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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 90000048/2013


Acórdão - DJ nº 9000004-83.2011.8.26.0296 - Apelação Cível
: 02/10/2013

 

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000004-83.2011.8.26.0296, da Comarca de Jaguariúna, em que é apelante JOSÉ FRANCISCO DEL CIELO DEMATÊ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAGUARIÚNA.

 

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA DETERMINAR O REGISTRO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.

 

 São Paulo, 26 de setembro de 2013.

 

        

     RENATO NALINI

RELATOR

 

 

 

 

 

Apelação Cível nº 9000004-83.2011.8.26.0296

Apelante: José Francisco Del Cielo Dematê

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaguariúna

VOTO Nº 21.324

 

 

 

 

 

REGISTRO DE IMÓVEIS - Carta de adjudicação - Dispensa de apresentação das CNDs do INSS e conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União por representar sanção política - Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP – Natureza originária da aquisição - Recurso provido.

 

 

 

 

Apela o Sr. José Francisco Del Cielo Dematê contra a r sentença[1] que, nos autos do procedimento administrativo de dúvida, decidiu pela não realização do registro da Carta de Adjudicação sem a apresentação de CND do INSS e da Receita Federal. Aduz o apelante a efetivação do registro por força da natureza judicial do título[2].

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso[3].

É o relatório.

Não é necessário apresentar a CND do INSS e da Receita Federal para o registro, consoante estabelecido entendimento do Conselho Superior da Magistratura.

O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88:

Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I - transferência de domicílio para o exterior;

(...)

III - registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

 IV - quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional - OTNs:

a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

 § 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

 

Interessa o inciso IV, alínea "b", que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

Neste julgamento, está-se exigindo que o apelante apresente a CND do INSS e da Receita Federal.

Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

À vista de tais considerações é que a exigência de se apresentar a CND deve ser afastada.

O v. acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações.

Exatamente por esta razão é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:

Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.

Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns das sanções políticas, deixou claro o Supremo Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar meio de cobrança não admitido pela ordem Constitucional vigente.

 

Demais disso, o v. acórdão da Suprema Corte ainda destaca que as sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna).

Tudo isso pode ser aferido da simples leitura da ementa do v. acórdão que, conquanto extensa, ora transcrevo porque esclarecedora:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) - estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional - à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.

 

Se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como as previstas no art. 47, I, "b", da Lei 8.212/91, e na instrução normativa nº 93/2001, da Receita Federal.

Em suma: não se pode mais interpretar o art. 47, da Lei nº 8.212/91 e a Instrução Normativa nº 93/2001, da Receita Federal, à revelia do v. acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).

Também este Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado nesse sentido.

Nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o C. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade do art. 47, I, "d", da Lei nº 8.212/91. O v. acórdão restou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA "D". EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.

 

Ao proferir voto-vista, consignei que:

"De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins - sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública - não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, 'd', da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário "no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada." Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, "A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal." O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades." (grifei).

 

Frise-se que, tanto no caso da extinção da pessoa jurídica quanto no presente (registro de carta de adjudicação), a apresentação da CND tem o mesmo fim: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário.

Se assim é, idêntico tem de ser o desfecho, afastando-se a exigência da apresentação das CNDs também para a hipótese em exame.

Nenhuma razão justifica a comprovação de inexistência de débito tributário para o registro da carta de adjudicação, o que demonstra que se está diante de uma exigência desproporcional e não razoável.

Por todas essas razões é que em conformidade à jurisprudência da Suprema Corte no tocante ao repudio às sanções políticas, não cabe a exigência da CND do INSS e da Receita Federal para o registro.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para determinar o registro.

 

 

  JOSÉ RENATO NALINI

   Corregedor Geral da Justiça e Relator

 

 

 

 

[1] Fls. 51.

[2] Fls. 55/62.

[3] Fls. 74/75.



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