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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 4150582/2011


Acórdão - DJ 990.10.415.058-2 - Apelação Cível
: 13/09/2011

 
A C Ó R D Ã O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990.10.415.058-2, da Comarca de SÃO BERNARDO DO CAMPO, em que é apelante o MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
 
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
 
Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GERALDO BARRETO FONSECA, Decano em exercício, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.
 
São Paulo, 07 de julho de 2011.
 
 
(a) MAURÍCIO VIDIGAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
Apelação Cível nº 990.10.415.058-2
Apelante: Município de São Bernardo do Campo
Apelado: 1º. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bernardo do Campo
Voto nº 15.209
 
 
 
 
 
 
Registro de Imóveis - Dúvida - Recusa do Oficial em registrar carta de adjudicação expedida em processo expropriatório – Processo extinto por acordo entre as partes – Desapropriação que, mesmo amigável, constitui modo originário de aquisição de propriedade – Circunstância que torna despicienda a observância do princípio da continuidade - Inteligência do art. 35 da Lei das Desapropriações - Recurso provido.
 
 
 
Trata-se de dúvida de registro de imóveis suscitada pelo 1º. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Bernardo do Campo, a requerimento do Município de São Bernardo do Campo. O apelante apresentou, para registro, carta de adjudicação extraída dos autos do processo de expropriação por ele ajuizado contra Olívia Augusta Araújo Macedo Costa, tendo por objeto os imóveis descritos nas matrículas 11.361, 97.499 e 97.500.
 
O Oficial recusou-se a efetuar o registro, alegando que os terrenos não figuram em nome da ré da ação de desapropriação, mas da Massa Falida da Enco Zolcsak Equipamentos Industriais Ltda. O registro da arrematação dos três imóveis, obtido pela expropriada, foi cancelado por decisão da Corregedoria Permanente, mantida pela Corregedoria Geral da Justiça. Como o processo expropriatório foi concluído por acordo, a aquisição de propriedade foi derivada e não originária, o que torna inafastável a observância do princípio da continuidade. O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações do registrador, e julgou procedente a dúvida.
 
Inconformado com a respeitável decisão, interpôs o interessado, tempestivamente, o presente recurso. Sustenta que a desapropriação foi feita por interesse público, e que há urgência na utilização da área para fins habitacionais. Aduz, ainda, que conquanto tenha havido acordo, o processo seguiu os trâmites regulares, com a realização de perícia e o cumprimento do art. 34, da Lei de Desapropriações. A transação não desnaturou o caráter originário da aquisição de domínio, pois versou exclusivamente sobre a forma de pagamento. E, em razão disso, não era necessário observar-se o princípio da continuidade.
 
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento ao recurso (fls. 223/226).
 
É o relatório.
 
A doutrina é tranqüila em apontar o título decorrente de desapropriação como originário, não dependente de registro anterior. Pontes de Miranda em “Comentários à Constituição de 1967”, vol. V, p.435/436, 2ª ed., Revista dos Tribunais, já ensinava: “O demandado não é A, dono do bem, mas quem é no momento, o dono do bem – isto é, aquele que vai perder a propriedade. Por isso mesmo, a perda acontece ainda que tenha corrido o pleito contra quem não era o dono: a desapropriação apanha o bem; e desliga-o de qualquer apropriação desde esse momento, o que põe em evidência o caráter absoluto da eficácia desapropriativa. Por isso mesmo, quando a lei diz que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação”, não fere os princípios: a priori, tal reivindicação estaria excluída; e está excluída a reivindicação quando o Estado não adquira. A aquisição posterior é originária; nada tem com o proprietário anterior, que perdeu a propriedade. A aquisição é “erga omnes”, incólume a qualquer pretensão do que teria sido injustamente demandado. A citação far-se-á na pessoa do proprietário, no sentido mais largo, não porque se trate da pessoa de que se vai haver o bem , e sim porque é a pessoa que consta ser dona do bem.”.................... “Se há aquisição da propriedade, após o acordo, ou após a sentença, tal aquisição é originária, desde a transcrição, se se trata de bem imóvel”.
 
O conceito de aquisição originária é quase tranquilamente aceito na doutrina. José Carlos de Moraes Salles, em “A Desapropriação à Luz da doutrina e da Jurisprudência”, p.442/443, 3ª ed., Revista dos Tribunais, refere-se a lições nesse sentido de Otto Mayer, Ebert Chamoun, Serpa Lopes, Viveiros de Castro e Cirne Lima. O mesmo entendimento é sustentado por Diógenes Gasparini em “Direito Administrativo”, p. 822, 13ª ed., Saraiva, trazendo à colação ensinamento de Celso Antonio Bandeira de Mello. A apelante menciona as palavras de Narciso Orlandi Neto e Afrânio de Carvalho.
 
