Despachos/Pareceres/Decisões
20761102/2012
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Acórdão - DJ nº 0020761-10.2011.8.26.0344 - APELAÇÃO CÍVEL
: 15/02/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0020761-10.2011.8.26.0344, da Comarca de MARÍLIA em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULOe apelado VALMIR JOSÉ DA SILVA.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento à apelação, e assim, determinar o registro da carta de adjudicação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Presidente, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 25 de outubro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível n.º 0020761-10.2011.8.26.0344
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelado: VALMIR JOSÉ DA SILVA
VOTO Nº 21.090
REGISTRO DE IMÓVEIS – Ação judicial de adjudicação compulsória promovida em face dos que constam como proprietários do imóvel –Desnecessidade do registro dos documentos que instrumentalizam os sucessivos compromissos de venda e compra – Irrelevância do registro de um deles – Desqualificação registral afastada – Carta de sentença passível de registro - Dúvida improcedente – Recurso não provido.
O apelado requereu a suscitação da dúvida porque inconformado com a desqualificação da carta de adjudicação (fls. 10/11), cujo registro restou condicionado ao registro de dois instrumentos particulares de compromisso de compra e venda (fls. 31 e 33/34) e, assim, ao reconhecimento das firmas neles lançadas, à comprovação do recolhimento do ITBI incidentes sobre tais negócios jurídicos e à declaração dos promitentes vendedores no sentido de que não são empregadores (fls. 02/06).
Notificado (fls. 02), o suscitado não apresentou impugnação (fls. 53 verso), o Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 54/58), julgada, no entanto, improcedente (fls. 60/67), o que, por sua vez, determinou a interposição de recurso administrativo pelo Ministério Público, onde se sustentou o acerto das exigências formuladas pelo Oficial de Registro (fls. 73/78).
Recebido o recurso como apelação, o apelado não ofereceu resposta (fls. 84) e, com a subida dos autos, a Douta Procuradoria Geral da Justiça propôs o provimento do recurso (fls. 90/94).
É o relatório.
O bem imóvel objeto da matrícula n.º 11.972 do 2.º Registro de Imóveis de Marília/SP foi prometido à venda, originalmente, a Álvaro dos Santos, que, em 12 de janeiro de 1981, providenciou o registro do instrumento particular relativo ao contrato aperfeiçoado com os proprietários Christiano Altenfelder Silva e Maria Antonieta Sampaio Vidal Altenfelder Silva (fls. 20/24).
Após dois novos negócios jurídicos envolvendo o bem imóvel acima identificado (fls. 29/30 e 31/32), ambos não registrados (fls. 20/23), os direitos sobre a coisa, advindos do primeiro compromisso de venda e compra, o único registrado, foram transferidos ao suscitado Valmir José da Silva, ora apelado, e a sua esposa, Noemia do Nascimento Silva (fls. 33/34).
Quitado o preço ajustado, e porque não outorgada a escritura definitiva de venda e compra, Valmir e Noemia ingressaram com ação de adjudicação compulsória em face dos espólios dos proprietários acima referidos (fls. Fls. 14/20) e o pedido deles foi julgado procedente (fls. 14/20), determinando, depois do trânsito em julgado (fls. 44), a expedição da carta de sentença (fls. 13/45).
Recusado o registro do título, com declinação das exigências a serem satisfeitas (fls. 50), a carta de adjudicação foi aditada (fls. 46/52) e, conforme os documentos exibidos, reapresentada, sem sucesso, em duas oportunidades, em maio e julho de 2011 (fls. 52).
Ao suscitar a dúvida, o Registrador, inicialmente, ponderou: o registro da carta de adjudicação - porque Álvaro dos Santos (aquele que figura como promitente comprador no compromisso de venda e compra registrado) não participou do processo de adjudicação compulsória -, está condicionado aos registros dos instrumentos particulares referentes aos contratos celebrados entre ele e a esposa, ambos representados por Carlos Alberto dos Santos (fls. 29), e Hélio José Amorozinho Fiamengui (fls. 31) e entre este e esposa e os adjudicatários (fls. 33/34).
E, depois, acrescentou: o registro dos instrumentos particulares, por outro lado, depende do reconhecimento das firmas neles lançadas, da comprovação do recolhimento do tributo incidente sobre as cessões de direito aperfeiçoadas (ITBI) e de declaração dos cedentes de que não são empregadores (fls. 02/06).
Malgrado o suscitado/interessado, notificado (fls. 02), não tenha apresentado impugnação (fls. 53 verso) - o que não impede o conhecimento da dúvida (artigo 199 da Lei n.º 6.015/1973) -, ficou claro o seu inconformismo: para ele, a carta de adjudicação, título judicial, comporta registro, independentemente dos assentos relativos às cessões de direitos e, portanto, dos reconhecimentos de firma, da comprovação do pagamento do tributo incidente sobre tais operações econômicas e da declaração exigida (fls. 10/11).
