, em sua integralidade, por venda e compra feita junto aos herdeiros e viúva de SEVERINO INACIO DOS SANTOS, sem prejuízo da parte adquirida junto aos herdeiros e viúva de JOAQUIM NAZARIO DA SILVA.

O Ministério Público se manifestou pela improcedência da dúvida (fl.153).

A MM. Juíza Corregedora Permanente acolheu as ponderações do D. Oficial do Registro de Imóveis (fls.157/159) e manteve a recusa à realização do registro, julgando procedente a dúvida (fls.160/161).

A interessada interpôs apelação e, após reiterar as razões anteriormente expostas, insistiu no levantamento do óbice registral, fundamentando a pretensão recursal na mitigação dos efeitos dos princípios da especialidade e continuidade, em razão das especificidades do caso concreto, conforme admitido pela jurisprudência administrativa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls.168/183).

O Ministério Público também apelou da sentença, expondo suas razões recursais às fls.240/242.

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.251/253).

É o relatório.

 Os imóveis descritos na transcrição nº 5.749, constituídos pelos lotes 09 e 20, quadra 04, foram adquiridos por SEVERINO INACIO DOS SANTOS, casado com APARECIDA LUIZA DE SOUZA.

Através de escritura pública lavrada em 03/05/1972, transcrita sob o nº 5.750, JOAQUIM NAZARIO DA SILVA, casado com MARIA DE ALMEIDA DA SILVA, adquiriu o lote 09 e parte do lote 29, constando, em relação a este último, a seguinte descrição: “LOTE 29: “terreno medindo 18,00 metros de frente, 13,50 metros de fundo, por 30,00 metros laterais, encerrando a área de 472,50 metros quadrados, confrontando-se pela frente com a Rua 1, pelo lado direito com o lote 28, pelo lado esquerdo com o lote 30 e pelo fundo com o lote 09” (fl.71). Posteriormente, o lote 09 foi vendido a um terceiro, resultando na abertura da matrícula nº 80.689.

A problemática surge porque o Registrador, embora tenha escriturado genericamente o ato translativo do domínio, também anotou o desmembramento da área para excluir parte não contemplada pela aquisição, porém o que ficou escrito no assento gerou dúvidas quanto ao cabimento do registro. Basta correr os olhos pela certidão (fl.71) para perceber a existência de imprecisões no que se refere aos aspectos objetivos ligados ao princípio da especialidade e os seus naturais questionamentos sobre a exata localização da faixa destacada da área maior (parte do lote 29) e o verdadeiro alcance da compra e venda (objeto do contrato).  Após descrever o lote 29, ficou constando a seguinte observação: “sendo que do referido lote é desmembrado uma parte com as seguintes medidas e confrontações: mede 16,40 metros de fundos e frente, medindo também 2,00 metros de ambos os lados do terreno, perfazendo as referidas áreas 420,00 metros quadrados, mais ou menos”.

Da forma como se fez o registro imobiliário, não é possível afirmar, com precisão, se a área reservada (420,00m²) foi adquirida por JOAQUIM NAZARIO DA SILVA e aí, sim, permanece sob a transcrição nº 5.750 ou, caso contrário, a alienação não compreende a parte principal desmembrada e, portanto, o direito de propriedade está regido pela transcrição nº 5.749, com exceção da faixa extirpada, isto é, da área de 16,40 metros de fundos e frente, medindo também 2,00 metros de ambos os lados do terreno; agora se pretende inscrever o direito de propriedade através de providências paliativas (retificações de títulos) e de construção interpretativa feita pelo D. Representante do Ministério Público (fls.153 e 240/242), com base na real intenção das partes manifestada quando da prática do ato notarial pelo Tabelião de Notas, o que não é suficiente para atropelar os princípios da especialidade objetiva e da continuidade.

O que pode parecer excesso de formalismo ou apego exagerado à principiologia (teoria) do direito registral, reclama reflexão sobre os fundamentos da qualificação negativa, sob o caso concreto. É certo que a interessada conseguiu, ao longo do tempo, adquirir os direitos sobre o imóvel, através de transações realizadas com os herdeiros dos titulares tabulares. Os negócios jurídicos celebrados, com o fito de unificar a área inadvertidamente desmembrada (antes da Lei nº 6.015/1973), são juridicamente relevantes, o que não significa dizer que os seus respectivos títulos possam conduzir ao registro. Sabe-se que a aquisição derivada do domínio está condicionada ao princípio da continuidade e as pendências detectadas pelo Registrador estão a alertar sobre o necessário aperfeiçoamento dos atos registrais.

