Fechar Cartórios Extrajudiciais Registro de Chamado: 
https://www.suportesistemastjsp.com.br

Clique aqui para baixar o Manual de Registro de Chamado
Cidadão Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) - Lei 12.527/11
 
 

 



Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 38476212/2012


Acórdão - DJ nº 0038476-21.2011.8.26.0100 - Apelação Cível
: 22/01/2013

A C Ó R D Ã O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0038476-21.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante 9INE SPORTS & ENTERTAINMENT CONSULTORIA LTDA e apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao apelo para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro do contrato de locação, de conformidade com os votos dos Desembargadores Relator, Revisor e Decano, em exercício, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 12 de setembro de 2012.
 
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível 0038476-21.2011.8.26.0100
Apelante:9ine Sports & Entertainment Consultaria Ltda.
Apelado:10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
 
VOTO no 20.972
 
 
 
REGISTRO DE IMÓVEIS. Registro de contrato de locação não residencial. Existência de restrição convencional de uso apenas residencial em contraste à permissão do Plano Diretor. Mudança de orientação de precedentes administrativos. Prevalência da norma legislativa em conformidade com a Constituição Federal. Recurso provido.
 
 
A sentença do Juízo Corregedor Permanente do 10º Registro de Imóveis da Capital reconheceu impossibilidade do registro de contrato de locação em virtude de restrição convencional impeditiva de uso não residencial do imóvel.
Apela a empresa interessada a sustentar a possibilidade do registro em virtude da natureza privada da disposição e a superveniência de norma legal prevendo uso não residencial para aquela via pública[1].
Opina a Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça pelo desprovimento do apelo[2].
É uma síntese do necessário.
 
 
A controvérsia a respeito das restrições convencionais é antiga. Longeva orientação da Corregedoria Geral de Justiça as considera obrigação propter rem, aptas a vincular atuais e futuros proprietários.
Induvidoso o dever de fiscalização pelo registrador imobiliário quanto à sua existência, pois não se cuida de mero interesse individual. Desde que aprovadas pelo Poder Público, as restrições convencionais passam a integrar o Direito Urbanístico e adquirem caráter público, além de uma natureza difusa.
Nada obstante, o arquétipo de solução para o presente julgamento implica em diálogo entre o caso concreto e a normatividade. O ideal, para o saudosista, seria a preservação da fisionomia urbana das regiões cujos empreendedores originais pretenderam qualificar com diferenciais urbanísticos. Mas as cidades, como as pessoas, crescem, amadurecem, se deterioram, são submetidas a inúmeras mutações de toda ordem.
Regiões há que nasceram com uma vocação e se viram totalmente transmutadas, diante dos ciclos de desenvolvimento na insensata conurbação paulistana. Na espécie, a empresa interessada viu-se impedida de colocar sob a tutela registaria o seu contrato locatício. Todavia, aquelas situadas talvez na mesma via pública, por não necessitarem do acesso à realidade matricial os seus ajustes, funcionam com desenvoltura para finalidades mui distantes da exclusivamente residencial.
Além disso, o artigo 273 da Lei Municipal 13.430, de 13.9.2001, o Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo estabeleceu a elaboração de planos regionais pelas Subprefeituras. A Subprefeitura de Pinheiros, de acordo com o Anexo XI, Livro XI, estabeleceu possibilidade de uso não residencial para o imóvel objeto da locação.
Prevalecerá a vontade do instituidor do loteamento após uma Constituição da República cidadã, enfática ao reconhecer a cidade como polo de desenvolvimento natural para o convívio entre as pessoas? Uma Constituição que
produziu o Estatuto da Cidade, que flexibilizou exigências normativas para assegurar a todos o acesso à Justiça?
O artigo 182 da Constituição da República é muito enfático ao estabelecer o planejamento do desenvolvimento urbano e ao reconhecer o Município como entidade federativa. O Plano Diretor é a norma adequada a formatar o destino e as perspectivas de crescimento e de adensamento da cidade. Não poderia prevalecer, nesse confronto entre a legislação municipal — o Plano Diretor — e a restrição convencional, a vontade longeva do instituidor. Subsiste a regra reconhecidamente provida de maior eficácia social, caso contrário a intenção do particular seria suficiente a coibir o progresso da urbe.
Impõe-se conferir à norma correcional a interpretação conforme e mais adequada às necessidades contemporâneas.
O registrador pode mencionar as restrições, mas isso não obstará o registro de contratos como o da espécie. Aliás, essa a melhor leitura do item 174 do Capítulo XX, cuja dicção é clara:
 
Todas as restrições presentes no loteamento, impostas pelo loteador ou pelo Poder Público, deverão ser, obrigatoriamente, mencionadas no registro. Não caberá ao oficial, porém, fiscalizar sua observância.
 
