Despachos/Pareceres/Decisões
10612082/2012
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Acórdão - DJ nº 0010612-08.2010.8.26.0564 - APELAÇÃO CÍVEL
: 04/03/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0010612-08.2010.8.26.0564, da Comarca de SÃO BERNARDO DO CAMPO, em que são apelantes MARCELO GALVANO E SÉRGIO DE OLIVEIRA e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer do recurso interposto por Marcelo Galvano, desprovido de legitimidade e interesse recursais, e, porque prejudicada a dúvida suscitada, também não conhecer da apelação interposta pelo interessado Sérgio de Oliveira, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 13 de dezembro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
Apelação Cível n.º 0010612-08.2010.8.26.0564
Apelantes: MARCELO GALVANO E SÉRGIO DE OLIVEIRA
Apelado: 2.º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
VOTO Nº 21.159
REGISTRO DE IMÓVEIS – Advogado do interessado não se qualifica como terceiro juridicamente prejudicado – Ilegitimidade e falta de interesse para recorrer caracterizados – Carta de arrematação – Título judicial sujeito à qualificação - Irresignação parcial evidenciada – Dúvida prejudicada – Exigências referentes à qualificação do arrematante e à comprovação do recolhimento do ITBI – Pertinência – Exigência relacionada com o princípio registral da continuidade – Descabimento – Arrematação - Modo originário de aquisição da propriedade – Prévia ciência do proprietário demonstrada - Adjudicação anterior ineficaz em relação ao arrematante - Recurso não conhecido.
Ao suscitar a dúvida, o Oficial de Registro expôs as razões justificadoras da desqualificação da carta de arrematação: o registro do título feriria o princípio da continuidade; não há, na carta de arrematação, a qualificação completa do arrematante; e não houve comprovação da quitação do ITBI (fls. 05/08).
O interessado, embora cientificado (fls. 02 e 09), não ofereceu impugnação, enquanto, exibida a certidão da matrícula do bem imóvel arrematado e apresentado o parecer pelo Ministério Público (fls. 39/41 e 48/49), o proprietário, ex-credor hipotecário, ao manifestar-se, amparou-se no princípio da continuidade, na anterioridade da adjudicação e afirmou que já alienou o imóvel (fls. 52/57).
Uma vez julgada procedente a dúvida (fls. 73/75), o interessado e o advogado que constituiu interpuseram apelação, em cujo corpo, visando à reforma da sentença, historiaram o andamento do processo onde, com ciência do atual proprietário, ocorreu a arrematação; afirmaram que as exigências ligadas à qualificação do arrematante e ao ITBI tratam de questões secundárias, então passíveis de saneamento a qualquer tempo; sustentaram que a adjudicação descumpriu ordem do Juízo da execução; e destacaram que a arrematação é modo originário de aquisição de propriedade (fls. 79/87).
Recebido o recurso (fls. 88), o Oficial de Registro se manifestou (fls. 90/92) e, com o envio dos autos ao Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria Geral da Justiça propôs o desprovimento da apelação (fls. 97/100).
É o relatório.
Marcelo Galvano, um dos dois apelantes, não tem interesse nem legitimidade recursais. Na condição de advogado constituído pelo arrematante, não se qualifica como interessado, tampouco se encaixa na posição de terceiro prejudicado. Está despido da qualidade para recorrer. A qualificação do título – positiva ou negativa - não repercute em sua situação jurídica. Em resumo, o recurso por ele interposto não admite conhecimento.
Também em relação ao arrematante, o recorrente Sérgio de Oliveira, a apelação, apesar de sua legitimidade e interesse recursais, não comporta conhecimento, mas porque a dúvida suscitada está prejudicada, pelas razões abaixo assinaladas.
A origem judicial do título (carta de arrematação) apresentado para registro não dispensa a qualificação: a prévia conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral é indispensável, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.[1]
A falta de impugnação - não apresentada, embora notificado o interessado (fls. 02 e 09) -, não impede, é certo, o julgamento da dúvida (artigo 199 da Lei n.º 6.015/1973). Contudo, ao interpor o recurso, o interessado não questionou duas das três exigências, realçando, além do mais, a possibilidade de atendê-las a qualquer tempo. Predispôs-se, assim, a cumpri-las.
Com isso, ao conformar-se com as exigências, por ele indevidamente consideradas secundárias, deixou clara a sua irresignação parcial, motivo pelo qual, não se admitindo prolação de decisão condicional, o exame da dúvida está prejudicado.[2]
Porém, mesmo se superados fossem os obstáculos impeditivos do seu conhecimento, a dúvida seria julgada procedente, já que justamente as duas exigências não questionadas são pertinentes: enquanto o princípio da legalidade ampara a relativa à comprovação do recolhimento do ITBI, o princípio da especialidade respalda a referente à completa qualificação do arrematante.
