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Diretoria da Corregedoria Geral da Justiça

Despachos/Pareceres/Decisões 10270315/2010


Acórdão - DJ 990.10.270.315-0 - Apelação Cível
: 20/01/2011

A C Ó R D Ã O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990.10.270.315-0, da Comarca de SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
 
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por maioria de votos, em dar provimento ao recurso de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado; vencidos os Desembargadores Ciro Campos e Maia da Cunha, que fará declaração de voto.
 
Participaram do julgamento os Desembargadores VIANA SANTOS, Presidente do Tribunal de Justiça, MARCO CÉSAR, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, REIS KUNTZ, Decano, CIRO CAMPOS, LUIS GANZERLA e MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.
 
São Paulo, 23   de novembro de    2010.
 
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
V O T O
 
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação expedida em ação de arrolamento – Acesso negado pelo Oficial – Totalidade do imóvel adjudicada ao companheiro da falecida – Inexistência de prova de que a irmã da ‘de cujus’ tenha renunciado à sua parte na herança – Dúvida julgada improcedente pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Restabelecimento da recusa de registro necessária – Aplicação do que dispõe o art. 1.790, III, c.c. art. 1.829, IV, do Código Civil – Necessária observância do princípio da legalidade estrita – Ofensa ao princípio da continuidade – Recurso provido.
 
 
Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra sentença que julgou improcedente dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto, determinando o registro de carta de adjudicação que, em autos de arrolamento, foi expedida em favor daquele que vivia em união estável com a autora da herança.
 
O apelante sustentou, em suma, que também os títulos judiciais estão sujeitos à qualificação pelo Oficial Registrador. Aduziu que os nomes dos pais da falecida, indicados em sua certidão de óbito, não coincidem exatamente com os nomes constantes das certidões de óbito de fs.70/71, o que torna insegura a prática do registro pretendido. Acrescentou não se poder deduzir dos autos que as diferenças existentes nos nomes das pessoas apontadas como genitores da ‘de cujus’ decorram de mero erro de grafia. Afirmou, ainda, que não se comprovou, nos autos, que os irmãos da falecida tenham renunciado à sua parte na herança.
 
O interessado ofereceu contra-razões a fs.98/101.
 
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
 
É o relatório.
 
Primeiramente, ressalte-se que cabe ao Oficial Registrador proceder à qualificação do título, ainda que se trate de título emanado de autoridade judicial.
 
Neste sentido, veja-se o que restou decidido na ap. civ. n° 22.417-0/4, da Comarca de Piracaia, relatada pelo eminente Des. Antonio Carlos Alves Braga, então Corregedor Geral da Justiça, cuja ementa é a seguinte:
 
Registro de Imóveis - Dúvida - Divisão - Submissão da Carta de Sentença aos princípios registrários - Qualificação dos títulos judiciais - Prática dos atos registrários de acordo com as regras vigentes ao tempo do registro - Recurso negado.
 
A necessidade de prévia qualificação de qualquer título pelo Oficial Registrador, ainda que se trate de título judicial, se encontra, aliás, expressamente prevista nas Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, como se constata do item 106 do Capítulo XX, Tomo II, a saber:
 
‘Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.’
 
Assim, o fato de tratar-se de carta de adjudicação expedida em autos de ação de arrolamento não impede a qualificação do título pelo Oficial Registrador, que, ao fazê-lo, não incide em descumprimento de ordem judicial.
 
Sem embargo do respeito à manifestação divergente da I. Procuradoria Geral de Justiça, a presente apelação merece provimento.
 
O apelante requereu a reforma da r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente, que determinou o registro da carta de adjudicação em tela, afirmando, em síntese, que referido título não pode ter ingresso no fólio real porque não há comprovação suficiente de que a autora da herança não tenha deixado ascendentes, bem como porque não há, nos autos, prova de que os irmãos da ‘de cujus’ tenham renunciado à sua parte na herança.
 
O primeiro dos óbices levantados pelo recorrente deve ser afastado.
 
É verdade que, da certidão de óbito de fs.25, consta que a falecida Laíde Falavini Germano era filha de Fernando Falavini e Antonieta Cristiano, e nas certidões de óbito de fs.70 e 71, apresentadas como sendo dos pais da autora da herança, se constata que os nomes dos falecidos eram Fernando Falavina e Antonieta Christiano Falavina.
 
Referidas diferenças de grafia são, porém, de pequena monta, não gerando a incerteza filiatória sustentada pelo apelante, máxime considerando que, tanto na certidão de óbito de Fernando, quanto na certidão de óbito de Antonieta, há expressa referência ao fato de que os falecidos deixaram filhos, entre os quais a ‘de cujus’ Laíde (ou Helaíde), e seus irmãos Wanda (ou Vanda), Dirce e Clóvis.
 