Em consulta formulada pelo 18º Registrador de Imóveis, tive a oportunidade de me pronunciar, então como Juiz em exercício na 1a Vara de Registros Públicos da Capital, cuja conclusão foi: “não competir ao Serventuário recusar o registro de incorporação ou de especificação, em lotes originários de loteamentos cujos registros contenham restrições de vizinhança. O que lhe não impede, considerada a peculiaridade de cada caso em particular e quando anteveja lesão a interesses alheios, provoque a decisão judicial, suscitando dúvida".
Na lição de Hely Lopes Meirelles, as restrições convencionais não são absolutas e têm caráter supletivo da
lei urbanística. Só operam efeitos válidos no vazio normativo. Devem ser observadas pelos particulares e pelo próprio Poder Público, enquanto não derrogadas por lei urbanística superveniente. Do contrário, haveria supremacia do interesse individual sobre o social. Textualmente: “As restrições operam efeitos entre o loteador e os que vão construir no bairro, enquanto não colidentes com a legislação urbanística ordenadora da cidade e de seus núcleos urbanos, formados por loteamentos particulares... E é natural que assim seja, porque a cidade cresce, evolui exige novas atividades para atender as necessidades supervenientes de sua população, o que impõe uma legislação dinâmica, variável e adequada à solução dos novos problemas urbanos”.[3]
Incabível permitir que o particular se sobreponha ao interesse coletivo. E é o que ocorreria não se permitisse o acesso à tutela registaria de contrato locatício como o da espécie. Com razão o saudoso magnífico administrativista bandeirante: “Se assim não fosse, os particulares é que passariam a ter o controle do uso do solo urbano, impedindo o Poder Municipal de ordenar a cidade, em flagrante ofensa à competência constitucional do Município, ... pois bastaria que os loteadores estabelecessem restrições urbanísticas incompatíveis com o desenvolvimento da urbe, ou, por exemplo, proibissem a passagem de veículos de transporte coletivo pelas ruas, para que a Prefeitura ficasse tolhida de, por lei, adequar, no futuro, a utilização daquele bairro e nele implantar o serviço de ônibus, que se tomasse necessário, não só àquela comunidade, mas a outras interceptadas por aquele loteamento[4].
Na verdade, o tema restou superado por jurisprudência recente e que bem apreciou hipótese análoga, exatamente para a dinâmica urbe paulistana. O Ministro Luiz Fux conferiu a melhor orientação à espécie, ao relatar o Recurso Especial 289.093-SP, julgado em 2.9.2003. Uma das ementas seria suficiente a solucionar a questão: Impossibilidade de normas convencionais se sobreporem a limitações de ordem pública. Precedentes.
No corpo do acórdão o Ministro invoca o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem “as restrições convencionais não prevalecem contra disposições legais, se com elas forem incompatíveis[5]. Há menção ao princípio da razoabilidade, pois imporia a alguns proprietários restrições ao direito individual de propriedade, mais severas do que as consideradas suficientes pelo legislador.
É exatamente a situação destes autos. Por isso é que o registrador, embora mencione as restrições convencionais no registro, não pode deixar de admitir ao registro os títulos apresentados, apenas com base nessas imposições particulares.
Impõe-se alteração da orientação até aqui preservada no âmbito do E. Conselho Superior da Magistratura, para deixar de considerar as restrições convencionais superadas por normatividade posterior, notadamente se fundadas num pacto fundante que consagra a função social da propriedade.
Diante do exposto, dou provimento ao apelo para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro do contrato de locação.
 
