Despachos/Pareceres/Decisões
10402104/2016
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Acórdão - DJ nº 1040210-48.2015.8.26.0100 - Apelação Cível
: 08/08/2016
Registro: 2016.0000274688
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1040210-48.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes é apelante NEYDE BRAIM DOS SANTOS, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.
São Paulo, 8 de abril de 2016.
PEREIRA CALÇAS
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Assinatura Eletrônica
Apelação Cível n° 1040210-48.2015.8.26.0100
Apelante: Neyde Braim dos Santos
Apelado: 10º Oficial do Registro de Imóveis da Capital.
Voto nº 29.205
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Compromisso de compra e venda registrado com sucessivas cessões – Negativa de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel da qual participaram os proprietários tabulares e a última cessionária – Desnecessidade da anuência dos cedentes – Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade – Recurso provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 30/32, que manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda lavrada pelo 4º Tabelião de Notas de Osasco na matrícula nº 24.077 do 10º Registro de Imóveis da Capital, sob o argumento de desrespeito ao princípio da continuidade.
Sustenta a apelante: a) que não há razão para impedir o ingresso do título que apresentou; e b) que preenche os requisitos da usucapião, uma vez que está na posse do imóvel há mais de cinquenta anos (fls. 51/56).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 73/75).
É o relatório.
De acordo com as informações que constam na matrícula 24.077 do 10º RI da Capital (fls. 5/6), o imóvel em questão é de propriedade de Lélio de Toledo Piza e Almeida e de Stella de Barros Toledo Piza. Conforme inscrição 14.355 do 10º RI, o imóvel, em área maior, foi compromissado pelos proprietários a Fenelon Mendes Bernardi, que, pela averbação nº 1 dessa inscrição, prometeu ceder todos os direitos decorrentes do compromisso a José Arthur da Frota Moreira. José Arthur e sua esposa prometeram ceder parte do imóvel a Juan Manuel Perez Fernandes (Av.2 da inscrição nº 14.355), que cedeu e transferiu os mesmos direitos a Oswaldo Dall Bello (Av.4 da inscrição nº 14.355). Em relação ao restante do imóvel, José Arthur e sua esposa cederam os direitos decorrentes da promessa de cessão objeto da averbação nº 1 a Oswaldo Dall Belo, que passou a deter os direitos de compromissário cessionário da totalidade da área compromissada. Pela averbação nº 8 da inscrição nº 14.355, Oswaldo Dall Bello prometeu ceder seus direitos de compromissário cessionário a Wilson Rubens dos Santos. Finalmente, pelo registro nº 4 da matrícula nº 24.077, por formal de partilha expedido em 22 de dezembro de 1978, os direitos sobre o bem que cabiam a Wilson Rubens foram partilhados a Neyde Braim dos Santos, ora recorrente.
Pretende a recorrente o registro de escritura pública de compra e venda na qual os espólios dos proprietários constam como vendedores e ela, recorrente, figura como compradora (fls. 9/13).
Todavia, consoante nota devolutiva de fls. 14/15, “é necessário que as promessas de cessão noticiadas sejam devidamente cumpridas através de títulos próprios ou na rerratificação da escritura ora apresentada, onde os cedentes devem comparecer cedendo os direitos prometidos”.
A questão é saber se a ausência de anuência dos cedentes anteriores na escritura de venda e compra lavrada compromete a continuidade do registro.
E a resposta é negativa.
Ao tratar da ação de adjudicação compulsória, cuja sentença substitui a declaração de vontade que não pôde ser obtida, diz Ricardo Arcoverde Credie:
“...pleiteia-se a adjudicação compulsória diretamente do titular do domínio, o promitente vendedor. Estando irregistrado o instrumento de cessão, cabe o ajuizamento da ação quando o promissário vendedor exigir a presença do cedente do compromisso quando anuente na escritura definitiva: ao juiz caberá valorar os limites entre a prudência do vendedor e sua resistência àquele ato, sem descurar da verificação da idoneidade da cessão. Diferentemente será quando a cessão estiver registrada; aí, por causa do princípio da continuidade dos atos do Registro de Imóveis, é necessária a anuência do cedente na escritura definitiva, devendo ele, consequentemente, ser demandado com o titular do domínio, ambos no polo passivo da relação processual, para que também sua eventual omissão seja suprida sentencialmente.” (Adjudicação Compulsória, 9ª edição, Malheiros, 2004, p. 59/60).
A posição tradicional, portanto, exigia que titulares de domínio, juntamente com eventuais cedentes, estivessem no polo passivo da demanda que visa à obtenção de suprimento judicial da outorga de escritura definitiva.
