Despachos/Pareceres/Decisões
90000013/2012
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Acórdão - DJ nº 9000001-37.2012.8.26.0315 - Apelação Cível
: 25/07/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 9000001-37.2012.8.26.0315, da Comarca de LARANJAL PAULISTA, em que é apelante AGROCERES MULTIMIX NUTRIÇÃO ANIMAL LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, possibilitando o registro da Carta de Arrematação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 13 de dezembro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
Apelação Cível nº 9000001-37.2012.8.26.0315
Apelante: Agroceres Multimix Nutrição Animal Ltda.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Laranjal Paulista
Voto CSM nº 21.131
Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - Negativa de registro de carta de arrematação – Imóvel onerado com hipoteca decorrente de cédula de crédito rural – Garantia vencida e não cancelada – arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem - Incidência de norma expressa do art. 59 do Decreto-Lei 167/67 apenas nas alienações voluntárias – recurso provido.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Laranjal Paulista, a pedido de Agroceres Nutrição Animal Ltda., em face de sua recusa em efetivar o registro de Carta de Arrematação extraída dos autos nº 838/03, da Execução de Título Extrajudicial, que teve lugar perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Claro, relativa ao imóvel objeto da matrícula 3395 do Registro de Imóveis de Laranjal Paulista.
A MM. Juíza Corregedora Permanente acolheu as ponderações do Oficial do Registro de Imóveis e manteve a recusa do registro (fls. 157/165).
Inconformada com a respeitável decisão, interpôs a interessada, tempestivamente, o presente recurso, sustentando a desnecessidade do cancelamento do gravame para o registro pretendido (fls. 172/177).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 193/196).
É o relatório.
Das quatro exigências formuladas pelo Oficial do Registro, a apelante alega ter atendido três, restando apenas a referente ao cancelamento da hipoteca cedular, objeto da averbação (Av.9-M.3.395) ou da anuência do credor hipotecário, como previsto pelo artigo 59 do Decreto Lei 167/67.
Com razão a apelante. Equivocou-se o Oficial em mencionar a falta de apresentação de documento que comprove não envolver a venda pessoa jurídica estrangeira, como solicitado na nota de devolução anterior (fls. 123/125), que foi devidamente juntado pela interessada.
Remanesce, portanto, apenas a exigência relativa ao cancelamento da averbação da cédula de crédito rural ou a anuência do credor.
Sustenta o zeloso Registrador que embora se admita a penhora em razão da recente relativização jurisprudencial, a alienação depende de anuência do credor hipotecário, em decorrência de expressa determinação legal. Cita voto da lavra do Min. Ilmar Galvão (RE 140437/SP, DJ 03.02.1995), que menciona a motivação dos artigos 59 e 69 do Decreto 167/67 como de proteção ao crédito e ao direito de preferência do credor, criando uma garantia exclusiva com a finalidade de tutelar àqueles que forneceram o crédito aos produtores rurais, como uma espécie de reforço de garantia de retorno de capitais investidos pelos bancos credores (fls.07/08).
Como bem ponderou a MM Juíza Corregedora Permanente na sentença recorrida, sendo “as cédulas hipotecárias, reguladas por leis especiais, possuem restrições ratione personae e ratione materiae, ou seja, somente podem ser emitidas por instituições financeiras e em certas operações de crédito, por isso as restrições estabelecidas no Decreto-Lei 167/67 que proíbe a alienação forçada (ou mesmo amigável) do bem gravado com a hipoteca sem expressa anuência do credor hipotecário.” (fl. 163).
Neste sentido encontram-se vários precedentes deste E. Conselho, como os trazidos pelo D Procurador de Justiça em sua manifestação (fl. 196).
Todavia, segundo recente voto proferido na Apelação Cível 0007969-54.2010.8.26.0604, a arrematação foi considerada forma de aquisição originária da propriedade, o que autoriza o ingresso do título, malgrado os impedimentos legais existentes, que ficam mantidos para fins de cancelamento dos ônus incidentes na matrícula.
O entendimento diverso já estava consolidado neste Conselho Superior da Magistratura e na E. Corregedoria Geral da Justiça, isto é, que se trata de forma derivada de aquisição da propriedade:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de arrematação expedida em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual – Imóvel penhorado em outras execuções movidas pela Fazenda Nacional e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – Arrematação que não constitui forma originária de aquisição de propriedade imóvel – Impossibilidade de registro, enquanto não cancelados os registros das penhoras pela Fazenda Nacional e pelo INSS, por força do artigo 53, parágrafo 1º, da Lei nº 8.212/91– Registro inviável – Recurso não provido.” (CSM Ap. Cível nº 1.223-6/7, grifou-se).
O E. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação federal, entende que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública configura forma originária de aquisição da propriedade, sendo oportuno citar, por todos, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:
“EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE - APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.” (grifou-se).
No mesmo sentido: REsp nº 1179056/MG, AgRg no Ag nº 1225813/SP, REsp nº 1038800/RJ, REsp nº 807455/RS e REsp nº 40191/SP.
De fato, a despeito do respeitável entendimento firmado neste Conselho Superior da Magistratura, é forçoso reconhecer que, na arrematação, inexiste relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o novo, de modo que não há como se afirmar que se está diante de aquisição derivada da propriedade.
A doutrina também caminha no sentido de que a aquisição derivada depende sempre de uma relação negocial, aperfeiçoada pela manifestação de vontade, entre o antigo proprietário e o adquirente.
Para Carlos Roberto Gonçalves, a aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade. Assim, sempre que não houver relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa, está-se diante da aquisição originária (Direito civil brasileiro, v. V. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 231).
Francisco Eduardo Loureiro, in Código Civil Comentado, ao definir a natureza jurídica da aquisição da propriedade pela usucapião, acentua que se trata de modo originário porque não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito (2 ed., São Paulo: Manole, 2008, p. 1161).
Arnaldo Rizzardo, por sua vez, aduz que na aquisição derivada está sempre presente um vínculo entre duas pessoas, estabelecido em uma relação inter vivos ou causa mortis, ao passo que na originária não se constata uma relação jurídica entre o adquirente e o antigo proprietário (Direito das coisas. 3 ed. São Paulo: Forense, 2007, p. 244).
Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes observam que a aquisição originária se verifica quando o modo aquisitivo não guarda relação de causalidade com o estado jurídico anterior de domínio, e que não decorre de relação jurídica estabelecida com o proprietário anterior como ocorre no contrato de compra e venda (Código civil interpretado conforme a constituição da república, v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 519).
Sucede que, quando o bem é arrematado judicialmente, não há relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, e a transmissão de domínio não decorre de manifestação de vontade. Assim, não há que se falar em aquisição derivada da propriedade.
Verifica-se, destarte, que o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura, embora lastreado em excelentes fundamentos, não mais se encontra em harmonia com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça nem com o espírito da doutrina majoritária, motivo por que sua alteração é de rigor em prol da segurança jurídica.
Por este novo prisma, a regra do art. 59 do Decreto Lei 167/67 incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, como no caso da arrematação judicial.
Nesses termos, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, possibilitando o registro da Carta de Arrematação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
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