Se, de um lado, o inciso III do artigo 703 do CPC dispõe que a carta de arrematação conterá “a prova de quitação do imposto de transmissão” e os artigos 289, da Lei n.º 6.015/1973, e 30, XI, da Lei n.º 8.935/1994, obrigam o Oficial a fazer rigorosa fiscalização sobre o pagamento dos impostos incidentes sobre os atos que pratica[3], de outro, o artigo 176, § 1.º, III, 2), a), da Lei n.º 6.015/1973 - regra concretizadora do princípio da especialidade subjetiva -, prevê, como requisito do registro no Livro n.º 2 (Registro Geral), a qualificação completa do adquirente, no caso vertente, do arrematante[4].
Agora, se cumpridas tais exigências, a relacionada com o princípio da continuidade não representará obstáculo ao registro do título: com efeito, o Conselho Superior da Magistratura, ao julgar, em 10 de maio de 2012, a Apelação Cível n.º 0007969-54.2010.8.26.0604, da qual fui relator, reviu a sua posição sobre a natureza jurídica da aquisição de imóvel mediante arrematação judicial.
Ao destacar a inexistência de relação jurídica entre o adquirente e o precedente titular do direito real, a ausência de nexo causal entre o passado e a situação jurídica atual, a inocorrência de uma transmissão voluntária do direito de propriedade, passou a reconhecer que a arrematação é modo originário de aquisição do direito real de propriedade, de sorte a alinhar-se com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5] e a prestigiar o princípio da segurança jurídica.
Dentro desse contexto, a observação do princípio da continuidade é prescindível, porquanto a propriedade adquirida por meio da arrematação, causa autônoma suficiente, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, embora sujeita, por expressa disposição legal, aos riscos da evicção, à luz da norma extraída do artigo 447 do CC[6].
Assim, aliás, posicionou-se o Conselho Superior da Magistratura, no dia 20 de setembro de 2012, ao julgar a Apelação Cível n.º 0018138-36.2011.8.26.0032, sob minha relatoria.
Sob outro prisma, valorada a natureza dos créditos objeto da execução no qual consumada a arrematação (créditos tributários) e considerados os seus fatos geradores, o Itaú Unibanco S/a (atual denominação do Banco Itaú S/a), com a adjudicação, assumiu, mediante sub-rogação legal, a posição da executada, anterior proprietária do bem imóvel – e sujeito passivo da obrigação tributária -, e se tornou o responsável pelas dívidas tributárias ligadas ao bem adquirido (artigo 130, caput, do Código Tributário Nacional[7]).
Passou a responder, com seus bens e, em especial, com o adjudicado, pela satisfação do crédito pertencente ao Município de São Bernardo de Campo. E a reforçar a sujeição do Itaú Unibanco S/a aos efeitos da arrematação judicial, vislumbra-se a ineficácia da adjudicação no tocante ao credor tributário e, por conseguinte, ao arrematante, particularmente diante da preferência do crédito tributário em relação ao com garantia hipotecária (artigo 186 do CTN[8]) e da suposta anterioridade da penhora realizada no executivo fiscal[9] (r. 7 da matrícula n.º 28.701 - fls. 40 verso). E isso porque não consta que a regra do artigo 698 do Código de Processo Civil[10] tenha sido observada no processo onde se deu a adjudicação.
Trata-se de conclusão, de mais a mais, escorada na interpretação sistemática da ordem jurídica. Alinha-se, com efeito, com os textos do artigo 619 e do inciso VI do § 1.º do artigo 694, ambos do CPC[11]. De resto, extrai-se idêntica conclusão à luz da regra do artigo 42, § 3.º, do CPC[12].
Quanto à sucessão de partes, a título particular, na execução, oportuno é o escólio de Cândido Rangel Dinamarco:
A sucessão a título particular tanto pode ocorrer em caso de alienação feita pelo exeqüente, quando pelo executado. Isso ocorre (...) b) quando um terceiro assume a obrigação exeqüenda, segundo as normas estabelecidas nos arts. 299 a 303 do Código Civil, ou c) quando o executado aliena o bem que está sob constrição. Em qualquer dessas hipóteses aplicam-se sempre as regras ordinárias contidas no art. 42, caput e parágrafos, do Código de Processo Civil (...).
