Despachos/Pareceres/Decisões
61265/2007
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ACÓRDÃO _ DJ 612-6/5
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 612-6/5, da Comarca de BRAGANÇA PAULISTA, em que é apelante TYCO ELETRONICS BRASIL LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 22 de fevereiro de 2007.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de escritura pública de doação de gleba de terras tida como terra devoluta. Ausência de prévia inscrição, na serventia predial, do título de domínio do Poder Público decorrente de discriminação (administrativa ou judicial) da área. Inadmissibilidade por se tratar de condição inafastável para disponibilidade do bem. Modo originário de aquisição do domínio de terra devoluta que não dispensa o anterior registro do título dominial proveniente da discriminação, para futura transmissão. Princípios da disponibilidade e continuidade registrais que impedem o ingresso da escritura concernente à doação subseqüente no fólio real. Recurso não provido.
1. Cuidam os autos de dúvida de registro de imóveis suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Bragança Paulista, a requerimento de Tyco Electronics, referente ao ingresso no registro imobiliário de escritura pública de doação que tem como objeto área de terreno com 12.545 m², localizada no Bairro da Penha, no Município de Bragança Paulista. Após regular processamento, com impugnação por parte da interessada e manifestação do representante do Ministério Público, a dúvida foi julgada procedente para o fim de manter a recusa do Oficial em proceder ao registro, devido à ausência no título de indicação da matrícula ou registro anterior, na forma do art. 222 da Lei n. 6.015/1973, bem como de menção da ação discriminatória por meio da qual o imóvel foi transferido para o domínio do doador, o Município de Bragança Paulista (fls. 126 a 128).
Inconformada com a respeitável decisão, interpôs a interessada Tyco Electronics Brasil Ltda., tempestivamente, o presente recurso. Sustenta ser impossível a referência, na escritura cujo registro pretende, da indicação do número da matrícula ou registro anterior do imóvel, já que inexistente. A hipótese, acrescenta, é de terra devoluta incorporada ao patrimônio do Estado de São Paulo, na forma do art. 38, § 1º, da Lei Estadual n. 16, de 13.11.1891, e na seqüência transferida ao patrimônio do Município de Bragança Paulista, tratando-se de modo originário de aquisição do domínio, a dispensar anterior registro. Por outro lado, argumenta que se mostra inviável, no presente, o ajuizamento de ação discriminatória, pois o Estado de São Paulo não é mais titular do domínio sobre o imóvel, o mesmo se passando com o Município de Bragança Paulista, nenhum deles tendo interesse e legitimidade para referida causa. Finalmente, para a eventualidade de ratificação da posição do oficial registrador e da decisão proferida pela Meritíssima Juíza Corregedora Permanente, requer o reconhecimento de sua legitimidade para a propositura de ação discriminatória que se fizer necessária (fls. 135 a 148).
O Ministério Público, em ambas as instâncias, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (fls. 158 a 160 e 164 a 167).
É o relatório.
2. O recurso não comporta provimento.
A Apelante apresentou a registro escritura pública de doação de imóvel que foi cedido pelo Município de Bragança Paulista a empresa de que é incorporadora, sem que constasse do título a indicação da matrícula ou registro anterior, exigida pelo art. 222 da Lei n. 6.015/1973. Tal se deu devido ao fato de o imóvel não fazer parte dos assentos da serventia, tendo sido incorporado, segundo se alega, ao patrimônio do Estado de São Paulo por se tratar de terra devoluta, com posterior transferência ao Município de Bragança Paulista, o qual figura na escritura como doador.
Como se pode perceber, inexiste, na hipótese em discussão, dado registral de que a titularidade do imóvel tenha em algum momento pertencido ao Estado de São Paulo e muito menos ao Município de Bragança Paulista. Essa circunstância, sem dúvida, impede o registro do título, sob pena de ofensa ao princípio da continuidade registral.
Observe-se, para o que ora interessa mais de perto, que a propriedade do imóvel pelo Município de Bragança Paulista decorre de mera declaração deste último na escritura apresentada a registro, sem que tal realidade esteja, efetivamente, expressa no fólio real.
