Despachos/Pareceres/Decisões
10196190/2010
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Acórdão - DJ 990.10.196.190-3 - Apelação Cível
: 26/11/2010
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990.10.196.190-3, da Comarca de IBITINGA, em que é apelante MANOEL SAYON NETO eapelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores MARCO CÉSAR, Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício, REIS KUNTZ, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício, BARRETO FONSECA, Decano em exercício, CIRO CAMPOS, LUIS GANZERLA e MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 28 de setembro de 2010.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Necessidade de apresentação das certidões negativas ou declaração expressa dos alienantes de que não são empregadores e não são devedores da Previdência Social – Impossibilidade de presunção da condição de não contribuinte pelo Oficial – Título que, ademais, não descreve o imóvel, que é rural, limitando-se a indicar a sua metragem e a matrícula – Inviabilidade de registro – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Manoel Sayon Neto contra sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ibitinga, mantendo a recusa de registro de instrumento particular de compromisso de venda e compra do imóvel matriculado sob n° 34.229.
O apelante sustentou, em suma, não ser necessária a descrição detalhada do imóvel na promessa de venda e compra levada a registro, uma vez que esta permite a exata identificação do imóvel mediante simples comparação com a descrição constante da matrícula n° 34.229, inexistindo risco de confusão com qualquer outro imóvel, máxime ‘in casu’, em que o apelante apresentou memorial descritivo da área em exame, subscrito por agrimensor. Aduziu ser desnecessária a afirmação de que os alienantes não estão vinculados à Previdência Social, visto serem pessoas físicas, que não exploram a comercialização de imóveis, conforme se deduz de sua qualificação. Acrescentou que, se necessário, a omissão poderá ser suprimida, quando for lavrada a escritura pública de venda e compra. Alegou que o registro do título em tela mostra-se imprescindível, na medida em que os vendedores não possuem outro imóvel que possa garantir eventual condenação na ação de rescisão contratual c.c. indenização por danos morais que lhes foi ajuizada pelo apelante.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
Inicialmente remetidos os autos à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, foram estes redistribuídos a este E. Conselho Superior da Magistratura, em razão da competência (fls.71).
É o relatório.
O presente recurso não comporta provimento.
Embora o apelante não tenha impugnado expressamente a exigência da apresentação de certidão negativa da Receita Federal, este fato não prejudica ‘in casu’, a apreciação da dúvida, posto que esse óbice foi também impugnado, de maneira implícita, na medida em que referida exigência foi feita pelo Oficial em caráter alternativo, isto é, foi formulada em virtude de não ter constado do título a declaração de que os promitentes vendedores não estão vinculados à Previdência Social, e a impugnação do recorrente foi no sentido de que essa declaração não se mostra necessária.
Correta, porém, a exigência de que, do instrumento particular de compromisso de venda e compra em comento, conste declaração de que os alienantes não estão vinculados à Seguridade Social, como empregadores, pois que tal omissão implica, como se sabe, na necessidade de comprovação, por certidão, da inexistência de débitos para com a Previdência, não se podendo presumir, a partir da mera circunstância de serem pessoas físicas, que não possuam pendências junto ao órgão previdenciário. À falta daquela declaração, mostrar-se-ia então necessária a apresentação das certidões negativas do INSS e da Receita Federal, o que, contudo, tampouco foi atendido pelo interessado.
Neste sentido, o que restou decidido na ap. civ. nº 1.041-6/6, da Comarca de Mogi Guaçu, relatada pelo eminente Desembargador Ruy Pereira Camilo, então Corregedor Geral da Justiça, em que, ao citar julgamento anterior deste E. Conselho Superior da Magistratura, assim deixou consignado:
“Referido entendimento já foi, aliás, adotado por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 39.540-0/4, da Comarca de Avaré, em que foi relator o eminente Desembargador Márcio Martins Bonilha, então Corregedor Geral da Justiça. Eis sua ementa:
Registro de Imóveis – Dúvida registral – Princípio da continuidade – Inexistência de débito previdenciário – Imposto de transmissão de bens imóveis – Registro de cessão de compromisso de compra e venda – Necessidade de apresentação do título dos cedentes para aferição da disponibilidade sobre o bem – Falta do registro do compromisso de compra e venda que implica em quebra de continuidade – Impossibilidade do registro da cessão de direitos – Inexistência de débito previdenciário – Necessidade de apresentação das certidões negativas ou declaração expressa dos interessados de que não são empregadores e não são devedores da Previdência Social – Impossibilidade de presunção da condição de não contribuinte pelo registrador – Falta da prova de inexistência de débito e de declaração expressa do interessado que impedem o registro – Imposto de transmissão de bens imóveis – Recolhimento necessário para possibilitar o registro do título de transmissão – Atribuição inafastável do registrador de verificar o recolhimento.
