Despachos/Pareceres/Decisões
48265362/2012
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Acórdão - DJ nº 0048265-36.2010.8.26.0405 - APELAÇÃO CÍVEL
: 31/01/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0048265-36.2010.8.26.0405, da Comarca de OSASCO em que é apelante ANTONIO DE OLIVEIRA e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 18 de outubro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível n.º 0048265-36.2010.8.26.0405
Apelante: Antonio de Oliveira
Apelado: 1.º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Osasco
VOTO Nº 21.070
REGISTRO DE IMÓVEIS – Mandado judicial – Usucapião – Princípio da especialidade objetiva inobservado – Desqualificação mantida – Dúvida procedente - Recurso desprovido.
O interessado, ora apelante, inconformado com a desqualificação para registro do mandado judicial, requereu a suscitação da dúvida, então promovida pelo 1.º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Osasco, que, instruindo-a com documentos (fls. 05/49), justificou a recusa impugnada, porque não individualizada a área usucapida (fls. 02/04).
Ao apresentar a impugnação, o interessado, não se conformando com o formalismo do Oficial de Registro, insistiu no registro do título judicial, escorado na sentença proferida, em precedentes jurisprudenciais citados e na alegação de que a usucapião não recaiu sobre área aleatoriamente mensurada (fls. 51/53).
Depois da manifestação do Ministério Público (fls. 55/56), a dúvida foi julgada procedente (fls.59), desencadeando a interposição de recurso pelo interessado, que reiterou as suas ponderações anteriores (fls. 61/62). Ato contínuo, recebido o recurso (fls. 63), houve manifestações do Oficial de Registro e do Ministério Público (fls. 64/67 e 69/70), os autos foram enviados ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 72/74) e Procuradoria Geral da Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 76/77).
É o relatório.
A origem judicial do título (mandado judicial) apresentado para registro não torna prescindível a qualificação: ora, a prévia conferência, destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, é indispensável, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.[1]
A usucapião, em qualquer uma de suas modalidades (extraordinária, ordinária, pro labore ou pro moradia), é modo originário de aquisição da propriedade[2]. Logo, a propriedade, adquirida mediante usucapião, liberta-se dos vínculos anteriores, desatrela-se de títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação.
Por sua vez, a sentença, na usucapião, é meramente declaratória de um direito de propriedade preexistente, enquanto o seu registro sequer é constitutivo do direito real: ambos, úteis, visam, no entanto, apenas à regularização e à publicidade, respectivamente, de uma situação consolidada, revelada pela posse qualificada prolongada no tempo, à qual somados outros requisitos, próprios de cada uma das espécies de usucapião.
Todavia - embora, porque originária a aquisição da propriedade, a observação do princípio da continuidade seja desnecessária, já que iniciada, com a usucapião, uma nova cadeia dominial -, não se dispensa, sob outro prisma, a obediência ao princípio da especialidade objetiva: com efeito, a individuação da coisa usucapida é imprescindível.
A matrícula, conforme Afrânio de Carvalho, deve descrever, em forma narrativa, de modo preciso, os dados individualizadores da coisa e do seu proprietário: quanto ao bem imóvel, a descrição, além das construções, se houver, há de identificar, também, o lugar ocupado pela coisa na superfície terrestre, com os seus limites e confrontações, a serem referidos em atenção aos pontos cardeais, com rumos e metragens.[3]
Ocorre que o título judicial atesta a usucapião da metade ideal do bem imóvel objeto da matrícula n.º 82.692 do 1.º Registro de Imóveis e Anexos de Osasco, mas não descreve a parte certa sobre a qual recaiu, ou seja, o princípio da especialização objetiva foi descumprido.
Ausentes as medidas perimetrais, as delimitações da área ocupada pelo imóvel, de modo a comprometer a amarração geográfica, com a identificação de sua posição espacial, resta caracterizada a inobservação do comando emergente do artigo 176, § 1.º, II, 3), b, da Lei n.º 6.015/1973.
Destarte, a desqualificação registraria, atingindo mandado judicial, revelou-se pertinente.
Aliás, a situação dos autos não se confunde com a usucapião entre condôminos, admitido no condomínio tradicional, conforme Francisco Eduardo Loureiro, “desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum.”[4] No entanto, nenhum das duas situações resta caracterizada.
Pelo todo exposto, nego provimento à apelação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1] Neste sentido, assinalo: Apelação Cível n.º 39.487-0/1, relator Corregedor Geral da Justiça Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n.º 404-6/6, relator Corregedor Geral da Justiça José Mário Antonio Cardinale, julgada em 08.09.2005.
[2] Não se desconhece a posição de Caio Mário da Silva Pereira, que considera originária a aquisição apenas “quando o indivíduo, num dado momento, torna-se dono de uma coisa que jamais esteve sob o senhorio de outrem”, de modo a sustentar, assim, que a usucapião é modo derivado de aquisição da propriedade, pois “pressupõe a perda do domínio por outrem, em benefício do usucapiente”, mas com a ressalva, oportuna, de faltar-lhe, “sem a menor dúvida, a circunstância da transmissão voluntária, ordinariamente presente na aquisição derivada” (Instituições de Direito Civil: direitos reais. 20.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 118. v. IV.). De qualquer forma, alinha-se, aqui, no ponto sob exame, com o entendimento de outros doutrinadores, que, enquadrando, na moldura das aquisições derivadas, somente as situações onde existente uma relação pessoal entre o adquirente e o precedente titular do direito real, compreende a usucapião como modalidade de aquisição originária, porque ausente um nexo causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual (Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil: direito das coisas. 27.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 124; Arnaldo Rizzardo. Direito das coisas. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 247; Marco Aurélio S. Viana. Comentários ao novo Código Civil: dos direitos reais. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 72. v. XVI; Gustavo Tepedino; Heloisa Helena Barboza; Maria Celina Bodin de Moraes. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República: direito de empresa e direito das coisas. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 519; Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil brasileiro: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 233; Durval Ferreira. Posse e usucapião. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 462; Francisco Eduardo Loureiro. Código Civil comentado. Ministro Cezar Peluso (coord.). 2.ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1.161).
[3] A matrícula no registro de imóveis. In: Doutrinas Essenciais: direito registral. v. VI. Registro Imobiliário: dinâmica registral. Ricardo Dip; Sérgio Jacomino (Org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 57.
[4]Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Ministro Cezar Peluso (coord.). 2.ª ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1.163.
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