Não se diga, por outro lado, como o faz a Apelante, que o fato de se tratar de terra devoluta dispensa prévio registro no serviço imobiliário, a autorizar que se inaugure, agora, com o ingresso da escritura de doação, nova matrícula.
Isso porque, embora a situação jurídica de terra devoluta se apresente, realmente, como modo originário de aquisição de domínio, o certo é que ela não dispensa a necessária discriminação da área transferida para o patrimônio público, seja pela via administrativa ou judicial.
Registre-se que a discriminação a que aqui se refere é pressuposto exigível no direito brasileiro, para a aquisição do domínio pelo Poder Público, desde a denominada Lei de Terras (Lei n. 601, de 1850), a ser efetivada, necessariamente, pela via administrativa ou judicial, no Estado de São Paulo, desde, pelo menos, o Decreto n. 734, de 1900 (cf. Vito José Guglielmi, As terras devolutas e seu registro, Revista de Direito Imobiliário, vol. 29, p. 86 e ss.).
Assim, sempre foi a partir da discriminação efetiva das terras – judicial ou administrativa – que se reconheceu, de fato e de direito, o domínio público, dela resultando o título para inscrição no registro imobiliário, como condição para disponibilidade futura do bem pelo Poder Público (cf. Vito José Guglielmi, ob. cit., p. 101-103).
Bem por isso, há que se compreender que a nova cadeia dominial, nesses casos, se inicia com o registro do título gerado pela discriminação da terra devoluta, sem o que o ente público não pode dispor do bem, ou, pelo menos, o ato de disposição praticado pelo ente público não tem acesso ao fólio real.
Pertinente invocar, aqui, a doutrina de Vito José Guglielmi sobre o tema:
“(...) os títulos dominiais provenientes da discriminação – único meio legal para extremar o domínio particular do público, seja judicial ou administrativamente – necessitam, para que o Poder Público possa deles dispor (pois só se imagina a discriminação para regularizar a situação fundiária [afastando famosos ‘grilos’] ou implantar a política agrícola e de reforma agrária – excluídas as hipóteses de áreas de segurança, preservação, parques, etc.), de seu prévio registro. Não faria sentido o Estado arrecadar tais áreas para mantê-las desabitadas ou improdutivas.
É, pois, o registro, a condição de disponibilidade das terras devolutas.
E não poderia ser de outra forma. Somente em relação à aquisição originária é que se despreza a cadeia de titularidade dominial, porque por ela iniciada.
(...)
Consigne-se, porém: quaisquer títulos com origem no domínio público (inscrito por força da discriminação), traduzindo modo derivado de aquisição de propriedade, sujeitam-se a observância de todos os demais princípios informativos do direito registrário.” (Ob. cit., p. 103, 104 e 111).
Portanto, o que se verifica na situação ora em análise é que, sem prévio registro da titularidade do imóvel em questão em nome do Estado de São Paulo e do Município de Bragança Paulista, não há como admitir o ingresso da escritura de doação do bem em favor da Apelante, sob pena de violação dos princípios da disponibilidade e continuidade registrais. Conseqüentemente, impossível, no caso, a superação do óbice levantado pelo oficial registrador, como decidido pela respeitável decisão recorrida, à luz, ainda, dos pareceres do Ministério Público em ambas as instâncias.
Quanto ao requerimento alternativo de reconhecimento, neste feito, da legitimidade da Apelante para o ajuizamento de ação discriminatória, tem-se que inviável qualquer deliberação a respeito.
Com efeito, a admissão ou não da legitimatio ad causam para qualquer demanda judicial é matéria reservada com exclusividade aos órgãos do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição. Dessa maneira, indevido se mostraria qualquer pronunciamento sobre referida questão nesta esfera administrativa, o que, de todo modo, se realizado, nenhum efeito produziria em relação à apreciação que se fizesse na órbita jurisdicional.
Em suma, no que compete examinar e decidir nesta esfera não jurisdicional, verifica-se correta a recusa manifestada pelo Oficial registrador, como bem decidido pela respeitável decisão recorrida, não se podendo admitir, na hipótese em tela, o ingresso da escritura de doação da gleba de terras em discussão no registro de imóveis.
Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, nego provimento ao recurso.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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