Despachos/Pareceres/Decisões
51562/2006
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Acórdão _ DJ 515-6/2
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 515-6/2, da Comarca de SÃO BERNARDO DO CAMPO, em que são apelantes WALDÉRIS FRANÇA e SHIRLEY APPARECIDA AMARO FRANÇA e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 17 de agosto de 2006.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis – Título judicial também se submete à qualificação registrária – Carta de adjudicação extraída dos autos de ação de adjudicação compulsória – Certidão Negativa de Débito (CND) perante a Receita Federal e o INSS – Exigibilidade – Dúvida procedente - Recurso improvido.
1. Cuida-se de recurso interposto contra sentença proferida (fls. 103/106) pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Bernardo do Campo, que acolheu dúvida suscitada, negando acesso ao fólio da carta de adjudicação expedida nos autos da Ação de Adjudicação Compulsória (Processo nº 02497036872-6). A referida ação, que tramitou perante a 29ª Vara Cível de Belo Horizonte, é relativa ao imóvel matriculado sob nº 30.530, qual seja, uma área de terras sem benfeitorias, localizada na Vila Santos Dumont, antigo sítio denominado Chico Antônio, no Bairro do Rio Grande, altura do km 27 da Via Anchieta.
Assim se decidiu em razão de estar sendo transmitida a propriedade de imóvel de uma pessoa jurídica (Itaminas Comércio de Minérios S/A), sem que fossem apresentadas certidões negativas de débitos perante a Receita Federal e o INSS, o que inviabiliza o registro da referida carta de adjudicação.
Houve recurso de apelação a fls. 108/113, no qual há insurgência com relação ao decidido. A exigência estaria sendo feita a destempo, pois já passados muitos anos desde a alienação. Ademais, em se tratando de ação de adjudicação compulsória, estaríamos diante de uma alienação judicial, involuntária e forçada, sendo os adquirentes pessoas idosas e que estão com a posse do bem, pagando os respectivos tributos, desde 1.993. Finalmente, a recusa ao registro implicaria em ofensa à coisa julgada e ao direito de propriedade.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 124/130), aderindo aos fundamentos expostos pelo Oficial e pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.
É o relatório.
2. Saliente-se, de início, que, é atribuição do oficial registrador proceder à qualificação do título, ainda que se trate de carta de adjudicação extraída nos autos de ação de adjudicação compulsória.
Como se sabe, até mesmo os títulos judiciais submetem-se à qualificação, com fulcro na aplicação dos princípios e normas formais da legislação específica vigentes à época do momento do respectivo ingresso, principalmente para a verificação de sua conformidade com os postulados e princípios registrários (Apelações Cíveis nº. 22.417-0/4, Piracaia e 44.307-0/3, Campinas).
"Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais" (item 106 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
Posto isso, no caso em tela, analisando-se os elementos constantes dos autos, não há como se realizar o registro, conforme bem ressaltado, tanto pelo oficial suscitante, quanto pelo seu MM. Juiz Corregedor.
Para o registro da referida carta de adjudicação, é indispensável a apresentação das certidões negativas de débito perante a Receita Federal e o INSS, vez que se pretende transmitir a propriedade de imóvel pertencente a pessoa jurídica.
Neste sentido, é o precedente do Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível nº 81.958-0/4):
O recorrente objetiva o ingresso, na tábua predial, de carta de adjudicação oriunda de ação de adjudicação compulsória e insurge-se contra a exigência de apresentação de certidões negativas de débitos do INSS e da Receita Federal. Essa providência tem apoio no princípio da legalidade (art. 5º, "caput" e inc. II, da CF/88), visto que o art. 47, I, "b", da lei nº 8.212/91 estabelece: “É exigido documento comprobatório de inexistência de débitos relativos às contribuições sociais, fornecido pelos órgãos competentes, nos seguintes casos: I - da empresa ... b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo". Do mesmo teor o art. 84, I, "b", do dec. nº 612/92. A sentença substitutiva da vontade da vendedora e obtida na ação de adjudicação compulsória, para o fim de qualificação registrária, equipara-se à escritura pública de compra e venda e, como tal, necessita do cumprimento da obrigação lateral de oferecimento das certidões negativas de débitos. Aliás, é o que já se decidiu nas Ap. Cív. nºs. 37.382-0/8 - Birigui, Rel. Des. Márcio Bonilha e 66.415-0/7 - Campinas, j. 4.5.2000, por mim relatada.