 Nesse contexto, a interessada precisa providenciar a retificação do registro para apurar o remanescente e, como isso, eliminar as omissões e imperfeições que afetam a descrição da área (especialidade objetiva), viabilizando o ingresso dos títulos subsequentes (continuidade), especialmente as escrituras dos inventários dos bens deixados por SEVERINO INACIO DOS SANTOS e JOAQUIM NAZARIO DA SILVA.

A lei admite o manejo da retificação (judicial ou administrativa) quando presentes os seus pressupostos subjetivos e objetivos, ou seja, a pretensão retificatória voltada ao aperfeiçoamento de qualquer assento registral somente poderá ser exercida pelo legítimo interessado, se existirem (a) omissões, (b) imprecisões ou (c) informações não verdadeiras[1].

A retificação extrajudicial e bilateral, instaurada por pedido formulado diretamente ao Oficial de Registro de Imóveis, por envolver inserção ou alteração de medida perimetral, realiza-se por meio de averbação (art. 213, I, alíneas “a” a “g” da Lei nº 6.015/1973), sendo obrigatória a participação dos confrontantes, sob pena de nulidade. O requerimento e os documentos obrigatórios, assinados pelo interessado (interesse jurídico), serão submetidos ao juízo do Registrador, facultada a produção de prova pericial[2] para especificar a área remanescente, tal como observou o D. Procurador de Justiça (fls.251/253).

Cabe ressaltar que a interessada CONGREGAÇÃO CRISTÃ DO BRASIL adquiriu o imóvel (lote 29) dos herdeiros dos titulares tabulares apontados nas transcrições nºs 5.749 e 5.750, mas o direito de propriedade – transmitido por ocasião da morte (princípio da saisine) – não foi regularizado pelo registro da partilha, de modo que o pedido formulado pela recorrente, se acolhido, irá transpassar etapas obrigatórias e, assim, romper a continuidade que garante segurança ao serviço extrajudicial.

Aliás, a continuidade[3] é um princípio do direito registral e, como tal, deverá ser respeitada para combater a incoerência e a ruptura do encadeamento de atos e títulos, por meio de uma inscrição inadvertida e desvinculada com os anteriores proprietários ou titulares de direitos reais jus in re aliena.

Há, portanto, uma deficiência no registro e isso é vinculativo. O posicionamento defendido pela interessada, embora respeitável, não consegue solucionar a distorção que compromete eventual abertura de matrícula da parte do imóvel que remanesceu na transcrição nº 5.750. Daí o entendimento de que é preciso, primeiro, definir qual é esse o imóvel (aspecto qualitativo) e, em seguida, consertar os erros pretéritos para permitir o necessário desencadeamento de atos registrais até alcançar os títulos apresentados pela recorrente.

Ouvido sobre tal particularidade, o D. Oficial alertou: “se decidindo a dúvida, Vossa Excelência determinar o registro do título, de acordo com a manifestação do Exmo. Promotor de Justiça, a escritura será registrada. Devo ponderar, todavia, que, se forem deferidos os registros dos títulos, haverá dificuldades para a abertura da matrícula da parte do imóvel que remanesceu na transcrição nº 5.750 sob a titularidade de Joaquim. Seria aberta matrícula somente do lote 29, procedendo-se aos registros dos títulos, ficando a área desmembrada, ainda sob a titularidade de Joaquim?” (fl.158).

O registrador atua de maneira racional e a ele não se outorgam poderes para superar obstáculos, sejam grandiosos ou pueris. A situação não pode ser resolvida administrativamente (neste processo) com base em regra de interpretação dos negócios jurídicos, data venia.  Seria forçoso concluir, inequivocadamente, que Severino e Aparecida pretenderam (real intenção) alienar parte do lote 29 correspondente a 32,80m² (16,40 x 2) e que a falta de especificação (localização) poderia ser facilmente explicada pelo instituto da fração ideal (transcrição nº 5.750).

O raciocínio construído nos autos contraria a própria manifestação de vontade dos herdeiros e da viúva de Severino, pois a escritura pública outorgada em 20/12/2011 (fl.69) retrata o instituto da venda a non domino, pela transferência do imóvel (lote 29) em sua integralidade (472,50m²), por quem não é o seu verdadeiro titular. Não por outro motivo que o título prenotado em 03/02/2012 (livro 268, fls.243) foi devolvido com fundamento na (a) existência de alienação anterior e (b) inexistência de inventário e partilha.

Fique claro que o ato notarial, por mais qualidade ou capricho em suas formas, não convalida ato nulo e não dá vida ao ato inexistente (venda a non domino). Os atos notariais possuem qualidades probatórias e as funções praticadas pelos notários, como representantes do Estado, certificam o que as partes envolvidas no negócio jurídico, querem que apareça como verdade. A nulidade ou inexistência que o juiz reconhece quando se lavra uma escritura de venda por quem não é dono não compromete apenas o ato notarial, mas, sim, o próprio ato jurídico (negócio) que foi produzido, pelos interessados, com defeito intrínseco. A fé pública é um valor relativo, ou como dizia EDUARDO COUTURE[4]: “Fe pública nos es, pues, sinónimo de verdade. El escribano, al certificar, representa lo que la dicho el outorgante. Pelo lo que há dicho el outorgante, sólo es, a sua vez, una representación de lo que el outorgante sabe o que quiere”.

