Despachos/Pareceres/Decisões
14002682/2012
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Acórdão - DJ nº N° 0014002-68.2011.8.26.0590 - APELAÇÃO CÍVEL
: 14/02/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0014002-68.2011.8.26.0590, da Comarca de SÃO VICENTE em que é apelante LEOCLIDES PEREIRA DE SOUZA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em conhecer do pedido de providências como dúvida inversa e do recurso administrativo como apelação, a qual negaram provimento, dando a dúvida inversa por prejudicada, dela, portanto, não conhecendo, inclusive para afastar a ordem de registro formal de partilha, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Presidente, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 25 de outubro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível n.º 0014002-68.2011.8.26.0590
Apelante: LEOCLIDES PEREIRA DE SOUZA
Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA
VOTO Nº 21.092
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de sentença - Pedido de providências admitido como dúvida inversa – Admissibilidade da dúvida inversa - Recurso administrativo conhecido como recurso de apelação - Prenotação inocorrente – Registro do formal de partilha determinado em ofensa do princípio registral da instância – Autotutela administrativa – Dúvida prejudicada – Registro da carta de sentença desautorizado tanto pelo princípio da continuidade como pelo princípio da disponibilidade - Recurso desprovido.
O interessado, ora apelante, requereu, mediante pedido de providências, determinação voltada ao registro da carta de sentença expedida nos autos do processo n.º 104/95, que tramitou pela 8.ª Vara Cível da Comarca de Santos (fls. 02/05).
O Oficial de Registro, instado, alegou: o registro vulneraria o princípio da continuidade e a exibição de cópias dos documentos de identificação de Max Roberto Galvão de Oliveira pode ser substituída por informações relativas à sua filiação (fls. 109/110).
Depois da manifestação do Ministério Público (fls. 114/116), seguida de novo pronunciamento do interessado (fls. 117/118), o MM Juiz Corregedor Permanente determinou o registro do formal de partilha, mas indeferiu o da carta de adjudicação (fls. 119/122).
Com a interposição do recurso administrativo (fls. 124/127), recebido no duplo efeito (fls. 128), os autos, após nova manifestação do representante do Ministério Público (fls. 129/130), foram encaminhados ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 131), onde aberta vista à Procuradoria Geral de Justiça, que propôs o desprovimento do recurso (fls. 134/136).
É o relatório.
O texto da peça inicial não deixa dúvida alguma: o inconformismo do interessado se resume exclusivamente à desqualificação da carta de sentença, nada tratando, assim, a respeito da recusa de registro do formal de partilha (fls. 02/05).
Discute-se, ademais, registro em sentido estrito: ora, a carta de sentença é passível de registro, não de averbação. Logo, porque desvinculado da denominação atribuída pelo interessado à manifestação inicial (pedido de providências), conheço-a como dúvida inversa.
A dúvida inversa - criação pretoriana expressa na opção do interessado pela apresentação da dúvida diretamente ao MM Juiz Corregedor Permanente, então em detrimento do requerimento ao Registrador para suscitá-la -, é admitida por este Conselho Superior da Magistratura.[1]
O interessado - recusado, primeiro, em 07 de maio de 1996, o registro da sentença substitutiva de escritura pública de compra e venda (fls. 41/44), pois, entre outras razões, apresentado título insuscetível de assento (fls. 51), e desqualificada, mais tarde, a carta de sentença, nos dias 25 de fevereiro, 09 de junho de 2000 e 19 de abril de 2001, porquanto, a par de outras exigências, o seu registro ofenderia o princípio da continuidade (fls. 52, 53 e 56) -, tornou a pedir o registro da carta de sentença, agora acompanhado do formal de partilha dos bens deixados por Max Vander de Oliveira.
Ambos os títulos, porém, foram devolvidos sem registro, com exigências, em 16 de junho de 2005: enquanto a desqualificação da carta de sentença voltou a ser lastreada no princípio da continuidade (fls. 70), a do formal de partilha se baseou tanto neste princípio registral como no da especialidade subjetiva (fls. 71).
Todavia, embora ciente da recusa e das exigências feitas pelo Oficial de Registro, o interessado, oportunamente, não requereu a suscitação da dúvida e tampouco apresentou dúvida inversa, motivos por que os efeitos da prenotação cessaram automaticamente, nos termos do artigo 205 da Lei n.º 6.015/1973.[2]
De fato, o interessado, apenas no dia 12 de julho de 2011, decorridos mais de seis anos das desqualificações mencionadas, formulou o presente pedido de providências (fls. 02/05), ora conhecido como dúvida inversa, requerendo somente, convém repetir, o registro da carta de sentença (fls. 02/05).
