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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 90000013/2014


Acórdão - DJ nº 9000001-34.2013.8.26.0531 - Apelação Cível
: 22/10/2014

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000001-34.2013.8.26.0531, da Comarca de Santa Adélia, em que é apelante WILSON FRANCISCO DARDANI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SANTA ADÉLIA.

 

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO VENCEDOR O DES. JOSÉ RENATO NALINI.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

 

 São Paulo, 7 de outubro de 2014.

 

         

     ELLIOT AKEL

RELATOR

 

 

 

 

        APELAÇÃO CÍVEL nº 9000001-34.2013.8.26.0531

Apelante: Wilson Francisco Dardani

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Adélia

Voto nº 34.025

 

 

 

 

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida. Registro de carta de adjudicação.

 

Modo derivado de aquisição da propriedade. Modificação do posicionamento anterior do Conselho Superior da Magistratura. Análise da natureza jurídica do ato de adjudicação. Fundamentos que não afastam a natureza derivada da transmissão coativa.

 

Óbices ao registro mantidos. Omissão quanto à existência de reserva de usufruto e instituição de cláusula de inalienabilidade sobre o imóvel adjudicado. Título que não descreve adequadamente o bem e é omisso em relação à demarcação da reserva legal. Precedente da Corregedoria Geral da Justiça.

 

Recurso não provido.

 

 

 

Trata-se de apelação interposta por Wilson Francisco Dardani contra a sentença de fls. 15/16, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Adélia, mantendo a recusa de registro, porque a constrição deveria ter recaído sobre ¼ da metade da nua propriedade, porquanto o imóvel estava gravado com usufruto vitalício. Quanto à cláusula de inalienabilidade, essa implicaria em ônus real que limita o direito de propriedade, impedindo temporariamente o exercício do direito de dispor da coisa. Finalmente, no tocante à descrição do imóvel, seria necessária a retificação da área para sua individualização, sobretudo com a averbação da área de reserva legal sobre o imóvel.

O apelante, em suas razões, alega que a adjudicação seria um modo originário de aquisição da propriedade e, portanto, teria o condão de extinguir o gravame que recai sobre o imóvel e o equívoco do auto de penhora e do edital, ao omitirem a existência de usufruto, não afetaria tal situação.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 33/36).

É o relatório.

 

No procedimento de dúvida não é possível o exame parcial das exigências feitas pelo Oficial do Registro Imobiliário em virtude da permanência da inviabilidade do registro por força do não atendimento da totalidade das exigências (nesse sentido, entre muitos outros, anotam-se inúmeros precedentes do Conselho Superior da Magistratura:, Apelação Civel. 990.10.325.599-2, Rel. Des. Antonio Carlos Munhoz Soares, j. 14/12/2010; Apelação Cível 990.10.030.839-4, Rel. Des. Marco César Müller Valente, j. 30/06/2010 e Apelação Cível 0003273-76.2013.8.26.0019, Rel. Des. José Renato Nalini, j. 10/12/2013).

De qualquer modo, considerando o teor da impugnação apresentada pelo apelante, no sentido de que a adjudicação constituiria modo originário de aquisição da propriedade, entendo nela compreendidas todas as exigências apresentadas pelo Oficial de Registro de Imóveis, o que permite o exame do recurso, afastando eventual prejudicialidade.

A primeira questão a ser analisada diz respeito à natureza jurídica da adjudicação, pois somente a partir dessa premissa é que poderão operar as demais consequências decorrentes da aquisição da propriedade.

Tenho para mim que a adjudicação, tanto quanto a arrematação, constitui forma de alienação forçada, e que, segundo ARAKEN DE ASSIS, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (Manual da Execução. 14ª edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa. Este intercâmbio patrimonial forçado se distingue, beneficiando ao credor, pela circunstância de o bem divergir do objeto da prestação, que é dinheiro, mas o fenômeno acontece através de declaração de vontade do exequente, conforme estabelece o art. 685-A, caput. Daí, mediante a adjudicação, o juiz, ‘que tem consigo o poder de converter’, assina os bens penhorados ao credor – na acepção clássica. Ela opera pro soluto até o valor do bem adjudicado. Trata-se de negócio jurídico, análogo à arrematação, no qual figura como adquirente o credor” (idem, ib, p. 839).

