Despachos/Pareceres/Decisões
10256408/2010
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Acórdão - DJ 990.10.256.408-8 - Apelação Cível
: 26/11/2010
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990.10.256.408-8, da Comarca de IBITINGA, em que é apelante o BANCO DO BRASIL S/A eapelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento os Desembargadores MARCO CÉSAR, Vice-Presidente no impedimento ocasional do Presidente do Tribunal de Justiça, BARRETO FONSECA, Decano em exercício, CIRO CAMPOS, LUIS GANZERLA e MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 24 de agosto de 2010.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis. Dúvida. Cédula rural pignoratícia e hipotecária emitida por pessoa natural. Garantia real prestada por terceiro. Nulidade. Inteligência do parágrafo 3º., do art. 60 do Decreto-lei 167/67. Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura. Ingresso obstado. Recurso não provido.
Cuidam os autos de dúvida de registro de imóveis suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ibitinga, a requerimento do Banco do Brasil S.A. O apelante apresentou, para registro, a cédula rural pignoratícia e hipotecária nº 40/01863-6, emitida por Maria Aparecida Dias Mente. Foram apresentados como garantia o penhor cedular da colheita de laranja do período agrícola de julho de 2008 a junho de 2009 das Fazenda Realeza e Marília no Município de Iacanga, bem como a hipoteca cedular dos imóveis da matrícula nº 3.020-2, de propriedade de Jeronimo Martinez Sgarbi e da matrícula nº 2.536-2, de propriedade de Jeronimo Martinez Sgarbi, Walter Secanho Junior e João Paulo Martinez Sgarbi. O Oficial recusou-se a efetuar o registro, alegando que, por força do disposto no art. 60, par. 3º., do Decreto Lei 167/67, são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas.
Após regular processamento, a dúvida foi julgada procedente para o fim de manter a recusa do Oficial em registrar a cédula rural pignoratícia e hipotecária.
Inconformado com a respeitável decisão, interpôs o interessado, tempestivamente, o presente recurso. Sustenta que os parágrafos do art. 60 do Decreto-lei 167/67 não dizem respeito às cédulas de crédito.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento ao recurso (fls. 78/82).
É o relatório.
A cédula rural pignoratícia e hipotecária foi emitida por pessoa física, Maria Aparecida Dias Mente. Como garantia, foi apresentada hipoteca cedular de imóvel pertencente a outras pessoas físicas. Com isso, foi afrontado o art. 60, par. 3º, do Decreto-lei 167/67, que só permite a concessão de outras garantias nos casos por ela expressamente previstos. Não se admite que outras pessoas físicas prestem garantia em cédula rural, salvo quando participantes da pessoa jurídica emitente.
A questão já foi apreciada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no V. Acórdão que julgou o Recurso Especial nº 599.545-SP, relatado pelo E. Min. Humberto Gomes de Barros, de cuja ementa consta, expressamente:
“São nulas as garantias, reais ou pessoais, prestadas por terceiros em cédula rural hipotecária sacada por pessoa física (DL 167/67; Art. 60, § 3º)”.
A tese de que a restrição imposta pelo par. 3º, do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 não se aplica às cédulas rurais foi objeto de apreciação recente por este Conselho Superior, em acórdão por mim relatado, no julgamento da Apelação 1218-6/4, de 16 de março de 2010, em que ficou decidido:
“Sustenta o apelante que o parágrafo 3º do art. 60 do Decreto-lei nº 167/67 não se refere à cédula de crédito rural, mas sim apenas à nota promissória rural e à duplicata rural, sendo certo que o parágrafo 3º em tela se refere ao parágrafo 2º, no qual apenas estes dois últimos títulos são mencionados, e não ao caput do art. 60, em que também é citada a cédula rural.
Esse entendimento não pode prevalecer.
