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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 46326292/2012


Acórdão - DJ nº 0046326-29.2011.8.26.0100 - Apelação Cível
: 24/01/2013

A C Ó R D Ã O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0046326-29.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que são apelantes JOSÉ LUIZ ABRAÇOS e OUTRA e apelado OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS DO 17º SUBDISTRITO - BELA VISTA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso para determinar a continuidade do processo de habilitação de casamento com seu registro sob o regime da comunhão parcial de bens na hipótese da ausência de impedimentos legais, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 12 de setembro de 2012.
 
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível nº 0046326-29.2011.8.26.0100
Apelante: José Luiz Abraços e Tânia Honorina Rodrigues Correia
Apelado: Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 17º Subdistrito da Comarca de São Paulo
VOTO Nº 21.055
 
 
 
REGISTRO CIVIL – Conversão de união estável em casamento iniciada antes do convivente atingir os setenta anos de idade - possibilidade do registro do casamento sob o regime de comunhão parcial de bens na especificidade do caso concreto – Recurso provido.
 
 
 
Trata-se de apelação interposta por José Luiz Abraços e Tânia Honorina Rodrigues Correia contra a r sentença de fls. 28/34 que indeferiu o registro da conversão de união estável dos apelantes em casamento sob o regime da comunhão parcial de bens em razão da regra imposta pelo art. 1.641, inc. II, do Código Civil.
 
Sustentam os apelantes a possibilidade do registro do casamento sob o regime de bens da comunhão parcial em razão da existência de união estável desde 1986, excluindo o regime legal de bens na hipótese (a fls. 36/44).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (a fls. 55/98).
O processo foi enviado pela Corregedoria Geral da Justiça a este Conselho Superior da Magistratura (a fls. 62/64).
 
É o relatório.
 
O fato posto em julgamento é o seguinte:
a. os apelantes, conforme reconhecido em ação judicial (a fls. 20/21), vivem em união estável desde 1.986;
b. requereram a conversão da união estável em casamento sob o regime de bens de comunhão parcial;
c. o homem é septuagénario;
d. foi negada a conversão na forma pretendida em razão da incidência da norma cogente contida no art. 1.641, inc. II, do Código Civil, a qual impõe o regime legal obrigatório de separação de bens à pessoa maior de setenta anos.
O presente recurso administrativo objetiva a reforma da decisão com a consequente continuidade da habilitação para fins da conversão da união estável em casamento sob o regime de comunhão parcial de bens.
O art. 226, parágrafo terceiro, da Constituição Federal e o art. 1.726 do Código Civil, estabelecem a possibilidade da conversão da união estável em casamento e têm as seguintes redações:
 
CF, Art. 226, § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
 
CC, Art. 1.726 - A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
 
Em razão da expressa previsão legislativa acerca da possibilidade da conversão da união estável em casamento, é possível concluir pela diversidade de natureza jurídica entre a conversão da união estável em casamento e o casamento direto.
Rolf Madaleno (Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 813) trata dessa distinção da seguinte forma:
 
Todavia, a lei autoriza a conversão da união estável em casamento, no que difere da habilitação do casamento quanto aos seus efeitos no tempo, considerando que o matrimônio civil direto tem seus efeitos operados a partir da data de sua celebração, sem nenhuma retroação no tempo, seu efeito é ex nunc. Já na conversão da união estável em casamento os efeitos se operam ex tunc, são retroativos à data do início da união estável. A conversão também difere da celebração de casamento típico, porque além da legalização da união de fato, ocorre igualmente o reconhecimento legal da constituição de uma família em data precedente ao casamento formal.
 
Nessa linha, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (Capítulo XVII, item 87.3), após o processo de habilitação para casamento, dispensam celebração do casamento, prevendo:
 
87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio.
 