Essa posição, no entanto, vem mudando.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp. 648.468, decidiu:
Adjudicação compulsória. Litisconsórcio. Cedentes. 1. Na ação de adjudicação compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo corretamente ajuizada a ação contra o promitente vendedor. 2. Recurso especial conhecido e provido
Do corpo do voto do Relator, Ministro Menezes Direito, destaca-se a seguinte passagem:
“Não vejo mesmo razão para que sejam chamados os cedentes como litisconsortes. A obrigação decorrente da adjudicação compulsória é do promitente vendedor, pouco relevando o papel dos cedentes, considerando que o direito que se pretende somente pode ser cumprido pelo titular do domínio”.
Do voto-vista do Ministro Castro Filho, merece ênfase a passagem que segue:
“Definida a ação de adjudicação compulsória como pessoal, que pertine ao compromissário comprador, deve ser ajuizada em face de quem seja o titular do domínio do imóvel.
Assim, mesmo que caracterizada a cadeia de cessão de direito aquisitivos, exigível pela parte que integra o último elo da cadeia de cessões o registro da concretização da aquisição imobiliária contra aquele que possui o real domínio do bem, assim que ele reconhecer que o preço foi pago”.
Esse novo entendimento, aliás, já foi adotado por este Conselho Superior:
“REGISTRO DE IMÓVEIS - Ação judicial de adjudicação compulsória promovida em face dos que constam como proprietários do imóvel -Desnecessidade do registro dos documentos que instrumentalizam os sucessivos compromissos de venda e compra - Irrelevância do registro de um deles - Desqualificação registral afastada - Carta de sentença passível de registro - Dúvida improcedente - Recurso não provido” (Apelação nº 0020761-10.2011.8.26.0344, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 25/10/2012).
E se os cedentes não precisam constar no polo passivo da ação de adjudicação compulsória, não há razão para que seja diferente na hipótese de lavratura de escritura de compra e venda.
Com efeito, se a adjudicação compulsória objetiva um provimento judicial com a mesma eficácia da escritura não outorgada e se os proprietários tabulares – pelas decisões acima citadas – são os únicos que devem figurar no polo passivo dessa demanda, é forçoso concluir que os cedentes não precisam anuir na escritura de compra e venda lavrada entre a cessionária e os titulares de domínio.
Ou seja, para a transferência da propriedade para o último cessionário, basta que os titulares de domínio figurem como vendedores na escritura de compra e venda, não havendo necessidade de que os cedentes anteriores constem no instrumento na condição de anuentes.
E o raciocínio está respaldado pelo artigo 1.418 do Código Civil:
“O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.
Ao preceituar que o promitente comprador pode exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, referido dispositivo legal deixa muito claro que o titular dominial, ainda que tenha celebrado compromisso de compra e venda anterior, pode dispor do imóvel.
Evidentemente que não se trata de transferência de uma propriedade plena. Longe disso, pois o novo proprietário não poderá se furtar à obrigação de outorgar escritura definitiva ao compromissário comprador.
De todo modo, se pela lei o proprietário pode transferir o imóvel a terceiro, com mais razão pode, sem a anuência dos cedentes anteriores, transferir a propriedade àquela que, na qualidade de cessionária de compromisso de compra e venda, provavelmente já desfruta de praticamente todos os poderes inerentes ao domínio (jus utendi e fruendi).
Parece bastante razoável a facilitação da consolidação da propriedade, extrajudicialmente, nas mãos daquela que é cessionária de sucessivos compromissos de compra e venda registrados. Entender de outra forma, considerando a inviabilidade de se obter a anuência de todos os cedentes da cadeia, seria obrigar a cessionária a mover ação de adjudicação compulsória contra proprietários tabulares e todos os cedentes ou, pior, ajuizar ação de usucapião.
Em situação análoga, essa foi a posição recentemente adotada por este Conselho:
“Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - Negativa de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel - Desrespeito ao registro anterior de instrumento particular - Desnecessidade da anuência dos compromissários compradores - Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade - Recurso provido” (Apelação nº 0025566-92.2011.8.26.0477, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 10/12/2013).
Frise-se, por fim, que o formal de partilha que adjudicou os direitos relativos ao imóvel à recorrente foi expedido em 22 de dezembro de 1978 (cf. R.4 da matrícula nº 24.077 – fls. 6). Já as cessões que antecederam essa adjudicação são ainda mais antigas, embora não estejam datadas na matrícula (fls. 5/7). Desse modo, é bastante improvável que haja qualquer pendência em relação ao cumprimento das cessões anteriores.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso interposto.
PEREIRA CALÇAS
Corregedor-Geral da Justiça
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