Despachos/Pareceres/Decisões
16689102/2012
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DJ nº 0016689-10.2011.8.26.0625 - APELAÇÃO CÍVEL
: 31/01/2013
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0016689-10.2011.8.26.0625, da Comarca de TAUBATÉ em que é apelante TRANSCONTINENTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 18 de outubro de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível nº 0016689-10.2011.8.26.0625
Apelante: Transcontinental Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Taubaté
VOTO Nº 21.097
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação expedida em execução hipotecária - Qualificação do título judicial que não alcança o acerto do procedimento jurisdicional - Cédula hipotecária - Endosso-caução - Averbação que não impede o registro do título - Recurso provido.
Trata-se de apelação interposta por Transcontinental Empreendimentos Imobiliários Ltda., objetivando a reforma da r. sentença de fls. 195/196, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Taubaté e manteve a recusa do registro da carta de adjudicação expedida pelo MM. Juízo da 3a Vara Cível de Taubaté, nos autos do processo no 1.061/99, referente ao imóvel objeto da matrícula no 25.579, daquela Serventia de Imóveis.
Aduz a apelante que vendeu o imóvel em questão por meio de financiamento, cuja garantia era o próprio imóvel, e que, após emitir respectiva a cédula hipotecária, caucionou seus direitos creditórios à Caixa Econômica Federal. Diante do inadimplemento dos devedores hipotecários, promoveu execução hipotecária em que adjudicou o imóvel. Em relação à recusa do Oficial, mantida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, alega que a exigência consistente na anuência da Caixa Econômica Federal, a quem a apelante caucionou seus direitos creditórios, não procede porque: a) a CEF nunca foi titular dos direitos creditórios porque houve endosso caução (art. 16 do Decreto 70/66) e não endosso translativo (art. 22); b) a adjudicação extingue a hipoteca na forma do art. 1.499, VI, do Código Civil e, uma vez extinta a garantia principal, também se extingue a caução porque acessória; e c) a adjudicação do imóvel nos autos da execução hipotecária implicou o perecimento da coisa (crédito) dada em garantia (CC 1916, art. 1.436 II).
Depois de apresentadas as contrarrazões do Ministério Público (fls. 216/219), a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso, por entender que a adjudicação não extingue a garantia da caução, conforme esclarecido no agravo de instrumento no 991.01.0512781 (fls. 225/230).
É o relatório.
O recurso, a despeito da r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente e do bem lançado parecer da Procuradoria Geral de Justiça, comporta acolhimento.
A apelante - sucessora da Sul Brasileiro SP Crédito Imobiliário S/A - firmou contrato de compra e venda de imóvel com mútuo e pacto adjeto de hipoteca tornando-se credora de Afonso Cesar Leite de Camargo e Izabel Cristina Rosa de Camargo.
Diante do inadimplemento dos devedores, promoveu execução hipotecária que resultou na penhora e adjudicação do imóvel objeto da matrícula nº 25.579, do Registro de Imóveis de Taubaté, dado em garantia ao contrato.
Apresentada a carta de adjudicação a registro, veio a qualificação negativa do Oficial por constar da matrícula que a apelante, credora hipotecária, emitiu cédula hipotecária e a endossou em favor da Caixa Econômica Federal, de modo que esta passou a deter todos os direitos creditórios da hipoteca, ficando a apelante sem nenhum (Avs. 24 e 25). Por tal razão, e firme na premissa de que a apelante não era mais detentora de qualquer crédito, entendeu o registrador que não havia ato algum a ser praticado.
O MM. Corregedor Permanente, ao acolher a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, considerou que a cédula hipotecária é título nominativo que circula mediante endosso em preto. Logo, promovido o endosso em favor da Caixa Econômica Federal, ficou esta sub-rogada em todos os direitos creditórios, na forma do parágrafo único, do art. 16, do Decreto Lei nº 70/66, de modo que nenhum registro pode ser feito sem que outorgue declaração de quitação do débito ou libere o endosso caução em seu favor realizado. Concluiu, assim, que o registro pretendido viola a continuidade registral (fls. 195/196).
Tais considerações - no caso - ultrapassam os limites da qualificação registral e, por isso, não podem prevalecer.
É certo que também os títulos judiciais se submetem à qualificação registral[1]. Mas não é menos certo que referido exame tem limites e não pode invadir o mérito da decisão judicial que lhe dá suporte[2].