No Superior Tribunal de Justiça, adota-se também o conceito de que a desapropriação é meio originário de aquisição da propriedade (Resp 468.150/RS e 493.800/RS).
 
Esse entendimento sempre vem sendo adotado neste Conselho (apelações 3.604-0, Amparo, 9937/0-1, Capão bonito e 11.210-0/4, Suzano) Mesmo na hipótese de desapropriações amigáveis, essa era a orientação, como se verifica no acórdão proferido na apelação 9.461-09, Sorocaba, rel. Des. Milton Evaristo. Transcreve-se, em seguida, trecho do parecer que ele aprovou, de lavra do atual Des. Aroldo Viotti:
 
“II.a – É conhecida a orientação da jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, segundo a qual a desapropriação, por ser forma originária de aquisição, “independe da relação de continuidade do registro” (Apelações Cíveis de n.ºs 8.293-0, de Guarulhos, j. 25.04.88; 7.849-0, de Guarulhos, j. 29.2.88; 7.871-0, de Guarulhos, j. 25.04.88; 7.860-0, Guarulhos, 30.11.87; 7.851-0, Guarulhos, 30.11.87; 3.604-0, Amparo, 3.12.84; 3.397-0, Piracicaba, 14.05.84; 264.073, Santo André, 31.10.77, dentre outros V. arestos).”
 
“II.b – A questão que ora se põe – essencial ao deslinde da presente controvérsia – reside em saber se a desapropriação efetivada “mediante acordo” (artigo 10, primeira parte, do Decreto-lei n.º 3.365, de 1941), a denominada desapropriação amigável, é susceptível de tratamento registrário diverso do que se tem admitido outorgar aquela “intentada judicialmente”. Não se vê em que lastrear conclusão positiva.
Lembra, a propósito, JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES (“A Desapropriação à luz da Doutrina e da Jurisprudência”, R.T., 1980, pág. 194): “Acordo é a composição amigável entre o expropriado e o expropriante sobre o valor a ser pago por este àquele, em virtude da transferência forçada do bem pretendido pela Administração. Veja-se que não nos referimos à composição amigável sobre a desapropriação, mas a respeito da composição sobre o valor ou preço a ser pago ao expropriando. Com efeito, declarada a utilidade pública de um bem, não haverá acordo sobre a desapropriação, porque esta é direito atribuído pela Constituição ao Poder Público, desde que satisfeitos os pressupostos constitucionais (utilidade ou necessidade pública, ou, ainda, interesse social). O acordo não versa, portanto, sobre o direito de desapropriar, porque este, verificados aqueles pressupostos ou requisitos constitucionais, é incontestável pelo particular. O acordo versará, pois, sobre o valor do bem desapropriando. Em torno desse preço é que se compõe as partes. Não se dispõe, no acordo, sobre a desapropriação propriamente dita”.
 
“A manifestação de vontade contida na escritura de expropriação não é, assim, a causa da transferência da propriedade, assim como não é a respectiva inscrição o modo necessário à constituição de direito real imobiliário. O acordo sobre o preço indenizatório traduz, tão só, uma das formas, uma das vias instrumentais previstas em lei para que se concretize a transferência coativa do bem para o patrimônio do ente publico. Não deixa de ser a desapropriação modo originário – e não translativo ou derivado – de aquisição do domínio, pelo fato de se concretizar mediante acordo sobre a indenização.”
 
“Nem há de impressionar que, na expropriação por acordo, não se confira ao titular do bem desapropriado garantia semelhante àquela de que cuida o art. 34 do Dec. lei n.º 3.365/41, no tocante ao processo judicial. Nas palavras do Des. Bruno Affonso de André, em admirável voto proferido no julgamento da Apel. Cível n.º 2.438-0 pelo E. Conselho (em 5.12.83), “... caso houvesse o Poder Público desapropriado e indenizado, equivocadamente, a quem não era o proprietário da coisa, nem por isso se invalidaria a desapropriação; mesmo nessa hipótese, a “res” teria se integrado ao patrimônio, à vista da automática extinção dos direitos e ônus reais que passavam sobre o bem, exsurgindo, em remédio, a sub-rogação no valor da indenização, segundo a regra do art. 31 da lei expropriatória, ou, na sua impossibilidade, a responsabilidade do Estado perante o antigo titular do domínio. Por certo que tal solução não comportaria agasalho, ao diagnóstico de aquisição derivada, ou, nessa ordem de idéias, de ato negocial na desapropriação amigável, porquanto “nemo transfere potest plus quam habet’ ” (in “Revista de Direito Imobiliário do I.R.I.B.”, n.º 14 pág. 111).”
 