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral de Justiça e Relator
Voto nº 19.481
Conselho Superior da Magistratura
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apelação Cível nº 0038476-21.2011.8.26.0100
Apelante: 9ine Sports & Entertainment Consultoria Ltda
Apelado: Décimo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
 
 
 
 
 
Ementa: Dúvida registraria – Contrato de locação não residencial – Possibilidade do registro – Mudança de orientação de precedentes administrativos – Plano diretor municipal que prevalece sobre regra de restrição convencional, em consonância com a Constituição Federal – Recurso provido.
 
 
 
 
 
Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que julgou procedente dúvida registraria que, por sua vez, negou o registro de contrato de locação em razão de haver restrição convencional impeditiva de uso não residencial do imóvel.
 
Sustenta a apelante, em síntese, ser possível o ingresso do título no fólio real, pois a restrição é de natureza privada, devendo assim, prevalecer a regra de ordem pública que prevê o uso não residencial do imóvel.
 
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso.
 
É o relatório.
 
Não comporta nenhum reparo a r. decisão proferida pelo DD. Corregedor Geral de Justiça.
 
No mundo jurídico, os paradigmas são modelos de problemas e soluções para os operadores do direito.
 
Segundo o saudoso ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, até aproximadamente a Primeira Guerra Mundial o paradigma era a lei: “Vindos dos traumas do absolutismo, os juristas de então viam, na lei, o direito. Para dar segurança, a norma devia ser clara, precisa nas suas hipóteses de incidência (fatispecie), abstrata, universal. Como garantia de impessoalidade, o papel do juiz, por isso mesmo, era visto como passivo (o juiz era somente a boca da lei, ‘la bouche de la loi’ – Montesquieu); a sentença, um mero silogismo, cuja premissa maior era o imperativo hipotético ao texto legal ... Após a Primeira Guerra, a generosidade de alguns espíritos, preocupados com uma justiça mais efetiva, e também a ambição política de outros, menos altruístas, desejosos de ver o Estado agindo sem peias, levaram à visão de que a lei – rígida, inflexível, alheia à diversidade da vida – antes útil instrumento da justiça, era um obstáculo a ultrapassar. O paradigma termina, pois, por mudar; os juristas deixaram de examinar as questões pelo ângulo da lei e passaram a tomar, nos seus modelos de solução, como centro, a figura do juiz (encarado como representante do Estado).” (“Estudos e Pareceres de Direito Privado”, Editora Saraiva, 2004, p. 57-58).
 
Discorrendo sobre o paradigma atual, denominado “pós-moderno”, prossegue o ilustre autor: “O tempo que estamos a viver, em primeiro lugar, não se conforma com as noções vagas que tudo fazem depender do juiz nem, por outro lado, deseja, pura e simplesmente, uma volta ao passado com a lei abstrata e geral. Antes de mais nada, é preciso compreender que o direito, na verdade, não é em si um sistema totalmente autônomo; integrado na sociedade, ele é um ‘sistema de segunda ordem’, algo assim como o sistema nervoso nos seres vivos (Maturana e Varela) – existe em função do sistema maior. Por isso mesmo, para cumprir sua função, sem perturbar o grande corpo social, ele tem, justamente, de solucionar conflitos ‘da melhor forma possível’ ” (ob. cit. p. 59).
 
Seguindo o paradigma pós-moderno deve-se compatibilizar, no caso em testilha, a função social da propriedade e a política urbana, com preponderância da legislação municipal em relação à restrição convencional, consoante bem assinalado pelo DD. Relator.
 
De fato, uma megalópole como São Paulo, quinta cidade mais populosa do mundo, não pode ter seu desenvolvimento condicionado a vínculos restritivos, impostos há mais de quarenta anos (fls. 14/33), quando a conjuntura social e urbana eram totalmente distintas.
 
Não se pode olvidar que, nos tempos atuais, houve profunda alteração do chamado processo urbanístico. Isso porque, segundo leciona o Des. FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO, “as decisões básicas do urbanismo deslocaram-se do particular para o Poder Público, responsável pela ordem coletiva, e dissociaram-se do direito de propriedade sobre o solo. Dizendo de outro modo, o particular já não tem mais o ‘ius edificandi’, a faculdade de pôr algo sobre o solo que tenha significado urbanístico, que agora é função pública, separada da titularidade dominial. A configuração da cidade passou de conjunto de interesses dos proprietários particulares para realização coletiva, que atinge todos os membros da comunidade. Garante-se o direito à cidade dos não-proprietários.” (“A Propriedade como Relação Jurídica Complexa”, Editora Renovar, 2003, p. 131).
 
