Despachos/Pareceres/Decisões
52966/2006
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Acórdão _ DJ 529-6/6
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 529-6/6, da Comarca de URUPÊS, em que é apelante o BANCO DO BRASIL S.A. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em conhecer e dar provimento à apelação para o processamento da dúvida inversa e, no mérito, lhe negar provimento, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 23 de março de 2006.
(a)GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa que, nada obstante a ausência de previsão normativa, deve ser conhecida por economia procedimental – Ingresso no registro de cédula rural pignoratícia obstado por excesso na previsão de prazo do penhor agrícola, que não pode exceder de três anos, prorrogável por mais três – Inteligência do artigo 61 do Decreto-Lei nº 167/67 - Recurso provido para afastar o óbice processual e, no mérito, pelo artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil c.c. o artigo 202 da Lei de Registros Públicos, mantida a negativa de registro.
1. Trata-se de apelação interposta pelo Banco do Brasil S/A contra r. sentença (fls. 64) que julgou inadmissível a dúvida inversa por vedação legal. Em suas razões de recurso, sustenta, em resumo, a viabilidade do caminho eleito, por ausência de expressa proibição legal e por respeito ao princípio da proporcionalidade. Pede, pois, o provimento do recurso para, afastado o óbice procedimental, retornem os autos à origem para apreciação do mérito.
Observa-se, ainda, que o título (cédula rural pignoratícia) foi recusado ao registro pelo oficial registrador por ofensa ao artigo 61 do Decreto-Lei nº 167/67, uma vez que seu prazo supera três anos, prorrogáveis por mais três.
A Procuradoria Geral de Justiça sustenta, em suma, a admissibilidade da dúvida inversa, não se conhecendo, todavia, do apelo por falta de apresentação do título original e, no mérito, caso conhecido, pelo provimento.
É o relatório.
2. Nada obstante a ausência de previsão normativa para a chamada “dúvida inversa”, uma vez que o artigo 198 da Lei nº 6.015/73 prevê apenas a hipótese de dúvida direta, o Conselho Superior da Magistratura tem admitido aquela via (dúvida inversa) em caráter excepcional e por economia processual (JTJ 134/550, 137/598; Apelações Cíveis nºs 14.797-0/3 - relator Des. Dínio de Santis Garcia -, 21.445-0/4 – relator Des. Alves Braga -, 42.171.0/7-00, relator Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição, 76.030-0/8, relator Des. Luís de Macedo, entre outros).
Ademais, observe-se que diante da presente dúvida inversa foram respeitadas as formalidades necessárias à sua viabilidade: promoveu-se a prenotação (expirado o prazo da primeira prenotação, “o presente pedido de Dúvida Inversa foi em 16 de maio de 2005 prenotado sob nº 34.596, a fls. 7 do livro 1-G”, como informa o oficial registrador: fls. 29); houve apresentação do título original (embora, inicialmente, havia sido apresentada apenas cópia do título, diante de determinação judicial - fls. 52 -, veio para os autos o título original - fls. 55/62 -, superando, assim, o respectivo entrave formal).
Por essas razões, realmente se deve afastar o obstáculo formal da via procedimental (apoio do julgado recorrido) e não se pode acolher o óbice instrumental de título (apoio da Procuradoria Geral da Justiça), considerando-se vencido o juízo de admissibilidade desta dúvida, para que seja possível seu exame pelo mérito da recusa de registro.
Outrossim, superadas as objeções de forma, não há necessidade de retorno dos autos à origem, diante do prescrito no § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil c.c. o artigo 202 da Lei de Registros Públicos, pois “prevendo-se, para o procedimento de dúvida, o cabimento de recurso de apelação contra a sentença (art. 202, da LRP), rende-se ensejo, a partir de sua prolação, à incidência da disciplina recursal do Código de Processo Civil...” (Ricardo Dip e Benedito Silvério Ribeiro, “Algumas linhas sobre a dúvida no registro de imóveis”, RDI nº 23, p. 14).
Logo, já se pode ingressar no re-exame do título, verificando se procede, ou não, o óbice de registro propriamente dito.
Apresentada, para registro, cédula rural pignoratícia emitida por José Carlos Valentim, em favor do Banco do Brasil S.A., em 22 de março de 2005, no valor de R$ 14.400,00, com penhor agrícola incidindo em um trator, com vencimento para 31 de março de 2010 (fls. 55/62).
