Despachos/Pareceres/Decisões
11712010/2011
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Acórdão - DJ 0000011-71.2010.8.26.0101 - Apelação Cível
: 14/09/2011
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000011-71.2010.8.26.0101, da Comarca de CAÇAPAVA, em que é apelante RENATO GOTUZO GERMANO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GERALDO BARRETO FONSECA, Decano em exercício, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 07 de julho de 2011.
(a) MAURÍCIO VIDIGAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 0000011-71.2010.8.26.0101
Apelante: Renato Gotuzo Germano
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Caçapava.
Voto nº 15.294
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Escritura de venda e compra – ITBI – Recolhimento posterior ao ato notarial – Incidência de multa e juros moratórios, prevista na legislação municipal – Legalidade estrita – Impossibilidade de dirimir a questão no âmbito administrativo-correcional – Hipoteca – Perempção (Código Civil, art. 1.485; Lei nº 6.015/73, art. 238) – Extinção do direito real acessório – Recurso não provido.
Da decisão exarada pelo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica e Tabelião de Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Caçapava, julgando procedente dúvida inversa (fl. 30), interpôs apelação RENATO GOTUZO GERMANO, alegando, em suma, que o fato imponível é o registro imobiliário e, portanto, regular o recolhimento do ITBI (fls. 33-40).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 46-47).
Esse o relatório.
O título apresentado consiste em escritura pública de venda e compra lavrada em 24 de julho de 2006, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 3075 no Registro de Imóveis de Caçapava.
A procedência da dúvida se baseou estritamente na aferição do ITBI, cujo recolhimento foi efetivado em 28 de dezembro de 2007 e não ao tempo do negócio jurídico.
Daí a exigência de prova do pagamento de multa e juros moratórios, como previsto na regra local.
É dever do oficial de registro a fiscalização do recolhimento do tributo devido (Lei nº 6.015/73, art. 289; Lei nº 8.935/94, art. 30, inciso XI). Não obstante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o fato imponível é o registro imobiliário (REsp 771.781-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 12.6.07), a questão não pode ser dirimida no âmbito administrativo-correcional.
Ao oficial de registro não é lícito afastar a incidência da legislação municipal com exegese sobre a constitucionalidade ou prevalência hierárquica da norma federal (Código Civil, art. 1.245, caput).
É o entendimento já manifestado por este Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 863-6/0, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 7.10.08; Apelação Cível nº 365-6/7, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 6.12.05).
Cumpre esclarecer que ao reexaminar a qualificação do título o Poder Judiciário exerce função atípica, de natureza administrativa (Lei nº 6.015/73, art. 204), de modo que a decisão tem força normativa, como precedente, para disciplina e orientação técnica da atividade registrária e notarial.
Daí a importância da legalidade estrita, sempre exaltada em precedentes do Conselho Superior da Magistratura:
“Por fim, sabe-se que é preciso estar atento à dialética entre norma e vida, para que aquela não sufoque esta nem esta dissolva-se num caos; sabe-se, ainda, que todo juízo de prudência parte de uma virtude intelectual prática que considere o agir humano concreto, em sua máxima particularidade e, daí, com atenção à realidade pessoal e social em que se busca atingir o justo. Todavia, juízo que se aparta da lei falha, especialmente em sede de qualificação registrária cujo norte maior é a segurança jurídica formal pela publicidade das situações jurídicas certas, que exige denso respeito aos ditames legais e aos princípios de registro imobiliário.” (Apelação Cível nº 498-6/3, j. 23.3.06, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas).
Em outro aresto, o então Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, Des. Ricardo Henry Marques Dip, anotou que, “não possuindo a mais elevada função de jurisdicionalidade, a qualificação registral não pode ultrapassar a esfera da legalidade estrita, porque a repartição do justo, no que concerne à atividade do registrador, está predeterminada e incluída no resguardo da segurança jurídica” (Apelação Cível nº 6.962-0/3, j. 4.8.87, Rel. Des. Sylvio do Amaral).
No mais, observa-se que a recusa foi mais ampla, pois da nota devolutiva constou a necessidade de prévio cancelamento da hipoteca contratada em 30 de junho de 1979 em favor de Haspa – Habitação São Paulo Imobiliária S.A. (R.3 e AV.5, fl. 10).
Embora o Corregedor Permanente tenha afastado o óbice, não há olvidar que a apelação, no procedimento de dúvida registrária, devolve a qualificação do título por inteiro, não se aplicando a parêmia tantum devolutum quantum appellatum (Apelação Cível nº 11.584-0/0, Rel. Des. Onei Raphael, j. 31.10.90).
Por isso, convém conhecer da questão.
Com o decurso de trinta anos sem reconstituição, ocorre a perempção da hipoteca (Código Civil, art. 1.485; Lei nº 6.015/73, art. 238).
“O prazo de trinta anos é de natureza decadencial, de modo que não se aplicam as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas aplicáveis à prescrição. Escoado o prazo, a hipoteca se extingue de pleno direito, ainda antes do cancelamento junto ao registro imobiliário, cujo efeito é meramente regularizatório, a ser pedido pelo interessado ao oficial. Não se confundem perempção da hipoteca com prescrição da pretensão da obrigação garantida. Disso decorre a possibilidade da perempção da garantia ocorrer antes da prescrição da obrigação garantida, que se converterá em quirografária.” (Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, coordenador Cezar Peluso, São Paulo: Manole, 2009, pág. 1544).
Verificado o lapso temporal, ipso facto é viável a averbação da perempção pelo próprio oficial de registro, conforme antigo aresto do Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 256.993, Rel. Des. Acácio Rebouças, j. 13.1.77) e decisões posteriores da Corregedoria Geral da Justiça (Processos CG 346/2002, 904/2003, 7/2004).
Como consequência da perempção - sendo insubsistente o direito real sobre coisa alheia -, a indisponibilidade patrimonial contra a credora (AV. 8, fl. 11) também não impede a transmissão.
Remanesce, de qualquer forma, a procedência da dúvida no tocante ao ITBI, razão pela qual se nega provimento ao recurso.
(a) MAURÍCIO VIDIGAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
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