O segundo obstáculo levantado pelo apelante, na esteira do que havia sido dito pelo Oficial, não pode, contudo, ser superado.
 
Com efeito, de acordo com o artigo 1.790 do Código Civil, “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
 
I) se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
 
II) se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
 
III) se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança;
 
IV) não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
 
Ora, se é incontroverso nos autos que a ‘de cujus’ possuía uma irmã, de nome Wanda, que, na escritura pública, lavrada em 23/11/2007 (fs.38), declarou que Laíde viveu em união estável com o companheiro Francisco desde 1988, até a data do seu falecimento, ocorrido em 05/07/2007, daí resulta claro que essa irmã, sua colateral em 2º grau, era parente sucessível, nos termos do art. 1.829, IV, do Código Civil, e estava viva na data da abertura da sucessão de Laíde, o que implica dizer, por conseguinte, que ela deveria ter concorrido com o companheiro da ‘de cujus’ na partilha da herança de sua irmã ou ter a ela renunciado.
 
Na carta de adjudicação em comento, como corretamente ressaltado pelo Oficial, a herdeira Wanda não foi contemplada na partilha e, tampouco, há qualquer prova de que ela tenha manifestado sua renúncia à herança, o que impede, pois, o registro do título, na medida em que, em matéria registrária, vige o princípio da legalidade estrita, não se podendo admitir o ingresso de títulos no fólio real que contrariem expressa disposição legal.
 
Ressalte-se, mais uma vez, que a recusa de registro da carta de adjudicação em exame não implica, ‘in casu’, descumprimento de decisão de cunho jurisdicional ou desrespeito à coisa julgada, por parte do Oficial Registrador, visto não haver, no título, nenhuma decisão no sentido de que a irmã da ‘de cujus’ não teria direito à sua parcela da herança, ou que a ela tenha renunciado, o que implica dizer que esta controvérsia, na verdade, não chegou a ser enfrentada nos autos.
 
Percebe-se, pois, que o pedido de adjudicação da totalidade do imóvel, em favor do companheiro da autora da herança, se fundou no que dispunha o art.2º, III, da Lei n° 8.791/94 (fs.17), o qual, porém, foi revogado pelo Código Civil vigente que, como visto, disciplinou a matéria de forma diversa em seu artigo 1.790.
 
Por fim, há que ressaltar-se que o registro do título, da forma em que se encontra, implicaria flagrante desrespeito ao princípio da continuidade registrária, pois o imóvel em exame seria transferido, em sua totalidade, diretamente da falecida Laíde para seu companheiro Francisco, sem que a parte da herança que cabia à sua herdeira sucessível, isto é, à sua irmã Wanda, tenha sido partilhada, o que é incabível.
 
De acordo com as lições de Afrânio de Carvalho, in Registro de Imóveis, 4ª ed., Forense, pág. 252, “o princípio de continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”.
 
Iguais ensinamentos são dados pelo eminente jurista Narciso Orlandi Neto, na obra Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, 55/56 (1997): ‘No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet. “Sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir o imóvel nem, tampouco, onerá-lo” (Tabosa de Almeida, Das Inexatidões Registrais e sua Retificação, Revista de Direito Imobiliário, n.11, p.53)’.
 
Destarte, na medida em que somente aquele que conste do registro, como titular do imóvel é que pode dele dispor e somente aquele que esteja adequadamente qualificado como adquirente no título pode recebê-lo, por transferência de domínio, mostra-se, pois, acertado o óbice levantado pelo Oficial ao ingresso da carta de adjudicação em exame, dado que o adjudicante do imóvel, como visto, não era o único sucessor da autora da herança.
 
Diante do exposto, dá-se provimento ao presente recurso, para manter a recusa de registro do título.
 
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
V O T O
 
I – Relatório
 
Trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público contra a r. sentença, que julgou improcedente dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto, e determinou o ingresso no fólio real de carta de adjudicação, expedida em favor de Francisco Soares de Lima, ora apelado e convivente com a autora da herança.
 
O apelante alega, em apertada síntese, que, não obstante tratar-se de titulo judicial, está submetido à qualificação. Acrescenta que há divergência entre os nomes dos pais da falecida, constantes nas certidões de óbito de fls. 69, 70 e 71, situação não gerada por mero erro de grafia. Por fim, aduz que não há prova de que os irmãos da de cujus tenham renunciado à herança.
 
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 108/109).
 
II – Fundamentação
 
O recurso comporta provimento.
 
A qualificação de títulos levados a registro independe de sua natureza, de modo que, a despeito de se tratar de titulo judicial ou extrajudicial, é dever o oficial registrador promovê-la, providência que está em conformidade com o item 106 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, além de estar assente na jurisprudência desta Colenda Câmara. 
 