Nota-se, assim, que o título em foco tem prazo superior a três anos, mas, por expressa previsão legal, o penhor agrícola não pode exceder o triênio, prorrogável por igual período (artigo 61 do Decreto-Lei nº 167/67):
“Art. 61. O prazo do penhor agrícola não excederá de 3 (três) anos, prorrogável por até mais 3 (três), e o do penhor pecuário não admite prazo superior a 5 (cinco) anos, prorrogável por até mais 3 (três) e embora vencidos permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem”.
Essa norma jurídica, aliás, em sede de prazo máximo de penhor agrícola está em sintonia com o artigo 1.439 do novo Código Civil.
Considerando, então, que o juízo de qualificação registrária não se pode apartar da lei - o que impõe o exame da legalidade, pelo registrador, dos aspectos formais do título -, forçoso negar registro ao título cuja apresentação extrínseca esteja em desajuste com os seus requisitos legais.
Outrossim, afirmação de prazo não excedente de três anos, prorrogáveis por até mais três anos, não equivale afirmativa de viabilidade de prazo inicial de seis anos (ou de prazo inicial entre três e seis anos, como é o de cinco anos), sob pena de intelecção deturpada da norma legal que conduz a inutilidade das expressões “prazo” e “prorrogável” que a norma jurídica aponta, violando-se preceito básico de hermenêutica segundo o qual “a lei não contém palavras inúteis”.
Ora, prazo é termo, limite temporal, intervalo temporal de curso linear “para que algum fato se dê dentro do trato de tempo, ou expirado o último momento” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, T. 5, § 554.1, Ed. Bookseller, atualização de Vilson Rodrigues Alves, 1ª ed., 2000, p. 239), i.é, “espace de temps accordé par la loi pour faire um acte juridique” (Henri Capitant, Introduction a L’Étude du Droit Civil – Notions Générales, Ed.ª Pedone, 1929, 50ª ed., p. 369).
Prorrogação de prazo é dilação, aumento ou ampliação de espaço temporal, e, por isso, “pressupõe prazo ou espaço de tempo, que não se extinguiu nem se findou...” (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, volumes III e IV, 2ª ed., Ed. Forense, 1990, p. 482).
Logo, o prazo define o trato de tempo; a prorrogação o estende. Assim, prazo subsiste por si, mas prorrogação – que o supõe – não.
Fixado, pois, na lei, prazo máximo (embora prorrogável) para o penhor agrícola (três anos), não há como confundir essa definição de trato temporal com aquela decorrente da soma desse prazo com o lapso de sua possível e eventual dilação temporal.
Por outro lado, não se diga que o prazo do penhor seja distinto do prazo da obrigação (ou de vencimento da cédula), por ser aquele legal (três) e este contratual (cinco anos): a) a uma, porque o título em foco não autoriza essa leitura dicotômica de prazos, mas, ao contrário, indica a unidade do prazo de cinco anos também referido no campo clausulado denominado “obrigação especial – garantia”, com subseqüente previsão de prorrogação para a hipótese de “vencimento do penhor” (fls. 57); b) a duas, porque vinculada a cédula de crédito rural à garantia pignoratícia, o prazo de referência expresso na cédula é também o do penhor.
Por fim, consigne-se que a questão em exame não é novidade, pois igual solução é a que se colhe na Apelação Cível nº 233-6/5, Comarca de Sumaré, rel. Des. José Mario Antonio Cardinale, j. 11.11.2004 (aliás, do mesmo apelante):
“O título foi firmado em 02 de abril de 2002, com vencimento em 15 de abril de 2007. O artigo 61 do Decreto-lei 167/67 dispõe que o penhor agrícola não excederá o prazo de três anos, sendo prorrogável por mais outros três. O artigo supra citado é claro e não deixa margem à outra interpretação, no sentido de determinar que o prazo do penhor agrícola deve ser de três anos, podendo ser prorrogado por mais três. Se o prazo é de três anos, e pode ser prorrogado, significa que não há como se estabelecer de início o prazo maior que os três anos determinados. A prorrogação deverá ser feita em momento oportuno. Se a lei desejasse estipular um prazo inicial maior, assim o teria feito, ou então teria simplesmente deixado de estabelecer a possibilidade de prorrogação, fixando um prazo único máximo. Dessa forma, em que pese os argumentos apresentados pelo apelante, não se pode admitir a interpretação por ele sustentada em suas razões de recurso, sendo inviável o registro por falta de preenchimento dos requisitos formais do título”.
Logo, não procedente o recurso de apelação, mas por fundamentos diversos da decisão recorrida.
Pelo exposto, conheço e dou provimento à apelação para o processamento desta dúvida inversa, e, no mérito, que se ingressa diante do prescrito no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil c.c. o artigo 202 da Lei de Registros Públicos, mantenho a negativa de registro.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS ,Corregedor Geral da Justiça e Relator
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