Despachos/Pareceres/Decisões
10205077/2016
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Acórdão - DJ nº 1020507-71.2014.8.26.0196 - Apelação Cível
: 08/08/2016
Registro: 2016.0000389910
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1020507-71.2014.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que são partes é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E REGISTRO CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE FRANCA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.
São Paulo, 20 de maio de 2016.
PEREIRA CALÇAS
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Assinatura Eletrônica
Apelação n.º 1020507-71.2014.8.26.0196
Apelante: Banco do Brasil S/A
Apelado: 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E REGISTRO CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS DA COMARCA DE FRANCA
Voto n.º 29.181
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Cédula de crédito bancário - Garantia pignoratícia cujo prazo é indissociável do prazo da própria cédula - Sujeição à disciplina do código civil acerca do penhor agrícola.
Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 64/67 que, ao julgar procedente a dúvida, manteve a qualificação negativa, impedindo o registro da cédula de crédito bancária com garantia pignoratícia, por inobservância do princípio da legalidade, tendo em vista a falta de correspondência entre o prazo de validade da garantia (19/09/2019) com as datas previstas para o vencimento da obrigação (15/12/2015 a 26/03/2016).
Sustenta, o apelante, (a) que os prazos da cédula e da garantia podem ser diversos; (b) que a Medida Provisória n.º 619 de 06.06.2013 alterou a redação do art. 61 do Decreto-lei 167/67 e do art. 1.439 do Código Civil, suprimindo os prazos; (c) que a garantia é acessória ao empréstimo/mútuo (obrigação principal); (d) que o registro não causaria prejuízo às partes ou terceiros; (e) que a Lei n.° 10.931/2004 não prevê prazos de vencimento na cédula de crédito bancário e (f) que o financiado obrigou-se a prorrogar o penhor, uma vez vencido o prazo.
O Ministério Público se manifestou pela procedência da dúvida (fls.60/61).
O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações do D. Oficial do Registro de Imóveis e manteve a recusa à realização do registro, julgando procedente a dúvida (fls.64/67).
A interessada interpôs apelação, reiterando as razões anteriormente expostas, pugnando pelo levantamento do óbice registrário (fls.71/92).
A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.112/114).
É o relatório.
A cédula de crédito agrícola (fls.08/19), com garantia pignoratícia, emitida em 18/09/14, no valor de R$ 406.665,68, foi prenotada em 21/10/2014 (nº 151420) e o D. Oficial Registrador qualificou negativamente o título, devolvendo-o ao apresentante (fls.28), por não ter sido observado o disposto no art. 1.439 do Código Civil e no art. 61 do Decreto Lei nº 167/67. A qualificação negativa do título está relacionada com o tratamento apartado e a divergência entre a data de vencimento da cédula, assinalado para o dia 19/09/2019, e o seu prazo final para pagamento fixado para o dia 26/0/2016 (data do vencimento da obrigação garantida).
De acordo com o art. 1.439, do Código Civil:
“O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores aos das obrigações garantidas.
§1º Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.
§ 2º A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor”.
No mesmo sentido dispõe o art. 61 do Decreto Lei nº 167/67:
“O prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário não excederá o prazo da obrigação garantida e, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.
Parágrafo único. A prorrogação do penhor rural, inclusive decorrente de prorrogação da obrigação garantida prevista no caput, ocorre mediante a averbação à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor”.
Com efeito, não há como escapar da conclusão de que houve ofensa ao princípio da legalidade pelo tratamento dissociado conferido no título, pois a sua eficácia ou aptidão ficou comprometida pela existência autônoma do prazo de vencimento da garantia, sem a necessária correspondência com o prazo da obrigação em si. Nessa espécie de título, a garantia e a obrigação principal (mútuo) estão vinculadas de tal forma que não cabe a separação pretendida quanto aos prazos.
Assim, a cédula de crédito bancário garantida pelo penhor agrícola deixou de atender o comando previsto no art. 1.439 do Código Civil, pois houve estipulação dissociada da garantia real em relação à obrigação principal (financiamento), o que configura ofensa ao art. 61 do Decreto Lei n.º 167/67.