Nesse sentido, a sempre atual lição de Afrânio de Carvalho:
“Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz.”[3]
No caso posto, a carta de adjudicação foi constituída a partir de decisão judicial que reconheceu que a apelante tinha direitos creditórios e, por tal razão, permitiu que a execução hipotecária prosseguisse em seus regulares termos até que resultasse, após a constrição do imóvel objeto da matrícula no 25.579, do Registro de Imóveis de Taubaté, em sua adjudicação em favor da apelante.
Ora, é sabido que a via administrativa não pode se sobrepor nem rever a jurisdicional. Assim, descabe ao Oficial de Registro de Imóveis, ainda que de boa-fé, ao qualificar o título, fazer as vezes de órgão recursal e dizer se a via judicial está ou não correta quanto ao titular do crédito discutido nos autos da execução.
Deste modo, a exigência contida na nota devolutiva, ratificada na r. decisão recorrida, de que a apelante - interessada no registro - não é detentora de direitos creditórios não pode prevalecer, porque já examinada e definida na via adequada que é a judicial.
Também não há que se falar em quebra de continuidade porque a Caixa Econômica Federal, admitida a constituição da caução em seu favor, é apenas credora pignoratícia do crédito contido na cédula hipotecária, o que não lhe transfere o domínio do imóvel.
Francisco Eduardo Loureiro, ao comentar o penhor de títulos de crédito, acentua que o endosso penhor ou em garantia não transfere ao credor pignoratício a titularidade do crédito, de sorte que este não se torna credor do devedor originário do título de crédito, mas apenas exerce determinados poderes de cobrança em nome do credor endossante originário e também no próprio interesse[4].
Assim, não de pode confundir o direito de crédito da CEF (endossatária caucionada da credora hipotecária, ora apelante) com o direito de propriedade que, a despeito da garantia real constituída, permaneceu com os devedores originais da apelante Afonso Cesar Leite de Camargo e Izabel Cristina Rosa de Camargo.
O princípio da continuidade exige que a pessoa que transmite um direito conste do registro como titular desse direito[5].
No caso, a continuidade restou plenamente observada porque, como visto, a constituição da garantia real e a posterior emissão da cédula hipotecária presumivelmente endossada à Caixa Econômica Federal não alteraram o direito de propriedade dos primitivos devedores.
Assim, a Caixa Econômica Federal ostenta, no máximo, a qualidade de credora com garantia real, o que não obsta o registro ora perseguido porque a ausência de sua notificação nos termos do termos do art. 698, do Código de Processo Civil, representa caso de ineficácia, que depende de prévia declaração judicial, e não de nulidade.
Assim, até que e eventualmente reconhecida e declarada a insubsistência da adjudicação por desrespeito ao art. 698, do Código de Processo Civil, ela produzirá todos os seus efeitos, inexistindo motivo jurídico para a recusa de seu registro no fólio real, sob pena de o Oficial declarar e reconhecer, de ofício, nulidade não pronunciada na via judicial.
Nesse sentido, decidi recentemente com caráter normativo nos autos do Processo CG 2903/2006[6].
No que diz respeito à extinção da garantia real, conquanto não seja esta a via adequada para a discussão, cabe relembrar a regra do art. 1501, do Código Civil, segundo a qual:
“Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução.”
Assim, eventual debate relativo à subsistência da garantia real e eventual sub-rogação no imóvel adjudicado fica reservado à via judicial, o que, contudo, não obsta o ingresso do título, que será precedido da averbação dos atos necessários para se atender à especialidade subjetiva em virtude da alteração da razão social da apelante de Sul Brasileiro SP Crédito Imobiliário S/A para Transcontinental Empreendimentos Imobiliários Ltda., o que também fica determinado.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1] CSM: Apelações Cíveis nºs 31881-0/1; 681-6/9; 984-6/1; 995-6/1; 39.487-0/1; 1.041-6/6; 22.417-0/4
[2] CSM, Apelação Cível nº 0018845-68.2011.8.26.0625
[3] Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed. , p. 300
[4] Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coord. Cezar Peluso - 2. ed. Manole, 2008, p. 1511
[5] Retificação do registro de imóveis. Oliveira Mendes, 1997, p. 55/56
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