 Em relação ao título da aquisição, por se tratar de alienação forçada, há acordo de transmissão e, no caso, o Estado transmite ao adquirente os direitos do executado na coisa penhorada, desde a assinatura do auto, destacando-se o duplo papel desse último, pois constitui a forma e a ultimação do negócio jurídico de adjudicação, e a partir dele é que será originado o título formal, que é a carta de adjudicação.

Diante desse quadro, e respeitadas as opiniões que veem a adjudicação como modo originário de aquisição da propriedade, assim como a arrematação, justamente por entender que o Estado substituiria o proprietário, cindindo a cadeia de transmissões, não vejo como afastar a relação existente entre dívida e responsabilidade em matéria de execução e, por consequência, reconhecer que se trata de modo originário de aquisição.

Vale, nesse sentido, a observação do processualista gaúcho mencionado, no sentido de que “respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 591), ao Estado descabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face do verus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemo plus iuris in alios transfere potest quam ipse haberet)” (idem, ib., p. 820).

Não desconheço que, recentemente, na Apelação Cível n.º 0007969-54.2010.8.26.0604 (Relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Renato Nalini), este Conselho Superior da Magistratura, alterando posicionamento anterior, reconheceu que a arrematação constituiria modo originário de aquisição da propriedade, com fundamento em decisões do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE - APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.

 

No mesmo sentido, mencionaram-se na ocasião os seguintes precedentes: AgRg no Ag 1225813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp 1059102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp 1038800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp nº 807455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp nº 40191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade); e REsp nº 1179056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins).

Em todos esses precedentes mencionados, parece-me que a solução dada foi muito peculiar e relacionada, na quase to0talidade dos casos, à responsabilidade tributária, especialmente à vista do disposto no parágrafo único do artigo 130 do Código Tributário Nacional, no sentido de que no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorre sobre o respectivo preço.

O fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não afasta o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.

Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112).

Como anotado acima, a adjudicação é negócio jurídico entre o Estado e o adquirente. O primeiro detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente, não se podendo dizer, só por isso, que não houve relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa.

Em outras palavras, nos casos de alienação forçada não deixa de haver vínculo entre a situação anterior da coisa e a propriedade adquirida, com a diferença que, nesses casos de transferência coativa, o ato figura mais complexo, justamente diante da participação do Estado.

Por isso, entendo que o fato de na adjudicação e na arrematação não haver relação negocial direta entre o anterior proprietário e o adquirente não torna originária a aquisição da propriedade daí decorrente.

É certo que o precedente deste Conselho Superior da Magistratura, acima mencionado, buscou confortar situação bastante delicada, relacionada à indisponibilidade a que se refere o § 1º, do artigo 53, da Lei 8.212/91, ao reconhecer que referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores referentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto. De qualquer modo, entendo que tal situação pode ser contornada sem que para isso seja preciso reconhecer como modo originário de aquisição da propriedade a arrematação ou a adjudicação.

Nesse sentido, destaca-se a observação feita por Josué Modesto Passos, no sentido de que “a arrematação não pode ser considerada um fundamento autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige –, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118).

A propósito, não há como simplesmente apagar as ocorrências registrarias anteriores ao ato de transmissão coativa, quando é da essência do registro público justamente resguardar as situações anteriores, situação que não se confunde com mecanismos de modulação dos efeitos da transmissão coativa, para atingir ou mesmo resguardar direitos de terceiros.