A retificação da primitiva escritura pública (fl.77), por meio de nova intervenção notarial, aperfeiçoou a descrição que resultou na transcrição nº 5.750 e o título passou a constar o desfalque de 32,80m², sobre a área total de 472,50m², com o remanescente de 439,70m², ao invés de 420,00m². Significa que a retificação do título poderia, em tese, ensejar a retificação do assento, desde que apurado o remanescente (exata localização da faixa de 32,80m²), o que não ocorreu no presente caso. Na verdade, somente apuração do remanescente, com auxílio técnico, poderia viabilizar a abertura de matrícula para descrever o imóvel que remanesceu na transcrição nº 5.750, medida salutar à continuação dos atos registrais subsequentes (inventário de Joaquim e compra e venda em favor da recorrente).

Conforme abalizada opinião de NARCISO ORLANDI NETO[5], “Em alguns casos, descrições antigas e já deficientes ficam mais irregulares por alienações parciais que desfiguram totalmente o imóvel. É até possível que se tenha no registo, em metros quadrados, a área do imóvel que sofreu os desmembramentos, isto é, que se mantenha o que, na prática, chama-se controle da disponibilidade quantitativa, porque o registrador vai abatendo da área original as áreas das parcelas desmembradas, Não se tem mais, todavia, a descrição do imóvel que remanesce na matrícula ou transcrição. Ao receber outro título de transmissão de mais uma parte ou do todo que restou, ao registrador pode tornar-se impossível identificar o objeto da transmissão, tal como descrito no instrumento, com o imóvel que remanesce em nome do alienante. Em outras hipóteses, pode haver, na realidade, remanescente inexistente no registro, ou em área maior ou menor que a constante do registro. Para atender às exigências da lei, reunidas no princípio da especialidade, qualquer alienação, nas duas hipóteses, há de ser precedida de retificação do registro, consistente em apurar-se a caracterização do imóvel que remanesce na transcrição ou na matrícula, dando-se-lhe descrição e atribuindo-se-lhe área certa”.

O que não se pode aceitar é ingresso imediato ao fólio real, como se não existissem defeitos nas transcrições mantidas pela serventia, por mais cristalino que possa parecer o direito discutido neste expediente administrativo.  O episódio (compra do lote 29), para ficar em apenas um aspecto da aquisição, também poderia ser resolvido na via jurisdicional, por meio da usucapião (modo originário), até porque, conforme assinalou PHILADELPHO AZEVEDO[6], “o usucapião e a evicção continuarão, também, nos seus setores, a prestar bons serviços, fornecendo soluções para as hipóteses, em que as cautelas falharem”. Quem consultar o velho livro de OCTÁVIO MOREIRA GUIMARÃES[7] vai verificar que a usucapião constitui a forma mais eficaz do terceiro que adquiriu coisa por negócio com pendência registral, salvaguardar seus interesses no futuro ou enquanto o tempo passa, até a superação do prazo prescricional.

Nesses termos, pelo meu voto, nego provimento aos recursos.

 

PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Assinatura Eletrônica

 

 

[1] “Exprimir a verdade é devolver ao desenho ou descrição registral o seu mais próprio e pertinente conteúdo, ajustando-o para que passe a representar a realidade que por desvio foi desfocada” (VENÍCIO SALES, Direito Registral Imobiliário, Saraiva, 3ª Edição, 2012, p.89).

[2]O agrimensor que efetuar o levantamento topográfico que conterá a nova descrição das divisas, deverá colocar os marcos necessários, sendo que todas as operações deverão ser consignadas em planta e memorial descritivo com referências convenientes para a identificação, em qualquer tempo, dos pontos assinalados” (WALTER CRUZ SWENSSON, Retificação de Registro, Cadernos de Direito Imobiliário, RT, 1992, p.20).

[3] “Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no ele de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente e ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (AFRÂNIO DE CARVALHO, Registro de Imóveis, Forense, Rio de Janeiro, 1976, 1ª Edição, p.285).

[4] Estudios de Derecho Procesal Civil, 3ª edição, tomo II, p. 35, § 17.

[5] Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, 1997, pgs. 133/134.

[6] Registro de Imoveis, Valor da Transcrição, Livraria Jacintho Editora, 1942, pg. 90

[7] Actos jurídicos inexistentes, nullos, annullaveis e rescindíveis, edição de 1926,  p. 65.



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