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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 18870062/2012


Acórdão - DJ nº 0018870-06.2011.8.26.0068 - APELAÇÃO CÍVEL
: 26/02/2013

A C Ó R D Ã O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0018870-06.2011.8.26.0068, da Comarca de BARUERI, em que é apelante LE MANS INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 13 de dezembro de 2012.
 
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
 
 
Apelação Cível nº 0018870-06.2011.8.26.0068
Apelante: Le Mans Incorporação Imobiliária Ltda.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri.
Voto nº 21.149
 
 
REGISTRO DE IMÓVEIS – Instrumento particular de compromisso de compra e venda – Dispensa de apresentação das CNDs do INSS e conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União por representar sanção política - Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP – Modificação do entendimento do Conselho Superior da Magistratura Dispensa – Manutenção, no mais, da apresentação da Certidão de Autorização para Transferência expedida pela SPU – Recurso não provido.
 
 
 
 
 
 
Trata-se de apelação interposta por Le Mans Incorporação Imobiliária Ltda. contra a r sentença de fls. 230/234 que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Barueri referente à recusa do registro do instrumento particular de “Pré-Contrato de Venda e Compra de Imóvel” nas matrículas nos. 5.732 e 12.899, ambas daquela Serventia de Imóveis.
 
 
Aduz que exigências não afastadas pela r. sentença recorrida não subsistem porque: a) o art. 2º e seu § 1º, da Lei nº 7433/85, permitem a substituição da descrição de cada imóvel pela apresentação da certidão da matrícula que traz todos os elementos requeridos pelo art. 225, da Lei nº 6.015/73; b) a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) só expede a CAT – Certidão de Autorização para Transferência – por ocasião da apresentação de título definitivo, o que não ocorre na hipótese, que cuida de contrato de preliminar que não transfere a propriedade; c) é inconstitucional, conforme julgados do Supremo Tribunal Federal, a disposição legal que impõe a apresentação de CNDs como condição do registro.
 
Depois de apresentadas as contrarrazões do Ministério Público (fls. 248/250), interveio a titular do domínio dos imóveis, ponderando que o registro não pode ser deferido porque inobservada a cláusula que previa prazo para que a apelante optasse por adquirir os imóveis (fls. 252/255).
 
Por fim, a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo afastamento da exigência relativa à descrição dos imóveis e pela manutenção das que pedem a apresentação da CAT e das CNDs (fls. 309/311).
 
É o relatório.
 
De início, cumpre rechaçar as alegações do titular de domínio IFF Essências e Fragrâncias Ltda. por veicular matéria que transborda os limites deste feito.
 
Com efeito, aduz a interveniente que o registro perseguido pela apelante não pode ser deferido porque inobservada a cláusula que fixava o prazo para a apelante optar pela aquisição dos imóveis.
 
Essa questão, no entanto, é de natureza contratual, motivo por que deve ser veiculada, debatida e decidida nas vias ordinárias; não no procedimento administrativo da dúvida – ou no julgamento de seu recurso – cuja esfera de atuação limita-se ao exame dos elementos formais do título.
 
O MM. Juiz Corregedor Permanente manteve a recusa do registro do instrumento particular de “Pré-Contrato de Venda e Compra de Imóvel” nas matrículas nos. 5.732 e 12.899, do Registro de Imóveis de Barueri, por três razões, que passam a ser examinadas.
 
A primeira delas diz respeito ao art. 2º “caput” e seu § 1º, da Lei nº 7.433/85, cujas redações são:
 
Art 2º - Ficam dispensados, na escritura pública de imóveis urbanos, sua descrição e caracterização, desde que constem, estes elementos, da certidão do Cartório do Registro de Imóveis.
§ 1º - Na hipótese prevista neste artigo, o instrumento consignará exclusivamente o número do registro ou matrícula no Registro de Imóveis, sua completa localização, logradouro, número, bairro, cidade, Estado e os documentos e certidões constantes do § 2º do art. 1º desta mesma Lei.
 
Segundo o MM. Juiz Corregedor Permanente não estão presentes todos os elementos exigidos pelo § 1º, supra.
 
Sucede que, como bem anotou a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, com lastro no parecer do Ministério Público de primeira instância, além da menção às matrículas nos. 5.732 e 12.899, o instrumento ainda traz o endereço dos imóveis, de modo que inexiste qualquer dúvida de que o instrumento apresentado se refere a estes imóveis, estando resguardada a especialidade.
 
A segunda exigência mantida pela r. sentença diz que, para o registro pretendido, é necessário apresentar a CND do INSS e a CND conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União, conforme o regramento do art. 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/91, e da instrução normativa nº 93/2001, da Receita Federal.
 
O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.
 
Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88:
Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
I - transferência de domicílio para o exterior;
(...)
III - registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;
 IV - quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional - OTNs:
a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.
§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.
 § 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.
§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.
 
Interessa, para o caso em exame, o inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.
 
O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.
 
Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.
 