Parece-me até mesmo desnecessária qualquer tentativa de flexibilização das regras de continuidade e especialidade, no intuito de desatrelar a alienação forçada dos títulos dominiais pretéritos, porque não há óbice para que convivam harmonicamente, a partir de critérios de modulação de seus efeitos.

Nesse sentido é que o Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes que serviram de paradigma para a decisão deste Conselho Superior da Magistratura, reconheceu a inexistência de responsabilidade tributária do arrematante por débitos tributários anteriores, sem que com isso se possa estender o raciocínio para abarcar a prescindibilidade da observância dos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva, mesmo porque responsabilidade não se confunde com débito, embora normalmente correlatos (AgRg no Ag 1225813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp 1059102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp 1038800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp nº 807455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon). Do mesmo modo, no REsp nº 40191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade), que tratou da arrematação nos casos de existência de hipoteca; e no REsp 1179056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins), que ressalvou os casos de obrigação propter rem.

Destaca-se, além disso, que a aventada modulação dos efeitos da transmissão coativa não é novidade, bastando lembrar do direito de sequela, típica hipótese em que não há propriamente o afastamento dos princípios registrários mencionados, mas uma adequação da cadeia registral.

Em suma, a adjudicação, assim como a arrematação, não constitui modo originário de aquisição da propriedade, caindo por terra as alegações formuladas pelo recorrente. E, mesmo que assim não fosse, os óbices apresentados pelo Oficial de Registro de Imóveis são pertinentes no caso, lembrando-se que a origem judicial do título não dispensa a qualificação e a prévia conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral.

Verifico que a carta de adjudicação não faz qualquer referência à existência de usufruto sobre a parte do imóvel de matrícula n. 2.170 e que foi objeto de constrição, o que leva a crer que essa recaiu sobre direitos que não eram detidos pelo executado, quando o correto era que tivesse recaído apenas sobre a nua propriedade.

O usufrutuário é titular de um dos atributos da propriedade, no caso o domínio útil, para usar e fruir do bem, o que não impede a transmissão da nua propriedade, desde que respeitada a cisão dos direitos inerentes à propriedade e ressalvado o direito real do usufrutuário até que haja a sua extinção.

Logo, observados os princípios da continuidade e da disponibilidade, não há como operar registro de direito do qual o transmitente não é titular, o que ocorre com o domínio útil no caso em questão, que é de titularidade dos usufrutuários, conforme R.9/2.170 (fl. 14 do apenso).

No caso da cláusula de inalienabilidade (Av.10/.2.170 – p. 14, verso), da mesma forma, importa na impossibilidade de penhora do bem, por força do artigo 1.911 do Código Civil, que pôs fim à celeuma doutrinária existente ao tempo da vigência do código anterior, ao dispor que “a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade” e, como consequência, impede que a adjudicação seja efetivada.

Finalmente, também não merece reparo o óbice relacionado à precária descrição do imóvel, destacando-se que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro. Quando se tratar, por exemplo, de alienação de parte de um imóvel, necessário será que a descrição da parte permita localizá-la no todo e, ao mesmo tempo, contenha todos elementos necessários à abertura da matrícula” (ORLANDI NETO, Narciso. Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 68).

No caso, a descrição do imóvel é precária, carecendo da devida individualização e da averbação da área de reserva legal, conforme já se decidiu no Processo n. 2012/00044346, o que reforça a correção da sentença recorrida.

 

Pelas razões expostas, nego provimento ao recurso.

 

 

      HAMILTON ELLIOT AKEL

  Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

VOTO N.º 21.568

conselho superior da magistratura

APELAÇÃO CÍVEL N.º 9000001-34.2013.8.26.0531

Apelante: WILSON FRANCISCO DARDANI

Réu: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA ADÉLIA

 

 

Vistos etc.

Ouso divergir parcialmente da posição esposada pelo Relator, o e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, malgrado sem alterar o resultado do julgamento, porque concluo pela procedência da dúvida e pelo desprovimento do recurso.

