Despachos/Pareceres/Decisões
10858082/2016
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Acórdão - DJ nº 1085808-25.2015.8.26.0100 - Apelação Cível
: 08/08/2016
Registro: 2016.0000493334
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1085808-25.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante CEZILIA DAS DORES CORDEIRO PARDAL, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Não conheceram do recurso, v.u. Declarará voto o Desembargador Ricardo Dip.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.
São Paulo, 21 de junho de 2016.
PEREIRA CALÇAS
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Assinatura Eletrônica
Apelação nº 1085808-25.2015.8.26.0100
Apelante: Cezilia das Dores Cordeiro Pardal
Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Voto nº 29.195
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Registro de escritura pública de doação de 50% do imóvel – Possibilidade – Dúvida julgada improcedente – Apelação, porém, quanto à fundamentação – Falta de interesse – Exame, no entanto, da questão, como forma de evitar futura Dúvida – Recurso não conhecido.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada em face da negativa de registro de escritura pública de doação.
A negativa deveu-se ao fato de que a doadora era casada – a existência do casamento foi averbada na matrícula - e, não obstante a escritura fazer menção ao óbito do cônjuge, não foi registrado formal de partilha. Embora se tenha adotado o regime obrigatório da separação de bens, o Oficial entendeu que, nos termos da Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, tendo havido aquisição, por registro de carta de arrematação, na constância do casamento, o bem se comunicou ao falecido. Portanto, a escritura pública de doação não mereceu ingresso no folio real.
A recorrente alega o seguinte. Ela adquiriu o imóvel, em condomínio, com terceiros, no ano de 1965. Porém, sofreu um golpe dos demais condôminos, não tendo constado do instrumento de aquisição. Foi necessário o ajuizamento de demanda declaratória e, por sentença transitada em 1975, ela foi declarada detentora de 50% do imóvel. Posteriormente, a recorrente ajuizou outra demanda em face dos condôminos, e eles foram condenados ao pagamento de indenização por perdas e danos, referentes à metade do valor do imóvel e aos frutos – alugueres – advindos de seu uso.
Por isso, a recorrente entende que nenhuma parcela do imóvel comunicou-se ao falecido marido. O regime era o da separação total de bens. Metade do imóvel foi adquirida bem antes do casamento, em 1965, consoante sentença declaratória de 1975. O casamento só ocorreu em julho de 1990. E a outra metade decorre da condenação advinda da sentença acima mencionada. Foi por força da condenação dessa sentença que a recorrente arrematou o bem. Vale dizer, tendo a condenação por base direito anterior ao casamento, também não há comunicação ao cônjuge.
O juízo de primeiro grau entendeu que a doação era possível, por se referir a 50% do imóvel. Sendo incontestável que esses 50% eram de propriedade exclusiva da recorrente – por direito declarado antes do casamento –, não houve comunicação ao cônjuge. No entanto, consignou que os outros 50%, advindos de condenação que possibilitou a arrematação, poderiam, em tese, ter sido comunicados. Afinal, a condenação tomou por base, além de 50% do bem, os frutos advindos de seu uso. E esses frutos compreendem período posterior ao casamento, tendo havido, por isso, comunicação.
A Douta Procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
O recurso não deve ser conhecido, por faltar à recorrente interesse recursal.
Com efeito, o que ela pretendeu, com a suscitação da dúvida, foi o registro do título, a escritura pública de doação.
A sentença julgou improcedente a dúvida. Ou seja, permitiu o ingresso do título. Em outras palavras, a recorrente obteve aquilo que pretendia.
Logo, não há interesse recursal, o que leva ao não conhecimento do recurso. Contudo, muito embora prejudicado o recurso, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, futuramente, caso venha a alienar a outra metade do imóvel, a interessada venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.
Não se trata de exame de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.
Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.
Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.
Dito isso, tem-se que a sentença foi correta na análise da questão.
De fato, no que toca aos 50% do imóvel cuja titularidade já fora reconhecida para a recorrente muito antes do casamento – por sentença transitada em julgado em 1975 –, não remanesce dúvida quanto à incomunicabilidade, advinda do regime da separação obrigatória de bens.
Daí porque nem se discute a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Ora, não havendo dúvida do momento da aquisição – anterior ao casamento – andou bem a sentença ao permitir o ingresso da escritura, já que doados, tão somente, 50% do imóvel, exclusivos da recorrente.
Se isso é certo no que toca a esses 50%, o mesmo não se pode dizer da outra metade. A aquisição decorreu de carta de arrematação, datada de agosto de 1998 (a arrematação ocorreu em 1996), e objeto do R. 09 (fl. 54).
O que possibilitou a arrematação – por conta do crédito – foi a condenação dos antigos condôminos ao pagamento de indenização, composta de dois itens: indenização correspondente a metade do valor do imóvel e rendimentos, oriundos do uso exclusivo do bem. Vale dizer, equivalentes a alugueres que a recorrente deixou de receber desde o trânsito em julgado da sentença que reconheceu, a favor dela, a existência de condomínio.
É aí que repousa a questão. Na medida em que a recorrente se casou em julho de 1990 e que a sentença reconheceu o direito de receber frutos, advindos do imóvel, em julho de 1992, é evidente que ao menos parte desses frutos se refere a período da constância do casamento. Recorde-se, aliás, que a arrematação ocorreu apenas em 1996 e, diante dos termos da condenação – que determinou a liquidação desse capítulo da sentença –, é possível que o cálculo que antecedeu a arrematação tenha levado em conta rendimentos até posteriores à sentença (os autos não permitem essa conclusão, mas não a afastam).
Seja como for, se a arrematação decorreu, em parte, de rendimentos – ou seja, frutos – que deveriam ter sido percebidos em período não apenas anterior, mas, também, posterior ao casamento, não há como afastar a Súmula 377. Presume-se a comunicação dos bens adquiridos, presunção essa que não pode ser afastada na via administrativa.
Nesses termos, pelo meu voto, não conheço do recurso.
PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível 1085808-25.2015.8.26.0100
Procedência:São Paulo
Terceiro juiz:Des. Ricardo Dip (Voto 39.585)
Apelante:Cezilia das Dores Cordeiro Pardal
Apelado:17º Oficial de Registro de Imóveis
VOTO (com divergência):
1.Acompanho a conclusão do respeitável voto proferido pelo eminente Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.
2.Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.
3.Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vidç arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.
Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.
4.Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:
“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).
5.Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).
6.Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.
Deste modo, e cum magna reverentia ao Des. MANOEL, que é das mais lúcidas inteligências de nosso Tribunal de Justiça, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.
É, da veniam, meu voto de vencido.
Des. RICARDO DIP
Presidente da Seção de Direito Público
(assinatura eletrônica)
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