E, de fato, ele tem razão, embora a origem judicial do título não torne prescindível a qualificação[1]: com efeito - e respeitados os precedentes da 1.ª Vara de Registros Públicos desta Capital, em sintonia com a posição do Registrador[2] -, o princípio da continuidade, com a transmissão da propriedade aos adjudicatários mediante registro do título judicial constituído em processo instaurado em face dos espólios daqueles que, na tábua registral, figuram como proprietários, não será vulnerado.
A documentação apresentada, que aparelha a carta de adjudicação, evidencia as cessões de direitos, insuscetíveis de retratação, e o direito dos adjudicatários à escritura definitiva de venda e compra: aliás, particularmente, revela a eficácia dos sucessivos negócios jurídicos em relação ao promitente comprador com instrumento particular registrado na matrícula do bem imóvel.
De todo modo, a possível insciência dele, a sua ocasional oposição à transmissão da propriedade do imóvel aos adjudicatários e a eventual inoponibilidade das cessões de direito, com afastamento de sua repercussão sobre a situação jurídica dele, são circunstâncias despidas de força para comprometer a validade da adjudicação compulsória, para frear o acesso do título ao álbum imobiliário: quando muito, terão potência para relativizar a eficácia, não para atestar a invalidade da transferência coativa da propriedade.
Marco Aurelio S. Viana, ao frisar, com acerto, que o direito à adjudicação compulsória, pago o preço, deriva da impossibilidade de arrependimento, e não do registro do instrumento contratual, pontua: “não se justifica a exigência de registro prévio do contrato senão como forma de tutelar o promitente comprador contra a alienação por parte do promitente vendedor, limitando ou reduzindo o poder de disposição deste, ao mesmo tempo que arma o adquirente de sequela, admitindo que obtenha a escritura até mesmo contra terceiro, na forma indicada no art. 1.418.”[3]
Assim sendo, uma vez constituído o direito real de aquisição, Francisco Eduardo Loureiro acentua, com propriedade: doravante, os “novos atos de disposição ou de oneração praticados pelo promitente vendedor em benefício de terceiros, ainda que de boa-fé, são ineficazes frente ao promitente comprador”.[4] Realço: ineficazes, não inválidos.
Quero dizer: se o registro do instrumento particular de compromisso de venda e compra, desnecessário para obtenção da sentença substitutiva do contrato definitivo, não impede o promitente vendedor de transferir a propriedade a terceiros – embora seja idôneo para comprometer a eficácia deste negócio jurídico -, impõe, na mesma linha de entendimento, admitir que o registro da carta de sentença extraída de processo instaurado em face dos que constam como titulares do domínio prescinde dos registros das cessões de direitos subsequentes ao compromisso de venda e compra, ainda que o promitente comprador não tenha participado do processo de adjudicação compulsória.
No futuro, se eventualmente declarada a ineficácia da transferência da propriedade em favor dos adjudicatários - o que se afigura improvável, diante do contexto probatório exposto -, o registro da carta de adjudicação não representará estorvo à pretensão do promitente comprador Álvaro dos Santos – em cujos direitos, ressalto, os adjudicatários, tudo indica, sub-rogaram-se -, à outorga da escritura definitiva de venda e compra, passível de substituição, também em tese, por sentença que assegure o resultado prático equivalente (artigo 1.418 do CC/2002).
Logo, convém, desprovendo o recurso, confirmar a respeitável sentença impugnada.
De mais a mais, com a determinação do registro da carta de adjudicação, prestigia-se a jurisprudência a respeito da legitimidade passiva ad causam nas ações de adjudicação compulsória, a ser proposta em face de quem, na tábua registral, aparece como proprietário do bem imóvel adjudicando, independentemente de eventuais cessões de direito operadas após a promessa de venda e compra.[5]
Pelo todo exposto, nego provimento à apelação e, assim, determino o registro da carta de adjudicação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1]A prévia conferência, destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, é indispensável, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Neste sentido: Apelação Cível n.º 39.487-0/1, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n.º 404-6/6, relator Desembargador José Mário Antonio Cardinale, julgada em 08.09.2005.
[2]Sentenças prolatadas nos autos dos processos n.ºs 1533/80, 823/94, 583.00.2006.207241-4 e 100.10.016280-0, nos dias 09.02.1981, 05.09.1994, 02.03.2007 e 01.º.07.2010, pelos MM Juízes de Direito Narciso Orlandi Neto, Ricardo Mair Anafe, Marcelo Martins Berthe e Gustavo Henrique Bretas Marzagão, respectivamente.
[3]Comentários ao novo Código Civil: dos direitos reais. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 695. v. XVI.
[4]Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ministro Cezar Peluso (coord.). 2.ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1.453.
[5]Recurso Especial n.º 96.372/RJ, relator Ministro Nilson Naves, julgado em 03.11.1998; Recurso Especial n.º 648.468/SP, relator Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 14.12.2006; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1.120.674/RJ, relator Ministro Sidnei Beneti, julgado em 28.04.2009; TJ/SP, Apelação Cível n.º 425.554-4/1, relator Desembargador Francisco Loureiro, julgado em 30.04.2009.
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