Em caso análogo, já se pronunciou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 289.093-SP, relatado pelo Min. Luiz Fux:
 
ADMINISTRATIVO. RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS. PREVALÊNCIA SOBRE NORMAS QUE INSTITUEM LIMITAÇÕES DE ORDEM PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. REPRISTINAÇÃO DOS EFEITOS DE CLÁUSULAS CONVENCIONAIS APÓS TRANSCORRIDOS DÉCADAS DE SUA APOSIÇÃO MANUSCRITA EM ESCRITURA ORIGINAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. REPRISTINAÇÃO.
1. Restrições convencionais, apostas de forma manuscrita em 1935, em escritura primitiva de compra e venda de imóvel, revogada por força da edição do Decreto-lei n.º 99/41, que instituiu limitações de ordem pública, não poderiam ter seus efeitos repristinados pela Lei n.° 8.001/73, porquanto inexistentes quando da sua edição.
2. Impossibilidade de normas convencionais se sobreporem à limitações de ordem pública. Precedentes.
3. Afrontaria o Princípio da razoabilidade impor ao recorrente a adequação do imóvel às referidas cláusulas, após décadas de ineficácia, porquanto conspiraria contra a ‘ratio essendi’ do art. 39, da Lei n.° 8.001/73.
4. Efetuando o recorrente modificações no imóvel, em consonância com o Decreto-lei n.° 99/41, muito embora em dissonância com as restrições convencionais, as quais desconhecia porquanto não foram reproduzidas nas escrituras posteriores à original, em nenhuma ilegalidade incorreu.
5. Sob o enfoque da aplicação da lei no tempo, não seria razoável imputar ao recorrente o cometimento de infração à Lei n.° 8.001/73 que, em data posterior à permissibilidade de recuos maiores no imóvel, determinou a prevalência das restrições pretéritas. A Lei n.º 8.001/73, à semelhança de todo e qualquer diploma legal, somente passou a produzir os seus efeitos quanto às restrições convencionais existentes em data posterior à sua edição.
6. A ausência de reprodução das cláusulas convencionais apostas de forma manuscrita em 1935 na escritura original, no instrumento de compra e venda do imóvel e no Registro Imobiliário, contraria o art. 26, da Lei n.º 6.766/79.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido”.
 
A proposito da inviabilidade da prevalência de restrições convencionais em relação às limitações de ordem pública, oportuno é transcrever o escólio de HELY LOPES MEIRELLES, in “As restrições de loteamento e as leis urbanísticas supervenientes”, RT 462/23-29, citado no acórdão proferido no julgamento do recurso supramencionado:
 
(...)Tais restrições, sendo convencionais, operam efeitos entre o loteador e os que vão construir no bairro, enquanto não colidentes com a legislação urbanística ordenadora da cidade e de seus núcleos urbanos formados por loteamentos particulares. Essas restrições convencionais são supletivas das normas legais e atuam nos seus claros enquanto o legislador não estabelece normas urbanísticas que irão tomar o seu lugar.
(...)
As leis urbanísticas são normas de ordem pública e por isso prevalecem sempre sobre as cláusulas convencionais do loteamento que são disposições particulares estabelecidas no interesse restrito do loteador e do adquirente de lotes. Aquelas são normas gerais públicas; estas são normas especiais particulares. Daí porque as leis urbanísticas, desde que editadas, superam as disposições do loteamento. E nem poderia ser de outro modo, porque se as restrições convencionais pudessem prevalecer sobre as leis urbanísticas da cidade seria a subordinação do interesse público ao interesse particular; do social ao individual; da cidade ao bairro.
(...)
Lei é norma geral e abstrata de conduta, imposta coativamente pelo Estado (em sentido amplo: União, Estado-membro, Município). Ninguém se exime do comando da lei, ressalvando-se, é claro, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, que, por mandamento constitucional, são intocáveis pela norma posterior. No caso das convenções de loteamento, não ocorre qualquer dessas situações individuais, intocáveis pela lei posterior, porque todas as suas cláusulas urbanísticas são particulares e supletivas da lei, e, como tal, só operantes na ausência ou na lacuna das normas legais. Assim sendo, a lei urbanística incide, de imediato, sobre as restrições convencionais de loteamento, aumentando-as ou reduzindo-as, segundo as novas exigências da comunidade, e as edificações ainda não realizadas passam a reger-se pela lei pertinente, e não mais pelas cláusulas convencionais e supletivas do loteamento, colidentes com a norma legal superior.
(...)”.
 
