Despachos/Pareceres/Decisões
50882011/2012
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Acórdão - DJ nº 0000050-88.2011.8.26.0568 - Apelação Cível
: 30/08/2012
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000050-88.2011.8.26.0568, da Comarca de SÃO JOÃO DA BOA VISTA, em que é apelante MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores, IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Direito Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 12 de abril de 2012.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça
e Relator
Apelação Cível nº 0000050-88.2011.8.26.0568
Apelante: Município de São João da Boa Vista
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São João da Boa Vista
VOTO Nº 20.836
REGISTRO DE IMÓVEIS – adjudicação de imóvel em ação falimentar - imóvel não registrado em nome da pessoa jurídica falida – quebra da continuidade – indisponibilidade decorrente da penhora averbada nos termos do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91 que também obsta o registro - Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta pelo Município de São João da Boa Vista, objetivando a reforma da r sentença de fls. 60/61, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São João da Boa Vista, e manteve a recusa do registro da carta de adjudicação extraída dos autos da falência nº 568.01.1983.000003-6, da E. 1a Vara de São João da Boa Vista, nos imóveis das matrículas nºs 19.761 e 19.762, daquela Serventia de Imóveis.
Alega o apelante, em suma, que os bens pertencem à empresa falida ou a seus sócios, e que foram indicados pela própria empresa falida. Afirma, ainda, que o Ministério Público atestou a higidez documental dos imóveis nos autos da falência, e que os credores das demais penhoras constantes da matrícula não se opuseram nos autos da falência (fls. 66/71).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 81/84).
É o relatório.
De início, relembre-se que, conforme tranquilo entendimento deste Conselho Superior da Magistratura, os títulos judiciais também se submetem à qualificação registral, sem que isso represente incursão no mérito da decisão judicial:
"Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Ap. Cível nº 31881-0/1).
Assim, fica afastada a alegação do apelante de que o Oficial do Registro de Imóveis não pode deixar de aceitar título de origem judicial.
O fato de o Ministério Público ter, nos autos da falência, eventualmente se manifestado favoravelmente à higidez documental dos imóveis adjudicados, a despeito da consideração que merece, não tem o condão de vincular o órgão do Ministério Público que atuou no processo da dúvida – contrariamente à tese da apelante, frise-se – nem o MM. Juiz Corregedor Permanente.
No mais, a dúvida é procedente, na linha do que aduziram o MM. Juiz Corregedor Permanente e a Douta Procuradoria Geral da Justiça.
Busca-se o registro da carta de adjudicação extraída dos autos da falência nº 568.01.1983.000003-6, da E. 1a Vara de São João da Boa Vista, nos imóveis das matrículas nºs 19.761 e 19.762, do Registro de Imóveis de referida Comarca.
Sucede que, de acordo com as certidões das matrículas acostadas às fls. 04 e 05/06, os imóveis estão registrados em nome de José Ion Staffa Pirajá e sua mulher Izabel Ferezin Pirajá, e Ricardo Staffa Pirajá, e não em nome da empresa falida M.H.S. - Construtora e Incorporadora Ltda.
A despeito do argumento do apelante de que foi a própria empresa falida que indicou referidos imóveis, sabe-se que a personalidade jurídica e os bens da pessoa jurídica não se confundem com os de seus sócios.
Também não se pode olvidar que a transferência da propriedade dos bens imóveis entre vivos ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (CC 1245), de modo que se no Registro de Imóveis a empresa falida não consta como titular de domínio é porque juridicamente não ostenta essa qualidade.
Assim, exceto no caso da desconsideração da personalidade jurídica - de que não se tem qualquer notícia nos autos – os bens dos sócios não podem responder pelas dívidas da empresa.
Inviável, por conseguinte, o registro pretendido por violar o princípio da continuidade, assim explicado por Afrânio de Carvalho:
"em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente" (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Narciso Orlandi Neto, in Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56, na mesma linha, observa que:
"No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet".
No ordenamento específico, o princípio da continuidade consta dos arts. 195 e 237, da Lei nº 6.015/73:
"Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro."; e
"Art. 237 - Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro."
Não se pode olvidar, outrossim, a existência de outro óbice, qual seja, a indisponibilidade que recai sobre os imóveis em virtude das penhoras inscritas em favor do INSS na forma do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91:
“Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.
§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.”
Note-se que a indisponibilidade decorre da Lei e não se desconstitui pela inércia de seu credor nos autos em que houve a arrecadação, mas somente mediante decisão do MM Juízo que determinou a penhora (Processo CG nº 114.169/2010).
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
José Renato Nalini
Corregedor Geral da Justiça e Relator
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