Despachos/Pareceres/Decisões
94056120/2013
:
Acórdão - DJ nº 0009405-61.2012.8.26.0189 - Apelação Cível
: 18/11/2013
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0009405-61.2012.8.26.0189, da Comarca de Fernandópolis, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados ARNALDO MARTINEZ JUNIOR e ELZA NOSSE CHAVES MARTINEZ.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA, AO RECONHECER O ACERTO DA DESQUALIFICAÇÃO REGISTRAL E REVER A ORDEM DE REGISTRO DO TÍTULO, JULGAR A DÚVIDA PROCEDENTE, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 6 de novembro de 2013.
RENATO NALINI
RELATOR
Apelação Cível n.º 0009405-61.2012.8.26.0189
Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelado: Arnaldo Martinez Júnior e Elza Nosse Chaves Martinez
VOTO Nº 21.351
REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de venda e compra de fração ideal – Elementos indicativos de parcelamento ilegal do solo – Vendas sucessivas de frações ideais do mesmo bem imóvel – Ausência de vínculo entre os coproprietários – Erros pretéritos não justificam outros – Adquirentes cientes da orientação normativa do C. CSM e da E. CGJ – Desqualificação registral confirmada – Registro obstado – Recurso provido.
O Ministério Público do Estado de São Paulo apela contra a r. sentença que julgou a dúvida improcedente[1] porque – configurada a venda de fração ideal, vedada nos termos do item 151 do Cap. XX das NSCGJ, e presentes indícios de parcelamento ilegal do solo –, resta desautorizado o registro da escritura pública de venda e compra.[2]
Recebido o recurso[3], os recorridos ofereceram resposta[4], os autos foram encaminhados ao C. Conselho Superior da Magistratura[5] e a D. Procuradoria Geral de Justiça propôs o provimento do recurso.[6]
É o relatório.
Os recorridos, quando impugnaram a dúvida, afirmaram que registros anteriores realizados na matrícula n.º 37.418 do Registro de Imóveis e Anexos de Fernandópolis, envolvendo vendas de frações ideais, justificariam o registro obstado.[7]
Erros pretéritos, contudo, não justificam nem legitimam outros; não se prestam a respaldar o ato registral pretendido, conforme precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura[8]; em suma, a argumentação é insuficiente para escorar a pretensão registraria.
A venda e compra formalizada pela escritura pública tem por objeto alienação de fração ideal (1/6) de uma parte ideal com localização e metragem certas; a descrição do bem imóvel constante da matrícula deixa isso claro:
... uma propriedade rural encravada na Fazenda Marinheiro ou Barra das Pedras, neste município, designada de gleba 2-B1, com a denominação especial de Fazenda São Francisco, com a área de dois hectares e setenta ares (2.70,00 há) de terras, sem benfeitorias, dentro das seguintes divisas, medidas e confrontações: ...[9]
As transmissões registradas, com sucessivas alienações de frações ideais da parte ideal identificada na matrícula n.º 37.418[10], são indicativas de parcelamento ilegal do solo, prestigiado pela ausência inquestionada de vínculos entre os condôminos, a impedir a inscrição perseguida, que levaria, ademais, a inobservância da fração mínima de parcelamento da região.[11]
A circunstância dos alienantes da fração ideal correspondente a 1/6 do imóvel, Valter de Souza e Jane Cristina Fidelis de Souza, terem, antes, adquirido, em conjunto e partes iguais com outro casal, a fração ideal equivalente a 1/3 do bem identificado na matrícula, reforça, em particular, a ocorrência de parcelamento irregular do solo.
A desqualificação registraria, assim, revelou-se acertada; encontra amparo na regra do item 151 do Cap. XX das NSCGJ, de acordo com o qual é vedado proceder a registro de venda de frações ideais, com localização, numeração e metragem certa, ou de qualquer outra forma de instituição de condomínio ordinário que desatenda aos princípios da legislação civil, caracterizadores, de modo oblíquo e irregular, de loteamentos ou desmembramentos.
E nessa trilha, é oportuno lembrar precedente recente do C. CSM, rel. Des. Maurício Vidigal, no qual acentuado que a ausência de atrelamento da fração ideal ao solo, por si só, não legitima o registro, porquanto a simples expansão de condomínio supostamente pro indiviso no tempo, sem nenhuma relação de parentesco entre os sujeitos de direito, é indicativa, segundo o que normalmente acontece, de divisão informal, sem o controle registrário.[12] (grifei)
Outro, recentíssimo, da minha relatoria, e com referência a elucidativo parecer do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Claudio Luiz Bueno de Godoy, lavrado nos autos do processo CG n.º 21/2003, seguiu o mesmo caminho, ao enfrentar a questão da aquisição e do registro de frações ideais com indícios de parcelamento ilegal do solo, vedando o assento do título correspondente.[13]
No parecer aludido, inclusive, em apontamento aplicável ao caso vertente, que igualmente abrange bem imóvel rural, constou:
... também irrelevante o fato de se tratar de imóvel rural. Isto porquanto, se não aplicável a Lei 6.766/79, o Dec. Lei 58/37 (art. 1º), e também o Estatuto da Terra (art. 61), complementado pelo art. 10 da Lei 4.947, ao regrar o parcelamento do imóvel rural, igualmente exigem uma série de providências acautelatórias dos adquirentes e do meio-ambiente, no caso contornadas pelo expediente de aparente instauração de condomínio civil, com vendas de partes ideais, todavia em burla à lei.
Enfim, e porque a qualificação registral não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados[14], a r. sentença atacada, respeitado o convencimento nela expresso, deve ser reformada.
Aliás, nem é razoável afirmar que os recorridos foram surpreendidos com a desqualificação: ora, ao tempo da lavratura da escritura, declararam ter conhecimento do parecer n.º 348/2001-E da E. CGJ do Estado de São Paulo, de autoria dos então Juízes Auxiliares da Corregedoria Antonio Carlos Morais Pucci, Eduardo Moretzsohn de Castro, Luís Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho e Mario Antonio Silveira[15], cuja cópia consta dos autos[16], e, portanto, da orientação com força normativa em que fundada a recusa impugnada.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para, ao reconhecer o acerto da desqualificação registral e rever a ordem de registro do título, julgar a dúvida procedente.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[8]Apelação Cível n.º 19.492-0/8, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 17.2.1995.
[10]Fls. 8-10 – r. 1, r. 2, r. 3, r. 5 e r. 6.
[12]Apelação Cível n.º 990.10.512.895-5, j. 5.5.2011.
[13]Apelação Cível n° 0000182-09.2012.8.26.0408, j.23.8.2013.
[14]Apelação Cível n.º 72.365-0/7, rel. Des. Luís de Macedo, j. 15.2.01.
|