Como oportunamente lembrado pela E. Min. Nancy Andrighi em “voto-vista” vencedor no julgamento acima invocado, “é da técnica interpretativa concluir-se que os parágrafos de um artigo de lei sempre se referem ao caput do dispositivo ao qual pertencem, sendo dele normas dependentes, complementares ou excepcionantes, verdadeiras subordens em relação à ordem principal emanada pela cabeça do artigo”. Esclarece que, “consoante o entendimento já manifestado no STF, por ocasião do julgamento da ADIn nº 4/DF, Rel. Min. Sydney Sanches (DJ 25.06.1993), o ‘parágrafo de [um] artigo [de lei] é, tecnicamente, o desdobramento do enunciado principal, com a finalidade de ordená-lo inteligentemente ou de excepcionar a disposição principal. Ordenando ou excepcionando, sempre se refere ao caput’ ”. Assim, conclui a Ministra: “Portanto, em observação a essa regra básica de hermenêutica, cumpre interpretar o mencionado § 3º levando em consideração o caput do art. 60, do Decreto-Lei nº 167/1967, e não o § 2º desse artigo”.
Deveras, pela análise dos respectivos textos, percebe-se que não há nenhuma incompatibilidade entre o parágrafo 3º e o caput do art. 60 do diploma legal em tela:
“Art. 60. Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado, porém, o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas.
“[...] § 3º. Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas”.
O emprego do vocábulo “também” em nada altera a conclusão enunciada. Pois, se o parágrafo 2º contempla hipótese de nulidade de garantia dada, especificamente, em nota promissória rural ou duplicata rural, o parágrafo 3º prevê a nulidade, “também”, de “quaisquer outras garantias, reais ou pessoais”; ou seja, inclusive das concernentes a cédula de crédito rural. Com efeito, à palavra “quaisquer” só pode ser atribuído sentido ampliativo e não, por óbvio, restritivo.
Ademais, por serem mencionadas, no parágrafo 3º, garantias “reais”, dessume-se que a regra é, mesmo, aplicável à cédula de crédito rural, pois, no regime do enfocado Dec.-lei nº 167/67, é em relação a esta (e não quanto à nota promissória rural e à duplicata rural) que existe previsão de garantias de natureza real: penhor e hipoteca. Daí a concepção de modalidades como, v.g., a “cédula rural pignoratícia” (art. 14), a “cédula rural hipotecária” (art. 20) e a “cédula rural pignoratícia e hipotecária” (art. 25).
Confirma-o precedente da lavra do E. Min. Ruy Rosado, trazido à colação, em seu voto, pelo E. Min. Humberto Gomes de Barros, relator do supra aludido Aresto, prolatado no Recurso Especial nº 599.545-SP: “Portanto, são nulas as garantias, reais ou pessoais, prestadas por terceiros em cédula rural hipotecária sacada por pessoa física (DL 167/67; Art. 60, § 3º). É nesse sentido o REsp 232.723/SP, onde o E. Relator, Ministro Ruy Rosado, afirmou: ‘A idéia que extraio do parágrafo 3º do art. 60, lido no seu contexto, é a de que a cédula de crédito rural hipotecária ou pignoratícia, isto é, essas que têm uma garantia real, não podem ter outra garantia senão aquelas oferecidas pelo seu emitente. Fica ressalvada a hipótese de a cédula ter sido emitida por empresa, quando se admite a garantia dos seus sócios, ou por outra pessoa jurídica’ ”.
Não resta, pois, margem para dúvida.
Não se diga que referida interpretação contrariaria a finalidade que teria inspirado a promulgação da Lei nº 6.754/79, qual seja a proteção do produtor rural, já que esta certamente não pode se sobrepor às evidências de caráter técnico e objetivo acima analisadas. E, por outro lado, ainda que se quisesse enveredar por semelhante caminho, não se poderia descartar a hipótese de que, exatamente por força do alegado ânimo de proteger o produtor rural, o legislador, ao estabelecer a nulidade da garantia de terceiro, tivesse querido evitar que o emitente da cédula acabasse se sujeitando, por exemplo, a “comprar” garantias... Todavia, não convém dar vazão a especulações, sempre revestidas de certa subjetividade, cumprindo seguir pelo trilho, mais correto e seguro, do exame técnico da questão.