Em caso de alienação do bem penhorado, quem o adquire torna-se dono mas sujeita-se aos efeitos da penhora e aos subseqüentes atos da execução forçada (...); mesmo que o adquirente não compareça ao processo, serão legítimos esses atos e legítima a alienação que ao fim vier a ser feita, porque ele é um sucessor e o sucessor é sempre um continuador do sucedido (art. 42, § 3.º). (...).[13]
Em contrapartida, no que se refere à arrematação, insta destacar que o atual proprietário do bem imóvel, o Itaú Unibanco S/a, ex-credor hipotecário da proprietária sucedida por ele (r. 6 da matrícula n.º 28.071 – fls. 40 e 40 verso), restou cientificado da execução fiscal e, principalmente, das datas designadas para realização das praças (fls. 17, 18 e 18 verso). Vale dizer: o ato expropriatório revela-se, a par de válido, eficaz em relação ao ente financeiro e com potência para, se subsistente fosse a hipoteca[14], dá-la por extinta (artigo 1.499, VI, combinado com o artigo 1.501, ambos do CC[15]).
Nada obstante, e consoante inicialmente adiantado, o recurso interposto pelo interessado e por seu advogado não comporta exame.
Pelo exposto,não conheço do recurso interposto por Marcelo Galvano, desprovido de legitimidade e interesse recursais, e, porque prejudicada a dúvida suscitada, também não conheço da apelação interposta pelo interessado Sérgio de Oliveira.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1]Apelação Cível n.º 39.487-0/1, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n.º 404-6/6, relator Desembargador José Mário Antonio Cardinale, julgada em 08.09.2005.
[2]Apelação Cível n.º 278-6/0, relator Corregedor Geral da Justiça José Mário Antonio Cardinale, julgado em 20.01.2005.
[3]Artigo 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício.
Artigo 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro: (...); XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar; (...).
[4]Artigo 176. O Livro n. 2 – Registro Geral – será destinado à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro n. 3. § 1.º A escrituração do Livro n. 2 obedecerá às seguintes normas: (...); III – são requisitos do registro no Livro n. 2: (...); 2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação; (...).
[5]Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1.225.813/SP, relatora Ministra Eliana Calmon, assim ementado:
“EXECUÇÃO FISCAL - IPTU - ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE - APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN.1.A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.” (grifei). No mesmo sentido: Recurso Especial n.º 1.179.056/MG; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1.225.813/SP; Recurso Especial n.º 1.038.800/RJ; Recurso Especial n.º 807.455/RS; e Recurso Especial n.º 40.191/SP.
[6]Artigo 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública. (grifei).
[7]Artigo 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pelas prestações de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
[8]Artigo 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for a natureza ou o tempo da constituição deste, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho.
Nesse sentido: Recurso Especial n.º 594.491/RS, relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 02.06.2005, assim ementado:
PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – CONCURSO DE CREDORES – PREFERÊNCIA – PENHORA ANTECEDENTE. 1. O crédito trabalhista prefere a todos os demais, inclusive aos que estão garantidos com penhora antecedente (precedentes do STJ). 2. No concurso de credores estabelecem-se duas ordens de preferência: os créditos trabalhistas, os da Fazenda Federal, Estadual e Municipal e os com garantia real, nesta ordem; em um segundo momento, a preferência se estabelece em favor dos credores com penhora antecedente ao concurso, observando-se entre eles a ordem cronológica da constrição. 3. Na dicção do art. 711 do CPC, a Fazenda, independentemente de penhora, prefere aos demais credores com penhora antecedente. 4. Recurso especial improvido. (grifei)
[9]A penhora realizada na execução hipotecária sequer foi averbada na matrícula do imóvel (fls. 39/41), não se sabendo, ademais, a data em que foi realizada. De toda forma, mesmo se apurado posteriormente que é anterior, não afetará a preferência do crédito tributário, de acordo com o precedente lembrado na nota antecedente.
[10]Artigo 698. Não se efetuará a adjudicação ou alienação de bem do executado sem que da execução seja cientificado, por qualquer modo idôneo e com pelo menos dez (10) dias de antecedência, o senhorio direto, o credor com garantia real ou com penhora anteriormente averbada, que não seja de qualquer modo parte na execução.
[11]Artigo 619. A alienação de bem aforado ou gravado por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário, anticrético, ou usufrutuário, que não houver sido intimado.”
Artigo 694. (...). §1.º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito: (...); VI – nos casos previstos neste Código (art. 698).
[12]Artigo 43. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. (...). § 3.º A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário.
[13]Instituições de Direito Processual Civil. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 181. v. IV.
[14]Extinta pela adjudicação (av. 9 e r. 10 da matrícula n.º 28.701 – fls. 40 verso e 41).
[15]Artigo 1.499. A hipoteca extingue-se: (...); VI – pela arrematação ou adjudicação.
Artigo 1.501. Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou a adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução.
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