Dentro desse contexto, por conseguinte, cabia ao Oficial de Registro, ao ser cientificado do pedido de providências (dúvida inversa, na verdade), proceder ao protocolo do título judicial, atribuindo-lhe um número de ordem determinante de sua prioridade (cf. artigos 182 e 186 da Lei n.º 6.015/1973[3]), e, antes de enviar ao MM Juiz Corregedor Permanente as razões da recusa, anotar, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida e certificar, no título, rubricando todas as suas folhas, a prenotação e a dúvida suscitada (cf. incisos I e II do artigo 198 da Lei n.º 6.015/1973 e subitem 30.1, combinado com as alíneas b e c do item 30, ambos das NSCGJ[4]).
Contudo, assim não agiu, tornando prejudicado o conhecimento da dúvida inversa: com efeito, raciocinando em tese, outros títulos, contraditórios, antagônicos, podem ter sido apresentados para registro - com prioridade ainda garantida, talvez, em relação à carta de sentença -, ou já terem sido registados, desde a cessação dos efeitos das últimas prenotações (fls. 70 e 71) e, particularmente, a partir da manifestação, nestes autos, do Oficial de Registro, em 02 de agosto de 2011 (fls. 109/110), de sorte a restar desautorizado o exame do pedido de providências.
Além disso, se superado fosse o obstáculo acima tratado, não seria o caso de dar provimento ao recurso administrativo (fls. 124/127), conhecido, à luz do princípio da fungibilidade recursal, como apelação, recurso adequado para veicular o inconformismo dirigido à sentença proferida no procedimento de dúvida (artigo 202 da Lei n.º 6.015/1973[5]).
A propósito, justificar-se-ia, inclusive, a reforma da sentença para afastar a ordem de registro do formal de partilha (fls. 119/122), escorada no poder de autotutela administrativa, pois inocorrente, por meio do pedido de providências, provocação do interessado (cf. princípio da instância), insista-se, voltado ao acesso do título judicial ao álbum imobiliário.
Ademais, a origem judicial do título não dispensa a prévia qualificação, a conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, pertinente, também, nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.[6]
De todo modo, malgrado prejudicada a dúvida, convém enfrentar os fatos, expondo o descabimento do pedido apresentado pelo interessado e a possibilidade, em tese, e se futuramente requerido, do registro do formal de partilha.
A propriedade do bem imóvel objeto da matrícula n.º 2.148 do Registro de Imóveis de São Vicente/SP pertence, conforme o r. 5, a Max Vander de Oliveira e Lucila Galvão de Oliveira (fls. 111 verso).
O coproprietário Max Vander de Oliveira faleceu no dia 27 de abril de 1990 (fls. 76), deixando viúva a coproprietária Lucila Galvão de Oliveira, com quem era casado sob o regime da comunhão parcial de bens (fls. 77), e o filho Max Roberto Galvão de Oliveira, nascido em 17 de abril de 1986 (fls. 78).
Nos autos do processo de inventário n.º 38/92, que tramitou pela 2.ª Vara Cível de São Vicente/SP, expediu-se alvará, no dia 05 de novembro de 1992, autorizando o Espólio de Max Vander de Oliveira a vender o bem imóvel acima referido (fls. 26).
Na realidade, com a autorização judicial obtida, a inventariante visou à regularização da promessa de venda e compra celebrada, mediante instrumento particular, no dia 27 de fevereiro de 1992 - quando já falecido o seu marido -, entre ela e o interessado Leoclides Pereira de Souza (fls. 37/38).
Todavia, a compra e venda, por meio de escritura pública que seria lavrada com base no alvará judicial, restou frustrada e o bem imóvel acabou partilhado entre a viúva, Lucila Galvão de Oliveira, e o filho Max Roberto Galvão de Oliveira, consoante o auto correspondente, lavrado no dia 24 de maio de 2004 (fls. 100/101), e, posteriormente, em 30 de novembro de 2004, homologado judicialmente (fls. 105).
Enfim, com a partilha, encerrando-se o estado de indivisão, definiu-se, à vista do patrimônio coletivo pertencente ao casal Max Vander de Oliveira e Lucila Galvão de Oliveira (verdadeira universalidade de direito), a porção composta pela meação de cada um dos cônjuges e, portanto, o quinhão hereditário pertencente ao filho comum.
Apenas com a partilha, os direitos que integram a herança - transmitida a Max Roberto Galvão de Oliveira no dia 27 de abril de 1990, com o falecimento do seu pai -, e os que compõem a meação da cônjuge supérstite – a quem, até então, não pertenciam frações ideais individualmente consideradas em relação a cada um dos direitos e obrigações componentes do patrimônio comum -, foram identificados.