Nesse diapasão, considerando que a propriedade urbana está sujeita à funcionalização mediante regras limitadoras legais e administrativas, expressas no plano diretor (art. 182, CF), e que este permite o uso do imóvel em testilha para fim não residencial, nada obsta o registro do respectivo contrato de locação, na esteira do bem lançado voto do Nobre Relator.
 
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para que se efetue o registro do contrato em comento.
 
 
 
GONZAGA FRANCESCHINI
Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
D E C L A R A Ç Ã O       D E       V O T O
 
Voto nº 13.576
Apelação (Dúvida Registrária) nº 0038476-21.2011.8.26.0100
Apelante: 9ine Sports & Entertainment Consultoria Ltda
Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
 
 
 
 
1. A sentença reconheceu a impossibilidade de registro de contrato de locação em razão de existir restrição convencional impeditiva de uso não residencial do imóvel.
2. Há recurso de apelação, no qual se alega a possibilidade de mencionado registro fundado na existência de legislação prevendo o uso não residencial e, também, em razão de a natureza privada da disposição dever ser suplantada por regra de ordem pública.
3. O relator, eminente Corregedor-Geral da Justiça, Des. Renato Nalini, dá provimento ao recurso, em voto encimado pela seguinte ementa: "Registro de Imóveis – Registro de contrato de locação não residencial – Existência de restrição convencional de uso apenas residencial em contraste à permissão do plano diretor – Mudança de orientação de precedentes administrativos – Prevalência da norma legislativa em conformidade a Constituição Federal – Recurso provido.".
4. O eminente Vice-Presidente, Des. Gonzaga Franceschini, em pedido de vista, também provê o recurso, em voto encapsulado na seguinte ementa: "Dúvida registraria – Contrato de locação não residencial – Possibilidade de registro – Mudança de orientação de precedentes administrativos – Plano diretor municipal que prevalece sobre regra de restrição convencional, em consonância com a Constituição Federal – Recurso provido.".
5. Meu voto.
As leis urbanísticas são normas de ordem pública, que se sobrepõem a cláusulas convencionais dispostas por particulares. A cidade cresceu. Viveu de outro modo. Desenvolveu-se de uma forma que não faz mais sentido apertá-la por aquelas convenções.
Temos uma Constituição que estabelece o planejamento do desenvolvimento urbano (art. 182). Temos o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais da política urbana. Temos lei que estabelece o Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo (Lei Municipal nº 13.430/2002), e, de acordo com plano regional elaborado pela Subprefeitura de Pinheiros, permitido é o uso não residencial do imóvel em apreço.
A cidade não pode ficar paralisada, Anquilosada. Ainda que a custa de alguma especulação imobiliária que, por sinal, não é um mal em si mesmo.
Nos citados votos predecessores, é trazida a lume escólio de Antonio Junqueira Azevedo quanto à natureza vinculativa das restrições convencionais de loteamento, que, todavia, propõe um paradigma, que ele chama de pós-moderno, para solucionar conflitos da melhor maneira possível. Lembremos que a pós-modernidade é definida por muitos autores como a época das incertezas, das fragmentações, da troca de valores, nem se sabendo se é possível ser otimista na era da pós-modernidade.
De qualquer sorte, nominando esse novo paradigma de pós-moderno ou não, há a legislação citada de prevalecer sobre as normas convencionais impositivas de restrição.
Do exposto, também dou provimento ao recurso.
 
WALTER DE ALMEIDA GUILHERME
Decano, em exercício


1[1] Razões de frs. 261/269 dos autos.
 
[2] Contra-razões de fis. 277/282.
 
[3] MEIRELLES, Hely Lopes, Estudos e Pareceres de Direito Público, Volume V, RT, SP, p. 11/25.
 
 
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., idem, p. 17.
[5] Acórdão REsp. 289.093-SP, Rel. designado Min. LUIZ FUX, j. 02.09.2003


Anexos


Descrição* Arquivo  
 Quantidade de registros: 0