Já a reconhecida divergência de filiação constante nas certidões de óbito constituem mero erro de grafia, não aptos, todavia, a impedir o ingresso no fólio real, superável porque nas certidões de Fernando e Antonieta há referência a coincidência no nome dos filhos.
 
De outra parte, a teor do disposto no artigo 1.790 do Código Civil, que regulamenta o direito sucessório na união estável, nota-se que, conforme escritura pública, lavrada em 23/11/2007, fez-se constar como testemunha, a Srª. Wanda, colateral em segundo grau de Laíde, portanto, dela sucessora, contudo, não contemplada na partilha, sendo certo que não há nos autos renúncia à herança, situação impeditiva de ingresso do titulo no fólio real.
 
III – Dispositivo
 
Ante o exposto, acompanho a solução oferecida pelo Eminente Relator, ou seja, pelo provimento do recurso.
 
(a) MARCO CÉSAR, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
 
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
 
Registro de Imóveis. Exame do título pelo Oficial que deve limitar-se à matéria afeta à sua competência. A exigência que se faz baseada em interpretação da lei no que tange à correção da sentença de adjudicação proferida em arrolamento é abusiva por pretender o Oficial substituir-se ao Magistrado. Manutenção da decisão de primeiro grau, que decidiu pela procedência da dúvida e determinou a lavratura do registro da carta de adjudicação.
 
 
Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, objetivando a reforma da decisão prolatada pelo Juiz Corregedor de São José do Rio Preto, que, em dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis daquela Comarca, determinou o registro da carta de adjudicação expedida em arrolamento, em benefício de companheiro da autora da herança.
 
A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls 108/109).
 
O voto do Excelentíssimo relator Desembargador Corregedor é no sentido do provimento do recurso, para impedir o registro.
 
Pedi vista para melhor exame dos autos e ousei, com a máxima vênia, divergir do nobre relator, pelos argumentos que passo a expor.
 
O cerne da dúvida consiste na alegada afronta ao princípio da legalidade que o deferimento do registro da carta de adjudicação implicaria. Nas razões do Oficial, há óbice para o registro em razão da inexistência de comprovação da renúncia da herança pelos irmãos da autora da herança; da falta de comprovação da inexistência de ascendentes da companheira do arrolante; e do fato de que a irmã da falecida, Wanda, não fora chamada a integrar o processo. Em razão desses fatos, sustenta o Oficial a ineficácia do negócio jurídico, porque preterida formalidade essencial à validade do ato, qual seja a observância da ordem da vocação hereditária, batendo-se pela nulidade da adjudicação e anulabilidade da partilha. Entende que o título padece de nulidade de pleno direito, de modo a impedir o registro, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da segurança jurídica.  
 
Nas razões da apelação, acrescentou o representante do Ministério Público a existência de divergência na grafia dos nomes dos genitores da autora da herança em sua certidão de óbito e na certidão de óbito dos próprios pais.
 
Ocorre que, salvo melhor juízo deste Egrégio Conselho, as razões trazidas na dúvida e na apelação não convencem, pelos argumentos que se passa a expor.
 
É verdade que a origem judicial do título não afasta a necessidade de prévia qualificação, de acordo com o entendimento já pacificado neste Egrégio Conselho Superior da Magistratura: “também os títulos judiciais submetem-se à qualificação do oficial registrador, principalmente para a verificação de sua conformidade com os postulados e princípios registrários” (Apelação Cível nº 39.487-0/1, Catanduva, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31/07/97).
 
Contudo, a análise que compete ao Oficial, quer parecer, não pode se estender sobre a questão de mérito decidida na ação, sob pena de invasão da esfera de competência exclusiva do Poder Judiciário.
 
Nesse sentido, é clara a lição de VALMIR PONTES, ao ressaltar que “o oficial não poderá ir ou não deverá ir além de certos limites, impostos pela natureza da sua função pública e pela necessidade dos interesses comuns e das chamadas normas de ordem pública”, pois “não lhe cabem funções de julgamento que só ao Poder Judiciário são conferidos pela ordem jurídica” (REGISTRO DE IMÓVEIS, Saraiva, 1982, p. 98/99). 
 
Por isso, afirmar-se que se trata de controle eminentemente formal, como apontado por WALTER CENEVIVA. O respeitado autor, ao comentar o art. 198, da Lei dos Registros Públicos e aprofundar sobre o significado da “exigência”, de que trata o caput, pontua que a exigência do Oficial deve ser legítima, ou apoiada em determinação de lei, e formal, “porquanto resulta do exame de característicos extrínsecos ao título, e ao oficial é indiferente a substância do negócio jurídico convencionado pelas partes” (Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 20ª ed., 2010, p. 509).  
 