Em nada destoa o julgado proferido nos autos da Apelação Cível nº 59.192-0/1:
Registro de Imóveis - Dúvida - Ingresso de mandado judicial expedido nos autos de ação de adjudicação compulsória, independentemente da obtenção do cumpra-se do respectivo MM. Juiz Corregedor Permanente do oficial registrador - Possibilidade, porém, de exame do mérito - Ausência, ainda, de apresentação das certidões negativas do INSS e da Receita Federal, bem como, da guia de recolhimento do ITBI - Necessidade - Óbice previsto em lei - Inteligência do artigo 47, inciso I, letra "b", da Lei Federal nº 8.212/91 - Pretensão de registro indeferida - Recurso Improvido - Decisão mantida.
(...)
Não pode, porém, a sentença substitutiva de vontade permitir às apeladas a obtenção de vantagens e isenções que não alcançariam caso houvesse o cumprimento voluntário da obrigação. A sentença, portanto, não as exime do dever de apresentar certidões negativas previstas na Lei Federal nº 8.212/91, para efeito de registro do título. Não há na desqualificação do título, portanto, qualquer ofensa à coisa julgada, ou a decisão judicial. Isso porque a sentença supriu a prestação principal de outorga de escritura, mas não as prestações laterais, em especial aquela de apresentação de certidões previdenciárias e fiscais negativas. No contrato de venda e compra, avultam os deveres principais, ou primários, de entrega da coisa vendida e pagamento do preço. Tratando-se de bens imóveis, a outorga da escritura de venda e compra. Há, todavia, deveres laterais, que, ao lado dos deveres primários, interessam ao exato processamento da relação obrigatorial. Tal categoria, sistematizada pela doutrina em vários tipos, envolve deveres de cuidado, previdência, cooperação, informação e esclarecimento (cfr. MÁRIO JULIO DE ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 6ª Edição Almedina, Coimbra, pág. 60; tb. MENEZES DE CORDEIRO, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Coimbra, 1984, vol. I, págs. 603 e seguintes). Na compra e venda de bens imóveis (ou na sua promessa), ao lado do dever principal de entrega da coisa e outorga da escritura, persistem obrigações laterais, das quais nos interessa aquela de o vendedor estar obrigado a entregar todos os documentos que digam respeito à transmissão do prédio e a prestar todas as informações necessárias sobre a aquisição do transmitente (cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 8ª Ed. Almedina, Coimbra, págs. 126/127). Têm as recorridas ação contra a vendedora, para exigir também o cumprimento de obrigações laterais da venda e compra, em especial apresentação de certidões negativas previdenciárias.
O mesmo pode ser dito do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n° 99.827-0/3:
Registro de Imóveis - Carta de adjudicação - Título substitutivo de título negocial - Exigência de certidões negativas - Ausência de prova de fato que autorize a dispensa - Desqualificação - Recurso provido.
(...)
O caso em tela, malgrado se compreenda a situação do adquirente, envolve matéria já pacificada pelo E. Conselho Superior.
Em primeiro lugar, tranqüilo o entendimento no sentido de que, mesmo em se tratando de título judicial extraído de ação de adjudicação compulsória, exigível, ao respectivo registro, a apresentação de negativas da Previdência e da Receita Federal. Afinal, tendo-se em conta que a adjudicação a rigor substitui vontade negocial e, portanto, um título desta espécie, não se pode, por isso, conceder ao interessado um benefício que ele não teria se a escritura de venda e compra não tivesse sido recusada, ensejando o recurso à jurisdição.
A propósito vale conferir Apelação n. 31.436-0/1, Comarca da Capital.
É certo porém que, mercê de seguidas instruções normativas (O.S. ns. 156/97, 163/97, 182/98, 207/99 e 211/99), os próprios órgãos arrecadadores vêm dispensando a apresentação de certidões negativas quando o imóvel pertença a empresa cuja atividade seja a de comercialização de imóveis, e desde que ele não integre seu ativo fixo.
Nos autos, porém, não há provas a respeito. Não se sabe se o objeto social das empresas é a comercialização referida ou, mais, se é exclusivamente esse o seu fim. Não se sabe, mais, se o imóvel, mesmo objeto de empreendimento maior, integra o ativo circulante da empresa, se assim foi contabilizado. Por fim, não se tem, em momento algum, ainda que não fosse o da escritura, afinal recusada, a declaração expressa da vendedora, sob as penas da lei, de que o imóvel não integrava seu ativo permanente.