 Conforme Paulo Nader (Curso de direito civil: direito de família. v. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 516) já em Roma, os imperadores cristãos incentivavam a conversão do concubinato em justae nuptiae, portanto, a distinção vem de longa data.
Desse modo, na via administrativa, são necessárias várias considerações para decisão acerca da aplicação (ou não) do regime compulsório de separação de bens no caso da conversão de união em estável em casamento iniciada antes de um dos conviventes atingir os setenta anos de idade.
Não obstante a existência de respeitáveis manifestações doutrinárias acerca da inconstitucionalidade do disposto no art. 1.641, inc. II, do Código Civil, por atentatório à dignidade da pessoa humana e discriminar o nubente idoso (a exemplo de Paulo Lobo, Direito civil: famílias. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 323), não houve o reconhecimento da inconstitucionalidade da referida regra de direito em controle concentrado de constitucionalidade e tampouco sua exclusão do sistema legal quando o legislador aumentou a idade limite de sessenta anos para setenta por meio da Lei n. 12.334/10, assim, em nosso sentir, não seria adequado o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa norma legal em sede administrativa.
 Excluída a possibilidade de uma abordagem zetética da questão, compete-nos seu exame diante da dogmática jurídica (Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1994, p. 39/51) sob o fio condutor da finalidade dos institutos jurídicos.
A finalidade do legislador na imposição do regime obrigatório da separação de bens na hipótese em exame, conforme Silvio Rodrigues (Curso de direito civil: direito de família, v. 6. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 178), é a de impedir que pessoa moça procure casar com outra bem mais idosa, atraída menos pelos encantos pessoais que pela fazenda de seu consorte.
 Sem abandono do exame estrutural do Direito deve ser agregada a análise funcional, assim, cabe assomar à estrutrura a função na aplicação e compreensão do Direito.
Noberto Bobbio (Da estrutura à função. Barueri: Manole, 2007, p. 53/54) analisa esse ponto da seguinte forma:
 
Em poucas palavras, aqueles que se dedicaram à teoria geral do direito se preocuparam muito mais em saber “como o direito é feito” do que “para que o direito serve”. A conseqüência disso foi que a análise estrutural foi levada muito mais a fundo do que a análise funcional.
 
Nessa ordem de ideias, é absolutamente contrário à função do Direito, na especificidade deste caso concerto, a imposição do regime legal da separação de bens por desconforme à finalidade (protetiva) objetivada pela norma jurídica.
Ocorrendo expressa previsão, na norma constitucional, da facilitação da conversão da união estável casamento pela afirmação - devendo a lei facilitar sua conversão em casamento - impedir a manutenção do regime patrimonial legal (atualmente previsto no art. 1.725 do Código Civil) por meio do qual os conviventes regulavam suas relações econômicas, desde 1986, para conversão de uma entidade familiar para outra; provoca efeito contrário ao mandamento constitucional sugerindo aos conviventes a seguinte opção: manter a união estável em respeito a sua liberdade (autonomia privada) ou contrair matrimônio com o sacrifício do poder de autodeterminação patrimonial; essa situação, a nosso sentir, ofenderia a função promocional (sanção positiva) do Direito prevista na Constituição Federal.
Além disso, o fenômeno da contratualização da família pugnando pela maior consideração aos acordos de vontades (autonomia privada) destinados à ordenação da vida familiar em abandono às estruturas rígidas do Direito de Família de outrora (a respeito consulte, Dominique Fenouillet e Pascal de Vareilles-Sommières (direction). La contractualisation de la famile. Paris: Economica, 2001), igualmente, também como valor, recomenda a interpretação no sentido da possibilidade da regime da comunhão parcial de bens na excepcionalidade do presente julgamento.
Nestes termos a aplicação do Direito, mesmo com os limites e particularidades da esfera administrativa, deve considerar a realidade social realizando constante diálogo entre o fato e lei na busca da norma jurídica incidente. Conforme Gustavo Zagrebelsky (Il diritto mite. Torino: Eunadi, 1992) - Non basta considerare il “diritto nei libri”, occorre considerare il “diritto in azione”; non basta una “validità logica”; occorre una “validità pratica”. Quante volte il significato di una norma è uno in astratto ma un’altro in concreto?
Em conformidade à interpretação exposta, permitimo-nos transcrever o enunciado n. 261 aprovado na III Jornada de Direito Civil, 2004, do Conselho da Justiça Federal, ao tempo em que o limite de idade era ainda menor (sessenta anos) para imposição do regime legal obrigatório, a saber:
 
261 – Art. 1.641: A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade.
 
Pelas razões expostas e, na particularidade da situação concreta, decidimos pela possibilidade da conversão da união estável em casamento sob o regime de comunhão parcial em virtude da união informal ter sido iniciada muito antes do companheiro haver atingido os setenta anos de idade.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para determinar a continuidade do processo de habilitação de casamento com seu registro sob o regime da comunhão parcial de bens na hipótese da ausência de impedimentos legais.
 
 
 JOSÉ RENATO NALINI
   Corregedor Geral da Justiça e Relator


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