Aplica-se à espécie o Código Civil, por força do art. 30 da Lei 10.931/2004, a teor do qual às garantias da Cédula de Crédito Bancário são aplicáveis às disposições da legislação comum ou especial que não forem com ela conflitantes. A Lei n.º 12.873/13 alterou a redação do art. 1.439 do Código Civil, deixando de fixar os prazos determinados, porém a mudança legislativa não libera o interessado do cumprimento da exigência que proíbe convencionar o penhor, agrícola ou pecuário, com prazos superiores aos das respectivas obrigações garantidas, até porque a limitação do prazo do penhor rural à duração da obrigação garantida, tal como afirmou Gustavo Tepedino, tornou mais simples e menos onerosas as operações de financiamento no setor (Código Civil Intepretado Conforme a Constituição da República, Editora Renovar, 2ª Edição, Volume III, p.895).
A jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura é firme nesse sentido, cabendo trazer à colação trecho do voto proferido pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas quando do julgamento da apelação cível n.º 598-6/0, da Comarca de Pacaembu:
"(...) não se diga que o prazo do penhor seja distinto do prazo da obrigação (ou de vencimento da cédula), por ser aquele legal (cinco anos) e este contratual (oito anos): a) a uma, porque o título em foco não autoriza essa leitura dicotômica de prazos, mas, ao contrário, indica a unidade do prazo de oito anos também referido no campo clausulado denominado 'obrigação especial - garantia', com subsequente previsão de prorrogação para a hipótese de 'vencimento do penhor' (fls. 69); b) a duas, porque vinculada a cédula de crédito rural à garantia pignoratícia, o prazo de referência expresso na cédula é também o do penhor'.
No mesmo sentido, as apelações cíveis n.°s 1.169-6/0, de relatoria do Des. Reis Kuntz (relatoria do Des. Munhoz Soares), 529-6/6 e 709-6/8 (Des. Gilberto Passos de Freitas), 9000001-88.2012.8.26.0201 (Des. José Renato Nalini).
O apelante defende a validade da cláusula contratual que permite estipular sobre vencimento do título com data posterior ao vencimento da obrigação (prazo final de pagamento), sob a alegação de que a Resolução n.º 4.106/12 do Banco Central possibilita a renovação simplificada do crédito, contudo tal interpretação não tem força para afastar as disposições do Código Civil e do Decreto Lei n.º 167/67. Na verdade, pela sistemática legal, a renovação do crédito exige novo instrumento contratual para viabilizar a averbação à margem do registro, prorrogando-se o prazo da garantia (penhor). Em outras palavras, a previsão na própria cédula de uma cláusula pela qual o devedor se obriga pela prorrogação não altera o entendimento consolidado neste Eg. Conselho Superior da Magistratura, pois a lei dispõe em sentido contrário, podendo ser citado, para contrapor ao que se diz nas razões recursais fls.71/92, o que está escrito no comentário feito pelo Desembargador Francisco Eduardo Loureiro: "a cláusula antecipatória de prorrogação automática é nula de pleno direito, por fraude à norma cogente proibitiva" ("Código Civil Comentado", Barueri, SP: Ed. Manole, 2007, 1ª Edição, p. 1362).
A atividade registral é pautada pelo princípio da legalidade, o qual se sobressai em importância no momento da qualificação do título, impondo ao registrador o controle dos requisitos do documento que dará entrada no fólio real. Assim, cabe ao registrador fazer o exame da legalidade do título e não se pode na qualificação desconsiderar critério expresso em lei, tal como anotou o Desembargador Ruy Camilo, na Apelação Cível n.° 1.126-6/4 do Conselho Superior da Magistratura: ''Considerando, então, que o juízo de qualificação registraria não se pode apartar da lei - o que impõe o exame da legalidade, pelo registrador, dos aspectos formais do título -, forçoso negar registro ao título cuja apresentação extrínseca esteja em desajuste com os seus requisitos legais".
Nestes termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.
São Paulo, 27 de janeiro de 2016.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Assinatura Eletrônica
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