Vale consignar, outrossim, que em nada desnatura a conclusão alcançada o fato de alguns dispositivos do Dec.-lei nº 167/67, relativos à cédula de crédito rural, mencionarem garantia real prestada por terceiro (artigos 11, 17, 68 e 69). Basta ter presente que o parágrafo 3º do art. 60 do mesmo diploma, com a interpretação aqui perfilhada, não exclui a possibilidade de terceiras pessoas prestarem garantia de tal natureza se a emitente for empresa. Como já lembrado pelo E. Min. Ruy Rosado, “fica ressalvada a hipótese de a cédula ter sido emitida por empresa, quando se admite a garantia dos seus sócios, ou por outra pessoa jurídica”. Logo, dessume-se que é aos casos abrangidos por esta ressalva que se destinam as referências contidas naqueles dispositivos (artigos 11, 17, 68 e 69).
Diferente a situação se a cédula for emitida por pessoa natural, como neste caso concreto. Aqui, LUIZ ANTONIO DE CARVALHO ALVES figura como emitente e a condômina do imóvel dado em hipoteca figura como garantidora no aditivo de fls. 08/10. O fato de se tratar de co-proprietária do imóvel dado em garantia em nada altera a situação dos autos.
Conforme já se viu, “são nulas as garantias, reais ou pessoais, prestadas por terceiros em cédula rural hipotecária sacada por pessoa física”. Deve ser mantida, destarte, a r. decisão apelada”.
Como se vê, acertada a decisão de primeira instância, ao ratificar a recusa do Oficial Registrador, diante da nulidade da garantia prestada por pessoas físicas em benefício de outras, em cédula de crédito rural.
Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.
(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
I – Relatório
Trata-se de recurso interposto por Banco do Brasil S.A. contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ibitinga, que recusou o registro de cédula de crédito rural pignoratícia e hipotecária, com garantia prestada por terceiros, com fulcro no artigo 60, § 3º, do Decreto-lei nº 167/67, por se tratar de título emitido por pessoas físicas.
O apelante sustenta, em síntese, que a vedação legal é restrita à nota promissória e à duplicata rurais (Decreto-lei nº 167/67, artigo 60, parágrafos 2º e 3º), sendo válida a garantia prestada por terceiro na cédula rural pignoratícia e hipotecária. Alega que diversos preceitos da legislação especial fazem menção à garantia de terceiro em cédula rural. Assevera, ainda, que a melhor interpretação a respeito da matéria em comento está no voto vencido proferido no REsp 599.545-SP.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 78/82 e 93).
II – Fundamentação
Acompanho o nobre Relator, o recurso não comporta provimento.
A r. sentença apelada tem respaldo em julgados do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 599.545/SP) e do Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 1.141-6/2), sendo ambos plenamente aplicáveis ao caso em comento.
Ademais, no que concerne ao § 3º do artigo 60 do Dec.-lei nº 167/67, recorde-se a regra básica de hermenêutica, segundo a qual um parágrafo só pode ser diretamente relacionado ao caput do artigo em que inserido, complementando-o ou excepcionando-o, e não a outro parágrafo do mesmo artigo.
Assim, não é plausível a alegação de que referido parágrafo refere-se ao § 2º do mesmo dispositivo legal.
O caput do artigo 60 menciona, expressamente, a cédula de crédito rural, além da nota promissória rural e a duplicata rural. E o § 3º, por sua vez, dispõe que “também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas”.
Dessa forma, reconhece-se que a prestação de garantia por terceiro somente é cabível em se tratando de título emitido por empresa, sendo a garantia prestada por seus sócios ou por outra pessoa jurídica. É, inclusive, a esta hipótese que se referem todos os artigos do Decreto-lei nº 167/67 que tratam da hipótese de garantia prestada por terceiro (arts. 11, 17, 68 e 69).
III – Dispositivo
Ante o exposto, não se poderia adotar solução diversa da oferecida pelo Eminente Relator, ou seja, pelo não provimento do recurso.
(a) MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
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