Naquela oportunidade, assim restou expresso:
‘Nesta matéria não se admite ao oficial que qualifica o título a tomada de suposições. Cabe ao interessado comprovar a inexistência de débitos, por meio de certidões, ou declarar situação fática que o deixaria a salvo daquela tributação, no caso, o fato de não ser empregador’.
E acrescentou-se:
‘Não é pela razão de estarem qualificados como profissionais liberais que seria de se exigir do oficial a conclusão de que não sujeitos ao tributo previdenciário. Necessária era a declaração, de maneira expressa, de modo que o declarante ficasse inteiramente responsável pelo seu conteúdo.’”
Portanto, para que o título seja admitido a registro, nele deverá estar inserida a declaração de que os alienantes não estão vinculados à Seguridade Social, como empregadores, ou, alternativamente, deverão ser apresentadas as certidões a que aludiu o Oficial Registrador.
Note-se que as certidões negativas que devem ser apresentadas não se limitam à CND do INSS, mas, ao contrário, incluem também a CND da Receita Federal, a teor do que dispõe o artigo 257, I, ‘b’, c.c. artigo 195, I, II, e parágrafo único, incisos I, III, IV, V, VI, e VII, do Decreto n° 3.048, de 06/05/1999.
Por outro lado, igualmente correta a exigência relativa à falta de descrição do imóvel no título a inviabilizar o seu registro, uma vez que o instrumento particular de compromisso de venda e compra em tela limita-se a indicar a área do imóvel negociado e o número da correspondente matrícula, sendo certo que, em vista de se tratar de imóvel rural, não se pode prescindir da descrição completa do prédio, indicando suas características, rumos e confrontações, em consonância com os termos da respectiva matrícula.
Daí negar-se provimento ao recurso.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
I – Relatório
Trata-se de recurso interposto por Manoel Sayon Neto contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ibitinga, ao recusar o registro de instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel matriculado sob o nº 34.229.
O recorrente alega, em síntese, que a descrição do imóvel constante do título é suficiente para sua identificação, não havendo risco de confusão com qualquer outro imóvel, sobretudo porque o recorrente apresentou memorial descritivo da área do imóvel elaborada por agrimensor. Sustenta, ainda, a dispensabilidade da declaração de desvinculação dos vendedores da Previdência Social, haja vista serem eles pessoas físicas, como se conclui pela qualificação constante do título, acrescenta, ainda, ser possível a correção desta omissão quando da lavratura da escritura pública de venda e compra. Por fim, afirma a imprescindibilidade do pretendido registro, em vista da ausência de outros bens em nome dos vendedores para garantir eventual condenação em ação de rescisão contratual cumulada com indenização já ajuizada pelo apelante em face dos alienantes.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
II – Fundamentação
Acompanho o nobre relator.
A dúvida é procedente, diante do não atendimento das exigências listadas pelo oficial de registros para o ingresso do título no fólio registral.
Primeiramente, registre-se que embora não haja específica impugnação acerca da ausência de certidão negativa de débitos fiscais, comporta conhecimento o presente recurso, em vista da impugnação genérica relativa à dispensa de declaração de que os alienantes não são vinculados à Previdência Social, por tratar-se de pessoas físicas.
No entanto, tal alegação não socorre o apelante.
A ausência da competente declaração não pode ser suprida pela simples qualificação dos promitentes vendedores como pessoas físicas, vez que tal não gera a presunção juris et de jure, acerca da condição de não empregadores e consequentemente devedores da Previdência Social.
Deste modo, segundo o que dispõe o artigo 257, inciso I, alínea “b”, c.c. o artigo 195, incisos I, II, e parágrafo único, incisos I, III, IV, V, VI e VII, ambos do Decreto nº 3.048/99, mencionada declaração, ou, alternativamente, a apresentação de CNDs do INSS e Receita Federal, são indispensáveis para viabilizar o pretendido registro.
Na Ap. Civ. nº 027671-0/9, pelo vencimento das certidões do INSS e Receita Federal, exigiram-se outras para a regularidade do registro (Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga – Julg. 16.10.1995), aplicável ao caso, em acréscimo ao já mencionado pelo douto Relator.
Por outro lado, ainda que superado supracitado óbice, subsiste, ainda, a precária descrição do bem transacionado a obstar o registro do contrato.
Requisito do compromisso de compra e venda de imóvel é a identificação do imóvel, que será feita com indicação, em se tratando de imóvel rural, “do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e suas características, confrontações e localização de área” (art. 176, § 1º, II, 3, “a”, da Lei nº 6.015/73).
Conforme se verifica do instrumento particular de fls. 14/16, o imóvel objeto do contrato em tela encontra-se assim descrito: “Uma área com 0,9857, objeto da matrícula 34.229, do Registro de Imóveis da comarca de Ibitinga (...)”.