Sobre o princípio da legalidade, outrossim, precisa a definição de NARCISO ORLANDI, reconhecendo a existência de limites à interpretação do princípio da legalidade no âmbito dos registros: “A legalidade exige-se também em relação a títulos judiciais que não escapam à qualificação. O limite, evidentemente, é a atividade jurisdicional, porque o registrador não pode qualificar negativamente título judicial por pretensa ilegalidade de sentença ou de decisão..” (RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEIS, 2ª ed., Juarez de Oliveira, p.76).
 
Feitas tais digressões pode-se concluir que o princípio da legalidade, no âmbito dos registros, não se presta a autorizar ao Oficial o exame do mérito da decisão judicial, nem tampouco sua validade, tanto mais quando se trata do exercício de um dos Poderes do Estado. Acresce que, se invalidade houvesse, tratar-se-ia de anulabilidade e não de nulidade (CC, art. 2027), somente argüível pelos interessados (CC, art. 177), como mais um indicativo de aparente extrapolação do controle formal do título pelo Oficial no caso concreto.
 
De todo modo, reconhecendo de um lado a submissão do título judicial à qualificação pelo Oficial e, de outro, a existência de limites ao respectivo exame, cumpre distinguir entre o que pode ser examinado pelo Oficial com base no princípio da legalidade e os temas cujo exame lhe é vedado ingressar, sob pena de se imiscuir na função jurisdicional.
 
Para tal distinção, socorre a doutrina especializada, estabelecendo que cumpre ao Oficial examinar o título para verificar a descrição do imóvel; o nome do alienante ou constituinte do direito; a regularidade e a correção da caracterização do imóvel; e eventual necessidade de averbação de construção, demolição, reconstrução, mudança de número; ou de outra circunstância que possa afetar o registro (VALMIR PONTES, Registro de Imóveis, Saraiva, p. 99/100), não lhe sendo permitido, contudo, perquirir sobre o mérito ou a questão substancial decidida judicialmente.
 
Nesse contexto, com a devida vênia, parecem equivocadas as exigências impostas pelo Oficial suscitante, visto que relacionadas a matérias de competência exclusiva e privativa do Poder Judiciário, sobre os contornos do direito à herança do companheiro, perante o ordenamento brasileiro. De fato, exigir a comprovação da inexistência de herdeiros ou da renúncia da herança pela irmã da falecida implica, salvo melhor juízo, invasão da esfera de competência judicial sobre a titularidade do direito à herança, para além da análise própria do âmbito do princípio da legalidade nos registros.
 
Note-se que a matéria relativa à sucessão pelo companheiro é controversa, divergindo a doutrina civilista sobre a constitucionalidade do art. 1790, do Código Civil, que dispensou tratamento menos benéfico ao herdeiro companheiro, em comparação com o cônjuge (art. 1829, do mesmo diploma legal), existindo respeitável corrente a sustentar a impossibilidade de privar o companheiro do direito sucessório, ainda que existam irmãos (Mauro Antonini, Código Civil Comentado, Manole, p. 2099/2105). Ora, aceitar a exigência do Oficial resultaria, quer parecer, na imposição de uma interpretação da lei que não foi prestigiada pelo julgador ao dispensar a exigência, fora do devido processo legal e, ainda pior, por quem não ostenta a função jurisdicional em aparente atentado ao Estado Democrático de Direito.
 
Quanto à inexistência de ascendentes, ainda que se permitisse ao Oficial esse tipo de verificação, o que não se reputa a melhor técnica como supra consignado, óbice não haveria ao registro diante das certidões de óbito de fls 33/34, oportunamente juntadas aos autos antes da homologação da adjudicação e copiadas na respectiva carta. E as pequenas diferenças de grafia, por sua vez, não são suficientes para tornar duvidoso o falecimento dos ascendentes, considerando que o falecimento da autora da herança, Laide, com 84 anos, autoriza presumir o falecimento prévio de seus ascendentes, como apontado pela douta Procuradoria Geral de Justiça (fls 109).
 
Assim, quer porque as exigências formuladas pelo Oficial extrapolaram o âmbito de sua competência; quer porque as divergências de grafia nas certidões de óbito não comprometem a conclusão quanto à inexistência de ascendentes, ainda que coubesse ao Oficial ingressar nesse mérito da adjudicação, de rigor a manutenção da sentença, para determinar o registro da carta de adjudicação expedida em arrolamento de bens. 
 
Por isso, com a máxima vênia ao entendimento do digno Desembargador relator, o meu voto nega provimento ao recurso.
 
Pelo exposto, é que meu voto nega provimento ao recurso, para manter a sentença tal qual lançada.
 
 (a) MAIA DA CUNHA, Presidente da Seção de Direito Privado
 
 
 


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