A discordância se restringe à fundamentação e, particularmente, ao reconhecimento da ofensa ao princípio da especialidade objetiva e à referência à arrematação – então inocorrente in concreto – como modo derivado de aquisição da propriedade imobiliária.

A carta de adjudicação (não houve arrematação) tendo por objeto parte ideal correspondente a 1/8 do bem imóvel identificado na mat. n.º 2.170 do RI de Santa Adélia, de propriedade do executado JOSÉ ROBERTO ZANQUETA, foi desqualificada para fins de registro em atenção, primeiro, à cláusula de inalienabilidade, instituída por meio da av. 10[1], e também porque ofensiva aos princípios da continuidade, da disponibilidade e da especialidade objetiva.[2]

Quanto aos princípios registrais da disponibilidade e continuidade, afirmou-se que JOSÉ ROBERTO ZANQUETA é proprietário apenas da nua-propriedade, de modo que a penhora e a alienação judicial desconsideraram o direito real de usufruto sob titularidade de THEREZINHA CONCHETTA ZAVATTI ZANQUETA.[3]

A respeito do princípio da especialidade objetiva, invocou-se a precariedade da descrição tabular, a exigir a prévia retificação, com averbação da reserva legal, condição para o registro pretendido.

O r. voto da lavra do Corregedor Geral da Justiça, o e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, ao desprover o recurso, assentou a pertinência de todas as exigências e, alterando a orientação que prevalecia nesse C. Conselho, acrescentou: a arrematação – tal como a adjudicação – é modo derivado de aquisição da propriedade.

Em relação à cláusula de inalienabilidade, é realmente impeditiva do registro. Estabelecida em favor do donatário/executado JOSÉ ROBERTO ZANQUETA[4], não há como quebrá-la em prejuízo dele, salvo nas hipóteses de desapropriação, como prevê o parágrafo único do art. 1911 do CC[5]. E porque, consoante o caput desse dispositivo[6], importa impenhorabilidade do bem imóvel, o registro representaria ofensa ao princípio da legalidade.

O usufruto pertencente a terceira pessoa estranha à execução judicial[7], desprezado pela constrição judicial e pela adjudicação[8], obsta igualmente o registro do título, mas não sob o pálio do princípio da continuidade ou mesmo do da disponibilidade.

Porque a impenhorabilidade e a inalienabilidade são ínsitas ao usufruto, que, nos expressos termos do art. 1.393 do CC[9], admite apenas a cessão de seu exercício, o registro da carta de adjudicação – e aqui desimportante a discussão sobre eventual ciência dos usufrutuários – feriria o princípio da legalidade e o da inscrição, compreendido em sua dimensão negativa.

Em contrapartida, a precariedade da descrição não justifica a desqualificação. Há exata identidade entre a descrição tabular e a do título. O registro não importaria desmembramento, tampouco fusão. Não criaria nova unidade imobiliária. A base geodésica permaneceria inalterada. Por isso, a prévia retificação é desnecessária, na linha da atual jurisprudência desse Conselho e, em especial, das Apelações Cíveis n.º 0009480-97.2013.8.26.0114 e n.º 0015003-54.2011.8.26.0278, sob a relatoria do e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, julgadas em 2 de setembro de 2014.

Por sua vez, a afirmação de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade – a par de prescindível para fins de desqualificação e desprovimento do recurso – contraria a recente e firme jurisprudência desse C. Conselho[10], construída no último biênio sob a inspiração do C. Superior Tribunal de Justiça[11], que procurou, com seus poderosos precedentes, atribuir a essa espécie de aquisição a máxima segurança, inclusive em prestígio do Poder Judiciário e da efetividade das decisões judiciais.

Ao pontuar a inexistência de relação jurídica entre o adquirente e o anterior titular do direito real, a irrelevância da ausência de nexo causal entre o passado e a situação jurídica atual e a inocorrência de transmissão voluntária do direito de propriedade, esse Conselho, ao rever seu pretérito entendimento, identificou a arrematação judicial como modo originário de aquisição da propriedade, de sorte a alinhar-se com a pacífica orientação do C. STJ e prestigiar o princípio da segurança jurídica.

