Despachos/Pareceres/Decisões
36368/2005
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ACÓRDÃO _ DJ 363-6/8
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 363-6/8, da Comarca de SÃO VICENTE, em que é apelante o CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ARCO ÍRIS e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 18 de agosto de 2005.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis. Dúvida. Recusa do registro de carta de adjudicação. Concordância com uma das exigências formuladas pelo registrador. Impossibilidade de julgamento do mérito de forma a comprometer o princípio da prioridade. Condomínio especial como adquirente - Ausência de personalidade jurídica - Viabilidade da aquisição pela aplicação do artigo 63, § 3º da Lei 4591/64 - Necessidade, entretanto, da anuência dos condôminos em assembléia geral. Dúvida prejudicada. Recurso não provido.
1. Trata-se de apelação interposta por Condomínio Edifício Arco Iris (fls. 66/83) contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente (fls. 62/64), que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o registro da carta de adjudicação extraída dos autos de nº 569/97 que tramitou na 2ª Vara Cível de São Vicente, que tem por objeto o apartamento de nº 54 do Condomínio Edifício Arco Íris, uma vez que o Condomínio não tem personalidade jurídica e por falta de recolhimento do ITBI.
Sustenta o apelante que o condomínio tem personalidade jurídica para adquirir e alienar bens imóveis, devendo ser reformada a sentença.
A Procuradoria Geral de Justiça sustentou estar prejudicada a dúvida e opinou pelo improvimento do recurso (fls 91/94).
É o relatório.
2. A presente dúvida foi suscitada em razão da recusa do Oficial em registrar uma carta de adjudicação do apartamento de nº 54 do Condomínio Edifício Arco Íris. A recusa foi efetuada porque o Condomínio não personalidade jurídica para adquirir bens, e por falta de recolhimento do ITBI.
Conforme se extrai da manifestação de fls. 09/12, o apelante concordou com a segunda exigência feita pelo Oficial consistente no recolhimento do ITBI, uma vez que somente impugnou a primeira.
Tal circunstância exclui o dissenso entre o interessado e o registrador, tornando prejudicada a dúvida no mérito.
Conforme decidido na Apelação Cível de nº 31.719-0/3 da Comarca de Guarulhos "como é sabido o procedimento da dúvida não admite sejam atendidas exigências no curso do procedimento. Ao ser suscitada a dúvida, a requerimento do interessado, o título recusado deve ser prenotado para que esteja assegurado o direito de prioridade do apresentante. Se fosse admitido cumprir exigência durante o procedimento, estaria aberto caminho para uma injusta prorrogação do prazo da prenotação, que, muita vez, viria em prejuízo dos eventuais detentores de títulos contraditórios. Tem-se, pois, que o provimento judicial, em procedimento de dúvida, deverá ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação".
Por outro lado, o registro na forma pretendida não era mesmo de ser deferido.
Com efeito, em que pese haver opiniões em sentido contrário, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem reiteradamente entendido que o condomínio não tem personalidade jurídica.
Ensina Caio Mario da Silva Pereira que a personificação não tem amparo legal, uma vez que a lei 4591/64 trata cada unidade condominial como propriedade exclusiva, objeto de uma relação jurídica específica.
O novo Código Civil não inovou a matéria. Subsiste previsão legal apenas quanto à capacidade de agir o condomínio em juízo e de administração, institutos criados para viabilizar a defesa dos interesses comuns dos condôminos, e que não lhe atribuem personalidade jurídica para ser titular de domínio.
Exceção, entretanto, é feita na hipótese do artigo 63, § 3º da Lei 4591/64, o qual possibilita a aquisição de imóvel pelo condomínio nos casos de inadimplência do condômino. Mesmo nesse caso, porém, a lei não reconhece personalidade ao condomínio. Justamente por se tratar de exceção é que foi expressamente regulamentada.
Em que pese os avanços sociais e do direito, no nosso ordenamento jurídico ainda se mantém a regra de que o condomínio não ostenta personalidade jurídica, e sem nova legislação que disponha de forma contrária, não há como se criar interpretação diversa.
Ocorre que, não são poucas as ocasiões em que o condomínio se vê impedido de cobrar as despesas destinadas a sua própria manutenção, uma vez que não lhe é permitido arrematar ou adjudicar imóvel penhorado por dívida do condômino.
Visando dar solução mais sensata à questão, a jurisprudência tem admitido a aquisição de imóvel pelo condomínio em praça pública, sem que seja reconhecida a sua personalidade jurídica que, de fato, não possui.
Nesse sentido, merecem transcrição alguns julgados do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo que cuidam da matéria:
"Se a Lei 4.591 concede ao condomínio a adjudicação de unidade leiloada, não pode o aplicador recusar esta aquisição, sob fundamento de que o condomínio não tem personalidade jurídica. O julgador deve aplicar a lei como está redigida e, se é a lei que concede a adjudicação, bom será o entendimento que permita a sua aplicação. E, ao "contrário sensu", má aquela que vai dar na sua inaplicabilidade". ( AI 718.337-00/1 - 12ª Câm. - Rel. Juiz Ribeiro Silva - J. 21.2.2002).
"Tem-se que a própria Lei nº 4.591/64 cuidou de dirimir a controvérsia referente à possibilidade do condomínio obter a adjudicação do imóvel em seu favor, ainda que não possuindo personalidade jurídica para figurar como titular de direito real. Conquanto não seja o condomínio dotado de personalidade jurídica, não se pode negar vigência ao dispositivo legal que traz hipótese expressa de exceção à regra ( artigo 63, § 3º, da Lei 4.591/64). (AI 747.349-00/9 - 8ª Câm. - Rel. Juiz Rocha de Souza - J. 8.8.2002).
Assim já foi entendido por este Conselho na Apelação de nº 000.253.6/6.
Dessa forma, a arrematação ou adjudicação deve ser deferida ao condomínio na hipótese acima referida, ou seja, como forma de satisfazer o crédito decorrente da não satisfação, pelo condômino, das despesas condominiais.
Entretanto, justamente porque o condomínio não é um ente imaterial com personalidade jurídica própria, em que pese o agrupamento dos interesses dos condôminos, para que a arrematação ou adjudicação seja possível, é necessário que a aquisição conte com a anuência dos condôminos, por decisão unânime de assembléia geral em que, para essa finalidade específica, não terá o voto do proprietário da unidade autônoma que gerou as despesas condominiais objeto da execução em que foi esta unidade arrematada ou adjudicada.
Igual providência, desde já fica consignado, deve ser observada para a alienação da mesma unidade autônoma pelo condomínio, pois dependerá o ato da anuência dos condôminos em assembléia geral.
Estas cautelas se impõem porque em casos como o presente, a unidade autônoma, apesar de arrematada ou adjudicada pelo condomínio, será de propriedade conjunta de todos os condôminos, que não podem ser constrangidos a adquirir coisa imóvel, uma vez que a propriedade é fonte de deveres e obrigações, e também não podem, salvo as hipóteses legais, ser constrangidos a alienar imóvel de que são co-proprietários.
Na hipótese em questão, uma vez que a adjudicação já se operou, o registro da respectiva carta poderá ser efetivado desde que tomada referida providência, ainda que seja ela posterior à aquisição.
Dentro deste quadro, embora prejudicada a dúvida, cabível é a ressalva de que ficará o impedimento afastado caso apresentada anuência dos condôminos com a aquisição.
Daí o improvimento do recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Relator e Corregedor Geral da Justiça
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