No caso posto, para o registro do compromisso de venda e compra dos imóveis, está-se exigindo que a apelante, promitente compradora, apresente as CNDs do INSS e dos tributos federais em nome da promitente vendedora.
 
Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
 
À vista de tais considerações é que a exigência de se apresentar as CNDs deve ser afastada.
 
Não se desconhece o entendimento vigente deste C. Conselho Superior da Magistratura:
 
A exigência das certidões negativas vem expressa no art. 47, I, "b”, da Lei 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 7.711/88, afastando a exigência de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.
É que a situação regulada nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a inconstitucionalidade das "restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem, entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional.[1]
 
Pede-se vênia, no entanto, para discordar da premissa adotada.
 
O v. acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações.
 
Exatamente por esta razão é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:
 
Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.
 
Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns das sanções políticas, deixou claro o Supremo Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar meio de cobrança não admitido pela ordem Constitucional vigente.
 
Demais disso, o v. acórdão da Suprema Corte ainda destaca que as sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna).
 
Tudo isso pode ser aferido da simples leitura da ementa do v. acórdão que, conquanto extensa, ora transcrevo porque esclarecedora:
 
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) - estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional - à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.
 
Se o Supremo extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer tipo de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido em se fazer exigência com base em normas de menor abrangência, como as previstas no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91, e na instrução normativa nº 93/2001, da Receita Federal.
 
Em suma: não se pode mais interpretar o art. 47, da Lei nº 8.212/91 e a Instrução Normativa nº 93/2001, da Receita Federal, à revelia do v. acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).
 
Também este Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado nesse sentido.
 
Nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o C. Órgão Especial reconheceu a inconstitucionalidade do art. 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91. O v. acórdão restou assim ementado:
 
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA "D". EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.
 
Ao proferir voto-vista, consignei que:
 
“De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins - sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública - não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, 'd', da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário "no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada." Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, "A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal." O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).
 
É certo que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Contudo, a operação contida no instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel não deixa, por isso, de representar atividade econômica constitucionalmente assegurada pelo parágrafo único, do art. 170, da Lei Maior, preceito invocado tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça como uma das razões de se acolher a inconstitucionalidade das sanções políticas.
Frise-se que, tanto no caso da extinção da pessoa jurídica quanto no presente (registro de compromisso de compra e venda), a apresentação da CND tem o mesmo fim: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário.
 
Se assim é, idêntico tem de ser o desfecho, afastando-se a exigência da apresentação das CNDs também para a hipótese em exame.
 
Nenhuma razão justifica a comprovação de inexistência de débito tributário para o registro do compromisso de compra e venda dos imóveis apresentado, o que demonstra que se está diante de uma exigência desproporcional e não razoável.
 
Por todas essas razões é que se propõe a modificação do atual entendimento, alinhando-se à jurisprudência da Suprema Corte no tocante ao repudio às sanções políticas.
 
Resta, por fim, examinar a pertinência da exigência de apresentação da CAT – Certidão de Autorização para Transferência – expedida pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União).
 
Discorda o apelante da exigência ao argumento de que a CAT só é emitida pela SPU quando da lavratura do ato definitivo de transferência dos imóveis.
 
Além de não trazer nenhum documento comprovando essa assertiva, colhe-se da letra da lei conclusão diversa. Segundo o art. 33, da Lei nº 9.636/98, que modificou os arts. 3º, 5º e 6º, do Decreto-Lei no 2.398/87, a autorização é de rigor para quaisquer “escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio”.
 
Em momento algum a lei exige que a escritura – aí incluído o instrumento particular – diga respeito a ato definitivo de transferência de direitos.
 
Assim já se decidiu nos autos da apelação cível nº 76285-0/0, deste C. Conselho Superior da Magistratura, cujo voto do então Corregedor Geral da Justiça, Des. Luís de Macedo, traz a seguinte passagem:
 
O texto legal não suporta, por outro lado, uma interpretação restritiva, tal qual a perseguida pelo apelante, como se denota a partir de uma leitura completa e não meramente pontual. A necessidade de autorização alcança todas as formas de "transferência", isto é, todas as formas de alienação, entre as quais é preciso incluir a outorga de compromissos de compra-e-venda, seja realizada por meio de instrumento público, seja por meio de instrumento particular, ambos incluídos no gênero 'escritura'." Não há, portanto, diante do texto de lei, como deixar de reconhecer a necessidade da exibição da certidão solicitada.
 
É preciso destacar, ainda, que a apresentação da CAT não se limita a demonstrar inexistência de débitos junto à União - hipótese em que até se poderia cogitar de sanção política - mas também tem por escopo comprovar que o imóvel não se encontra em área de interesse do serviço público (arts. 3º, § 2º, I, “c”, do Decreto-Lei no 2.398/87).
 
Esta, portanto, a única exigência a ser mantida o que, no entanto, é bastante para obstar o ingresso do título no Registro de Imóveis.
 
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
 
 
 
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator


[1]Ap. Civ. 990.10.084.705-8


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