De acordo com Afrânio de Carvalho, “o princípio da especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado” (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei nº 6.015, de 1973, com as alterações da Lei nº 6.216, de 1975, Lei nº 8.009, de 1990, e Lei nº 8.395, de 18.11.1994. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 203).
Para Walter Ceneviva, “a indicação dos característicos e confrontações, em núcleos densamente habitados, não é das que ofereçam maior dificuldade. É diversa a situação nas áreas rurais. Nestas, a descrição exige particular cuidado. É de evitar referência, comum na tradição brasileira, a árvores, touceiras isoladas, cercas, vegetais e acidentes facilmente removíveis. A tendência deve ser no sentido da clara delimitação, a contar de ponto inicial rigorosamente assinalado, de preferência evoluindo no sentido dos ponteiros do relógio, orientando-se segundo o meridiano do lugar, dados os rumos seguidos, levantados por instrumentos de precisão e mediante auxílio técnico competente. Tem-se difundido, em entre nós, o levantamento aerofotogramétrico e o mapeamento de áreas rurais, em cartas de escala satisfatória, confeccionados pela Fundação IBGE” (Lei dos Registros Públicos Comentada. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 411/412).
E observa, ao tratar especificamente da identificação do imóvel rural:
“Com as alterações introduzidas no § 1º, II, 3, em 2001, a identificação desse imóvel passou a ser mais pormenorizada que a exigida no texto original, a contar da distinção entre o situado na área urbana e aquele que fica fora desse limite, sobretudo para ajustar-se ao Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, exigido pelo art. 22 da Lei nº 4.947/66” (Ob. cit., p. 412).
“A identificação do imóvel rural na matrícula requer sejam indicados o código próprio do bem referido e os dados constantes do CCIR, denominação (a mesma desse código), características e confrontações, localização por município e comarca, bem como a área em hectares e seus submúltiplos. O sistema métrico decimal, de uso legal no Brasil, exige a adequação, passando a inaceitáveis as antigas referências a alqueires, partes, braças e assim por diante, ao se tornar definitiva a implantação do novo sistema, por ato do Poder Executivo federal”.
Dessa feita, “a identificação do imóvel rural, quando não satisfaça as exigências do novo sistema, dependerá da apresentação de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado, integrado pela devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART. Deve oferecer as coordenadas dos vértices definidores dos limites do terreno e toda a linha perimetral, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA” (p. 413).
Venício Salles, ao tratar do princípio da especialidade, comenta, mais precisamente da especialidade objetiva, anota que o “o primeiro passo afeta a indicação da via pública que serve o imóvel, pois mesmo os imóveis encravados necessitam ter um acesso para a rua, invariavelmente constituída por servidões. Por evidente que, feita a indicação da via pública frontal ou frontal e lateral, mostra-se necessária a indicação da numeração pública, desde que existente, que é atribuída pela Municipalidade. Na falta desta, as demais indicações ganham relevo, tais como os pontos de “amarração”, que se consubstanciam em referências firmes sobre a localização espacial do imóvel (...)” (Direito registral Imobiliário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 18).
“Estando perfeitamente indicada no mapa da cidade a sua exata “amarração” ao ponto de referência, a descrição imobiliária exige a informação sobre todas as medidas perimetrais que compõem o imóvel. Em se tratando do padrão retangular, a indicação de consignar todas as medidas, considerando a metragem da frente, da frente aos fundos do lado direito e esquerdo e a medida dos fundos”.
“Após a fixação das medidas perimetrais, mostra-se necessária a menção à metragem de superfície do imóvel, que deverá ser compatível com as indicações de ângulos e/ou rumos”.
E mais adiante:
“A indicação dos confrontantes também se constitui em detalhamento insuperável, não só em função da específica determinação legal neste sentido, mas também como uma informação capaz de fazer superar outras imperfeições ou omissões, como a ausência de pontos de amarração” (p. 19).
“Na indicação dos confrontantes, em função do que dispõe o art. 225, caput, da Lei de Registros Públicos, invariavelmente é anotado o nome do confrontante, desprezando-se os dados objetivos mais relevantes ou mais importantes, como o número da matrícula destes e o número do contribuinte. A indicação apenas do nome gera dificuldades às Serventias Imobiliárias na identificação exata do imóvel, uma vez que o proprietário pode não ter sido o mesmo ao longo do tempo, o que dificulta a visualização da situação fática” (idem ibidem).
Inexiste, dessa forma, regular individualização do bem como exigido em lei a viabilizar o registro pleiteado (nesse sentido Ap. Civ. nº 064490-0/3 – Rel. Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição – Julg. 09.02.2000).
III - Dispositivo
Ante o exposto, deve-se negar provimento ao recurso.
(a) MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
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