“II.c – Assentada portanto a premissa de que o registro da desapropriação amigável, a exemplo do da judicial, prescinde da observância do princípio da continuidade, tem-se que nenhuma das exigências feitas pelo Sr. Oficial merece prosperar.”
 
“Assim, se não há transmissão do direito real, não há falar em averbação do casamento do expropriado, formalidade que só teria sentido se necessário preservar o encadeamento subjetivo de alienações.”
 
“Por outro lado, se nem mesmo a existência de registro anterior, em nome do expropriado ou de outrem, era de se exigir, tampouco se pode reclamar averbação das edificações mencionadas no título, ou prévia inscrição do parcelamento em que se integram os lotes expropriados, porque tais requisitos vinculam-se indiretamente à observância da continuidade, por um de seus desdobramentos, a saber, o controle da disponibilidade qualitativa.”
 
“A se considerar que a desapropriação, sob o enfoque do direito registrário e do direito civil, é antes causa de perda do que de aquisição da propriedade, e que seu registro, no dizer de SERPA LOPES, tem, dentre outras, a finalidade de servir de “elemento indicativo do término da propriedade individual” bem assim de “dar ciência do término de todos os direitos reais limitativos da propriedade incompatíveis com a desapropriação” (“Tratado dos Registros Públicos”, Vol. IV, Freitas Bastos, 3ª ed., 1957, pág. 174), a tarefa do Oficial, uma vez superada a qualificação concernente aos outros princípios registrários, que não o de continuidade, importa no caminho traçado por AFRÂNIO DE CARVALHO (“Registro de Imóveis”, Forense, 1982, pág. 115): “Se o registro existir, a desapropriação será inscrita na folha do imóvel desapropriado para assinalar a perda da propriedade do titular ali nomeado”.
 
“II.d – A descrição que na escritura se faz dos imóveis desapropriados é bastante a atender à especialidade (art. 176, § 1º, II, n.º 03, da L.R.P.).”
 
“E se tem por suposto que o Oficial, no exame de legalidade que lhe incumbe, teria verificado a anterioridade do decreto de declaração de utilidade pública – cuja data não é mencionada no instrumento (fls. 19) – em relação à data em que lavrada a escritura em causa (artigo 10º do Dec. lei n.º 3.365/41).”
 
Em tempos recentes, essa orientação modificou-se. Não se justificam, contudo, os argumentos que compõem o novo entendimento. Ensina, a propósito, Diógenes Gasparini, idem ibidem, que “mesmo na desapropriação amigável tem-se igual entendimento, dado que o expropriante e o expropriado ajustam seus interesses apenas em relação à indenização, às condições de pagamento e à transferência de posse. Vê-se que não há acerto quanto à transferência de domínio; esta é imposta unilateralmente pelo expropriante (RDA, 123:288 e RT,760:434). Daí a natureza originária da desapropriação.”
 
Se é originária a aquisição, não há motivo para preocupação com o registro anterior e com quem consta ser o proprietário. Não impressiona a suposição de que, neste caso, houve fraude praticada pela expropriada uma vez que arrematou duas glebas no processo de falência, tendo obtido irregularmente a carta de adjudicação e seu registro como se fossem três as glebas arrematadas e, em consequência, descoberta a falha, o registro foi cancelado, revertendo a propriedade para a firma falida. Resulta a desconsideração desses fatos de estarem os prejuízos causados ao município sendo exigidos em ação civil pública e de caber à falida, pelos meios próprios, obter a indenização pela perda de propriedade decorrente da desapropriação. Ao município apelante é impossível desapropriar novamente o que já ingressou em seu patrimônio.
 
Assinale-se que é da lei (artigo 10º do Decreto-lei nº3.365/41) que a desapropriação deve efetivar-se mediante acordo ou judicialmente e em face disso o ajuste sobre o preço somente tem caráter de negócio jurídico nesse ponto, pois a desapropriação resulta do conjunto de atos do poder público, e não da transação. Também nessa hipótese aplica-se a regra do art. 35 do mesmo diploma, impeditiva da reivindicação do bem incorporado ao órgão público. O erro da orientação restritiva é a suposição de que o domínio se adquire pelo ajuste entre o expropriante e o expropriado, quando é o procedimento do Poder Público que o provoca. Não é o Judiciário que transfere a propriedade; ela é perdida e adquirida (não transferida) pelo procedimento do poder expropriatório.
 
Preocupação com fraude não justifica o entendimento restritivo, porque o administrador fraudador deverá responder civil e penalmente pelos seus atos e porque, com a impossibilidade de o bem voltar ao domínio particular, o poder público, não podendo repetir o ato expropriatório, não terá como obter o registro do bem se impedido de fazê-lo como aquisição originária.
 
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida, fazendo-se o registro do título apresentado.
 
            
(a) MAURÍCIO VIDIGAL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
 


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