Há mais.
Note-se o decidido na Apelação Cível nº 000.176.6/4-00:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Ingresso de mandado judicial expedido nos autos de ação de execução de obrigação de fazer correspondente à outorga de escritura definitiva – Necessidade de apresentação das certidões negativas de débitos do INSS e da Receita Federal – Exigência de comprovação do pagamento do ITBI e de apresentação de documento comprobatório do valor venal lançado no exercício de 2000 para o IPTU –Pretensão de registro indeferida – Dúvida procedente – Recurso Improvido.
Já nos autos da Apelação Cível nº 76.742.0/7, o seguinte pronunciamento judicial teve lugar:
Registro de Imóveis. Recusa no registro de carta de adjudicação expedida em ação de execução de obrigação de fazer, pela falta de apresentação de certidões negativas federais (fiscal e previdenciária). Providência adequada (...). Apelação improvida. Dúvida procedente.
Releva notar que, diferente seria o deslinde se, no presente caso, os elementos contidos na carta de adjudicação permitissem verificar, com a segurança necessária, que a empresa promitente vendedora tivesse como atividade precípua a compra e venda de imóveis, não integrando referido bem o seu ativo permanente (conforme decidido por este Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 000.335.6/0-00).
Ainda poderia ser distinto o desenlace se a ação de adjudicação compulsória fosse movida contra a vendedora responsável pelo término da obra (STJ, REsp 39597/MG; RECURSO ESPECIAL 93/0028276-0, DJ 22/09/1997, p. 46476).
Também seria diverso o resultado da presente demanda se, tal qual ocorrido nos autos da Apelação Cível nº 81.958-0/4, a sentença proferida na ação de adjudicação compulsória fosse expressa ao dispensar, quando do registro do título, a apresentação das certidões negativas de tributos do INSS e da Receita Federal.
No mesmo diapasão, o decidido nos autos da Apelação Cível nº 38.647/5, onde se entendeu que a dispensa da exigência será de fato inquestionável se constar expressamente no comando da sentença. Neste caso, em se tratando de decisão na esfera jurisdicional, inclusive, tendo sido objeto de pedido na inicial, não caberia ao registrador sobre ela se manifestar ou dela se valer para fundamentação do óbice.
Mas nenhuma destas hipóteses se encontram presentes.
Não merecem guarida, portanto, os argumentos trazidos pelos recorrentes, senão vejamos:
A exigência não está sendo feita a destempo, pois pouco importa se já passados muitos anos desde a aquisição. Por ocasião da apresentação do título para a qualificação registrária é que são exigidas as certidões negativas, em obediência ao preceito legal.
Neste sentido, o decidido por este Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 81.958-0/4, “verbis”:
Dúvida. Ingresso de carta de adjudicação extraída de ação de adjudicação compulsória com trâmite em Vara Cível. (...) O segundo óbice, diz respeito à necessidade de recolhimento do imposto de transmissão "inter vivos", sendo atribuição do registrador no momento em que se pretende o ingresso do título no fólio real (art. 289 da lei nº 6.015/73). Inviabilidade do registro, persistindo um dos óbices. Dúvida procedente. Recurso improvido.
É na data da apresentação do título ao registrador que será feita a qualificação (art. 534 do Código Civil, combinado com os arts. 174, 182 e 186 da Lei de Registros Públicos). O registro encontra disciplina no princípio ‘tempus regit actum’; é sujeito à lei vigente ao tempo da apresentação do título, pouco importando a data do contrato" (TJSP, JB 25/172).
Por outro lado, ainda que se trate de ação de adjudicação compulsória, é questionável a alegação de ter ocorrido alienação involuntária e forçada, em razão de ter a ré-alienante reconhecido juridicamente o pedido, o que aqui se verifica a fls. 44.
Quanto ao fato de os adquirentes serem pessoas idosas e estarem na posse do bem, pagando os respectivos tributos, desde 1.993, isto não os exime de cumprir obrigação legal a todos imposta.
Finalmente, a recusa ao registro jamais implicou em ofensa à coisa julgada ou ao direito de propriedade.
Sustentar o contrário significa pretender subtrair, do oficial registrador, o exercício de sua função precípua, que é a de qualificar positiva ou negativamente os títulos a ele submetidos.
Ante o exposto, mantém-se a procedência da dúvida e se nega provimento ao recurso interposto.
(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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