Despachos/Pareceres/Decisões
10018998/2016
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Acórdão - DJ nº 1001899-88.2015.8.26.0196 - Apelação Cível
: 19/04/2016
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1001899-88.2015.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que é apelante BANCO DO BRASIL S.A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE FRANCA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO)E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 4 de março de 2016.
PEREIRA CALÇAS
RELATOR
Apelação Cível nº 1001899-88.2015.8.26.0196
Apelante: BANCO DO BRASIL S.A.
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Franca
Voto nº 29.185
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA PROCEDENTE – CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA – INVIABILIDADE DE A CÉDULA TER DATA DE VENCIMENTO POSTERIOR À DATA DA DÍVIDA – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CONFIGURADO – RECURSO NÃO PROVIDO.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Franca, que julgou procedente a dúvida suscitada em relação ao registro da cédula rural pignoratícia n.º 40/01129-1, emitida em 07/11/2014 por Marcos Elias Coelho, sob o fundamento de que o fato de a cédula ter data de vencimento posterior à data do vencimento da própria dívida, é contrário ao disposto no artigo 1.439 do Código Civil e no artigo 61 do Decreto nº 167/67 que regulam a matéria.
O apelante invoca a atual redação do artigo 61 do Decreto-lei nº 167/67, alterada pela Lei nº 12.873/13. Afirma que a decisão traduz interpretação literal deste dispositivo legal, e que não há vedação expressa em relação à prorrogação pré-ajustada do penhor, de maneira que, enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver. Acrescenta que um dos princípios básicos dos títulos de crédito é o da autonomia e seu consectário da abstração, o que não fulmina a obrigação original que deu causa ao título, a qual continua viva e válida e pode inclusive ser objeto de modificações. Diz que apesar de o instrumento não registrado ensejar a interpretação de existência de quatro datas de vencimento, tal situação é incorreta, quando se constata que a cédula contém vencimento final único e a cláusula “Forma de Pagamento” contempla vencimento das obrigações decorrentes do saldo devedor existente, mas, caso atendidas as condições da cláusula de “Renovação Simplificada”, de acordo com a forma autorizada pelo Manual do Crédito Rural, esse vencimento será postergado para outro ciclo produtivo, por meio de anotação na cédula, respeitando-se o prazo de vencimento final do instrumento. Prossegue discorrendo sobre o tema e sobre as disposições do Manual de Crédito Rural, e afirma que a própria lei prevê o descasamento do prazo da operação com o prazo da garantia.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
Correta a recusa do Oficial, mantida pela r. sentença prolatada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.
A questão já foi enfrentada por esse Conselho, quando do julgamento da apelação nº 9000002-51.2011.8.26.0252, de relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Hamilton Elliot Akel. Lá, ficou assentado:
“De início, cumpre apontar que o prazo da garantia não pode ser tratado de forma autônoma ao prazo da cédula em si. Nessa espécie de título, a garantia e a obrigação estão vinculadas de tal forma que não cabe a separação pretendida quanto aos prazos. Assim, o prazo do penhor é o da cédula.
A jurisprudência deste Colendo Conselho Superior é firme nesse sentido. Vale trazer à colação trecho de voto do Desembargador Gilberto Passos de Freitas, na apelação cível 598-6/0, da Comarca de Pacaembu:
"(...) não se diga que o prazo do penhor seja distinto do prazo da obrigação (ou de vencimento da cédula), por ser aquele legal (cinco anos) e este contratual (oito anos): a) a uma, porque o título em foco não autoriza essa leitura dicotômica de prazos, mas, ao contrário, indica a unidade do prazo de oito anos também referido no campo clausulado denominado 'obrigação especial - garantia', com subsequente previsão de prorrogação para a hipótese de 'vencimento do penhor' (fls. 69); b) a duas, porque vinculada a cédula de crédito rural à garantia pignoratícia, o prazo de referência expresso na cédula é também o do penhor'.”
Não obstante a alteração da redação do art. 1.439 do Código Civil e do art. 61, do Decreto-Lei 167/67 pela Lei nº 12.873/13, com a supressão dos prazos antes previstos, o raciocínio quanto à impossibilidade da dicotomia entre prazo de garantia e vencimento permanece.
Nenhuma das razões expostas no apelo tem o condão de alterar o que esse Conselho já decidiu. Trata-se, aqui, de um título de crédito. Uma vez expirado o prazo final para pagamento e adimplida a dívida, não pode estender-se a garantia. A chamada “renovação simplificada” nada mais representa senão uma nova contratação, o que não pode ser feito com a utilização de título de crédito cuja exigibilidade já não subsiste. Por outro lado, na hipótese de inadimplência, a renovação significaria novação, ou seja, criação de nova obrigação em substituição à primeira, não podendo, da mesma maneira, subsistir a garantia.
O art. 1439 do Código Civil é claro ao apontar que o penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores ao das obrigações garantidas.
O art. 61 do Decreto-Lei 167/67 também diz que o prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário, não excederá o prazo da obrigação garantida. A segunda parte do artigo e seu parágrafo único não permitem a interpretação desejada pelo recorrente. Lá se diz que, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. O paragrafo único trata da prorrogação do penhor e da garantia. Ora, parece claro que em ambos os casos se trata de hipóteses de prorrogação da mesma obrigação. Porém, o que pretende o recorrente é a renovação da obrigação, que, aliás, conforme o título, tem como pressuposto a sua quitação.
Portanto, agiu corretamente o Oficial ao negar ingresso ao título, não obstante norma administrativa, do Conselho Monetário Nacional, permitir a operação.
Com efeito, o registrador tem o dever de “proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental” (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).
O exame da legalidade consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei. Assim, cabe ao Oficial Registrador fazer o exame da legalidade do título e não se pode na qualificação desconsiderar critério expresso em lei.
Oportuno colacionar trecho de voto do Des. Ruy Camilo, na Apelação Cível nº 1.126-6/4 do Conselho Superior da Magistratura: ''Considerando, então, que o juízo de qualificação registraria não se pode apartar da lei - o que impõe o exame da legalidade, pelo registrador, dos aspectos formais do título -, forçoso negar registro ao título cuja apresentação extrínseca esteja em desajuste com os seus requisitos legais."
À vista do exposto, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
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