Concluiu que a arrematação é causa autônoma suficiente que liberta a propriedade de seus vínculos e dos títulos dominiais anteriores, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, embora sujeita, por expressa disposição legal, aos riscos da evicção. A ressalva textual, positivada no art. 447 do CC[12], somente reforça o caráter originário da aquisição da propriedade via arrematação, em hasta pública, pois, se derivado fosse, prescindível seria o acautelamento.

Desse modo, nova alteração de posicionamento em tão curto espaço temporal – e que se insinua desde o julgamento da Apelação n.º 9000002-19.2013.8.26.0531, no dia 2 de setembro de 2014 – em desconformidade com a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça e logo após, insisto, a consolidação do entendimento que se revê, sem fatos novos e antes de permitir a reflexão sobre o impacto e as consequências da modificação que se supera, gera insegurança jurídica, em afronta a princípio cardeal do sistema registral, revela-se prematura e fragiliza o princípio da colegialidade.

De mais a mais, com a devida vênia, sequer é necessário debater e, principalmente, deliberar a mudança de orientação administrativa. Para a procedência da dúvida e a rejeição do apelo – que não versam sobre registro de carta de arremataçãobasta, conforme assinalado, a invocação do princípio da legalidade.

A qualificação registral, iluminada pelo princípio da legalidade, não se restringe aos aspectos extrínsecos; abarca os intrínsecos, o conteúdo do título. A integralidade é um de seus traços. A propósito, lembro acurado escólio do e. Des. RICARDO DIP:

No Brasil, a qualificação registral dos títulos exibidos diz respeito não apenas a seu aspecto exterior (título em sentido formal), mas igualmente à causa de aquisição ou de oneração (título em sentido material) ...

Tampouco se restringe o juízo qualificador ao título ordinário (ou principal), estendendo-se aos acessórios (ou complementares) ..., nem se limita, sob o color da origem pública dos títulos, a apreciar os instrumentos privados.[13]

Por estes fundamentos, malgrado desproveja o recurso em atenção à cláusula de inalienabilidade, ao direito real de usufruto e, especialmente, ao princípio da legalidade, meu voto, quanto à fundamentação, diverge parcialmente do proferido pelo Relator, o e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL.

 

 

JOSÉ RENATO NALINI

Presidente do Tribunal de Justiça

.

 

 

 

 

[1] Fls. 14v dos autos em apenso.

[2] Fls. 2-6.

[3] R.9 e Av. 28 da mat. 2.170 – fls. 14, 14v e 18 dos autos em apenso.

[4] Fls. 14v dos autos em apenso.

[5] Art. 1.911. (...)

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

[6] Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

[7] R.9 e Av. 28 da mat. 2.170 – fls. 14, 14v e 18 dos autos em apenso.

[8] Fls. 9, 36-37 e 38-39 dos autos em apenso.

[9] Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.

[10] A título de exemplo, Apelações n.ºs 0007969-54.2010.8.26.0604, j. 10.5.2012, 0018138-36.2011.8.26.0032, j. 20.9.2012, 0021311-24.2012.8.26.0100, j. 17.1.2013, 0013197-92.2012.8.26.0554, j. 18.4.2013, e n.º 0038265-20.2012.8.26.0562, j. 9.5.2013, todas de minha relatoria.

[11] REsp n.º 40.191/SP, rel. Min. Dias Trindade, j. 14.12.1993; REsp n.º 807.455/RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28.10.2008; REsp n.º 1.038.800/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, j. 20.08.2009; AgRg no Ag n.º 1.225.813/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 23.3.2010; REsp n.º 1.179.056/MG, rel. Min. Humberto Martins, j. 7.10.2010.

[12] Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. (grifei)

[13] Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário. n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992. p. 54.



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