Despachos/Pareceres/Decisões
34814120/2012
:
Acórdão - DJ nº 0003481-41.2011.8.26.0242 - Apelação Cível
: 31/08/2012
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0003481-41.2011.8.26.0242, da Comarca de IGARAPAVA, em que é apelante RAÍZEN S/A BIOENERGIA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE IGARAPAVA.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento à apelação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, HAMILTON ELLIOT AKEL E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado, em exercício, e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 31 de maio de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível n.º 0003481-41.2011.8.26.0242
Apelante: RAÍZEN S/A BIOENERGIA
Apelado: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE IGARAPAVA
VOTO Nº 20.886
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida registrária – Contrato de comodato – Acesso ao fólio real recusado - Desqualificação registrária mantida – Recurso não provido.
Diante do requerimento formulado pela apelante, interessada, inconformada com a desqualificação registrária do contrato de comodato (fls. 03/05), o Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Igarapava suscitou dúvida ao MM Juiz Corregedor Permanente, que, então, confirmando a recusa de acesso do título ao fólio real, amparou-se, inclusive, no item 68.3 do capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (fls. 02 e 06).
Notificada (fls. 07), a interessada não apresentou impugnação, o Ministério Público se manifestou (fls. 31/32) e, posteriormente, a dúvida foi julgada procedente (fls. 33/34), levando a interessada a interpor recurso de apelação, no qual, sustentando a admissibilidade do ingresso do título no álbum imobiliário - pois o rol constante da Lei n.º 6.015/1973 é enunciativo e porque se trata de uma condição, imposta por terceira pessoa (Empresa de Pesquisa Energética – EPE), para participação nos leilões de energia elétrica -, persegue a reforma da sentença (fls. 39/45).
Recebida a apelação (fls. 47), a Procuradoria Geral de Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 53/55).
É o relatório.
A falta de impugnação da dúvida, a despeito de formalizada a notificação imposta pelo inciso III do artigo 198 da Lei n.º 6.015/1973 (fls. 07), não obsta o seu conhecimento (artigo 199 da Lei n.º 6.015/1973): ademais, as razões da interessada, ora apelante, questionando a recusa de acesso do título apresentado ao fólio real, constam do requerimento direcionado à suscitação da dúvida.
De todo modo, o desprovimento da apelação se impõe.
O rol dos atos suscetíveis de registro é taxativo, quer dizer, a enumeração é numerus clausus, razão pela qual apenas os atos expressamente previstos em lei, ainda que fora da lista do artigo 167, I, da Lei n.º 6.015/1973, são passíveis de registro. Destarte, ausente no elenco dos atos registráveis, o contrato de comodato não comporta registro stricto sensu.
Mesmo que se flexibilize a taxatividade dos títulos registráveis, temperando-a pontualmente, à vista da realidade dinâmica e das variáveis advindas da casuística - pois, conforme Ricardo Dip, “embora o ideal seja a enunciação legislativa de todos os títulos inscritíveis, não se pode recusar, de maneira absoluta, o surgimento de possíveis contratos atípicos que a lei reconheça idôneos à gestação de direitos reais”[1] -, o contrato de comodato, ainda assim, não admite registro em sentido estrito.
De fato, a desconsideração episódica do numerus clausus dos títulos registráveis, pautada pela instrumentalidade do registro, prudência e pelo princípio fundamental da segurança jurídica, é, in concreto, injustificável, porquanto, malgrado a ordem jurídica pátria preveja direitos obrigacionais registráveis, o contrato de comodato, estranho ao rol aludido, não tem potencial para declarar, constituir, modificar, transferir ou extinguir um direito real.
Também por isso, porque desprovido de eficácia real e, particularmente, sem aptidão para alterar o registro, para modificar uma situação de direito real inscrito, limitando-se à esfera obrigacional, o contrato de comodato - não relacionado entre os atos averbáveis (artigo 167, II, da Lei n.º 6.015/1973) -, é insuscetível de averbação, apesar do caráter enunciativo da lista positivada (artigo 246 da Lei n.º 6.015/1973).
Aliás, com a aprovação do parecer da lavra do juiz Vicente de Abreu Amadei, por meio de decisão do Desembargador Gilberto Passos de Freitas, lançada, no dia 13 de julho de 2007, nos autos do processo CG n.º 850/2006, assentou-se: a abertura extraída do artigo 246 da Lei n.º 6.015/1973 “é restrita às hipóteses de averbações enunciativas de ocorrências modificativas de registro.”[2]
E consoante a oportuna advertência de Afranio de Carvalho, “o registro não é o desaguadouro comum de todos e quaisquer títulos, senão apenas daqueles que confiram uma posição jurídico-real”[3], a par de outros, que sem tal vocação e potência, isto é, sem irradiar efeitos reais, são, por expressa disposição legal, suscetíveis de registro.
Logo, a conduta do registrador se revelou correta: a propósito, de acordo com o item 68.3. do capítulo XX das NSCGJ, “o protesto contra alienação de bens, o arrendamento e o comodato são atos insuscetíveis de registro, admitindo-se a averbação do protesto contra alienação de bens diante de determinação judicial expressa do juiz do processo.”
Inclusive, a exceção contemplada - para admitir, contra a jurisprudência administrativa que prevalecia no Conselho Superior da Magistratura e na Corregedoria Geral da Justiça deste Tribunal, a averbação do protesto contra alienação de bens[4] -, objetivou harmonizar o regramento administrativo com o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, expresso no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 440.837/RS, ocorrido em 16 de agosto de 2006.
Vale dizer: não serve de parâmetro para, fora da compreensão da regra do artigo 246 da Lei n.º 6.015/1973, acima enfrentada, alargar os títulos passíveis de averbação e, especialmente, assegurar o acesso do contrato de comodato - marcado pela temporariedade, que lhe é ínsita, e situado no universo do direito obrigacional -, ao álbum imobiliário.
Por fim, o Conselho Superior da Magistratura, na apelação cível n.º 1.396-0, julgada no dia 22 de junho de 1982, relator Desembargador Bruno Affonso de André, concluiu, ao confirmar a sentença proferida pelo magistrado Narciso Orlandi Neto, que o contrato de comodato é insuscetível de registro e de averbação.
Pelo todo exposto, nego provimento à apelação.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
[1] Direito administrativo registral. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 65.
[2] Na mesma linha, parecer anterior, também do juiz Vicente de Abreu Amadei, aprovado pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas, nos autos do processo CG n.º 523/2006, no dia 24 de julho de 2006.
[3] Registro de imóveis. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 283.
[4] Definida nos autos do processo CG n.º 485/2007, com a aprovação, pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas, do parecer do juiz Vicente de Abreu Amadei, que culminou na edição do Provimento CGJ n.º 20/2007.
|