Realmente, por meio do inventário, assinala com propriedade Maria Helena Diniz, é que se reparte “o acervo em duas meações, ficando uma com o cônjuge sobrevivente e a outra com os sucessores do de cujus”[7].
A posição exposta se alinha com precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, que, ao julgar a Apelação Cível n.º 425-6/1, em 13 de outubro de 2005, relator Desembargador José Mário Antonio Cardinale, asseverou, escorado em outros julgamentos[8]:
malgrado não se desconheça que a metade ideal já pertencia à devedora antes do óbito de seu esposo, não se pode deslembrar que, como bem entendeu o digno magistrado, a partilha dos bens decorrente do óbito do marido da devedora recai sobre todo o patrimônio do casal para por fim à indivisão, separando dos bens havidos em comum aqueles que pertencerão ao cônjuge meeiro supérstite dos outros que comporão os quinhões hereditários dos sucessores do “de cujus”.
É possível que a meação do cônjuge sobrevivente e os quinhões dos herdeiros recaiam sobre todos os bens pertencentes em comum pelo casal, que passarão a lhes pertencer em condomínio, mas, também, não se pode descartar a hipótese da meação e dos quinhões hereditários se individualizaram em determinados bens.
Destarte, nada obstante, prima facie, com os dados constantes dos autos, inexista mais obstáculo ao registro do formal de partilha (fls. 72/106) – principalmente porque o interessado acedeu, para cumprir o princípio da especialidade subjetiva, à proposta do Oficial de Registro, de modo a reconhecer tacitamente a subsistência de exigência a ser satisfeita (fls. 110, primeiro e segundo parágrafos, e 117/118, item 1) -, subsiste, por sua vez, a impossibilidade de acesso da carta de sentença ao fólio real.
Com relação, inicialmente, ao formal de partilha, a reforma da sentença – se não por força do poder de autotutela administrativa e do princípio da instância -, dar-se-ia em razão da irresignação do interessado: admitida a pendência ligada ao princípio da especialidade subjetiva, o exame da dúvida, também sob esse prisma, estaria prejudicado, restando a ele, assim, a reapresentação do título, com atendimento da exigência do Registrador.
Por fim, quanto ao registro da carta de sentença, transferindo a propriedade do bem imóvel de Lucila Galvão de Oliveira para o interessado, é de rigor concluir: mesmo que precedido do registro do formal de partilha, imprescindível, sob qualquer ângulo, para permitir a transferência do domínio para Leoclides Pereira de Souza -, feriria o princípio da continuidade, comprometendo o exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários, e o da disponibilidade, uma vez que a ninguém é dado transmitir mais direitos do que tem.
Pelo exposto, conheço do pedido de providências como dúvida inversa e do recurso administrativo como apelação, a qual nego provimento, dando a dúvida inversa por prejudicada, dela, portanto, não conhecendo, inclusive para afastar a ordem de registro do formal de partilha.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1]Apelação Cível n.º 23.623-0/1, relator Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, julgada em 20.02.1995; Apelação Cível n.º 76.030-0/8, relator Desembargador Luís de Macedo, julgada em 08.03.2001; e Apelação Cível n.º 990.10.261.081-0, relator Desembargador Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010.
[2]Artigo 205. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.
[3]Artigo 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.
Artigo 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.
[4]Artigo 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimí-la, obedecendo-se ao seguinte: I - no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida; II - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas; (...).
Item 30.1. Ocorrendo direta suscitação pelo próprio interessado ("dúvida inversa"), o título também deverá ser prenotado, assim que o oficial a receber do Juízo para a informação, observando-se, ainda, o disposto nas letras "b" e "c".
Item 30. (...): a) (...); b) será anotada, na coluna "atos formalizados", à margem da prenotação, a observação "dúvida suscitada", reservando-se espaço para anotação do resultado; c) após certificadas, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, será aquele rubricado em todas as suas folhas; (...).
[5]Artigo 202. Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.
[6]Neste sentido, exemplificativamente: Apelação Cível n.º 39.487-0/1, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n.º 404-6/6, relator Desembargador José Mário Antonio Cardinale, julgada em 08.09.2005.
[7]Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 22.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 175.
[8]Apelação Cível n.º 15.305-0/7, relator Corregedor Geral da Justiça Dínio de Santis Garcia, julgado em 31.08.1992; Apelação Cível n.º 43.063-0/1, relator Corregedor Geral da Justiça Sérgio Augusto Nigro Conceição, julgado em 17.04.1998; Apelação Cível n.º 73.570-0/0, relator Corregedor Geral da Justiça Luís de Macedo, julgado em 19.10.2000.
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