Despachos/Pareceres/Decisões
35666/2005
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ACÓRDÃO _ DJ 356-6/6
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 356-6/6, da Comarca de SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelado CARLOS SÉRGIO ARANTES.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 07 de julho de 2005.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de venda e compra - Recusa com base no art. 235, I, do Código Civil de 1916, combinado com o art. 2.039 do Código Civil de 2002 - Ausência de outorga uxória - Dúvida improcedente - Formalidade legal não inerente o regime de bens adotado - Incidência do art. 1.647, I, do diploma atual, que não afeta ou modifica tal regime - Registro cabível - Recurso não provido.
Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto e determinou o registro de escritura pública de venda e compra, em que figura como um dos outorgantes vendedores Carlos Sérgio Arantes, sob o fundamento de que é desnecessária a autorização de sua esposa, pois casados no regime da separação de bens, hipótese em que o artigo 1.647, I, do novo Código Civil dispensa outorga uxória.
Sustenta o apelante que, por força do disposto no artigo 2.039 do Código Civil, devem ser aplicadas as disposições relativas ao regime de bens previstas no estatuto civil de 1916, sendo que o artigo 235, I, daquele diploma legal exige o consentimento da mulher para alienar imóveis, pouco importando o regime de bens adotado. Alega que a prática do ato sem a anuência do cônjuge fere ato jurídico perfeito, qual seja o pacto antenupcial por escritura pública. Requer a reforma da decisão, para que prevaleça a exigência de outorga uxória enunciada pelo registrador (fls. 58/63).
Para o apelado, a irresignação não procede (fls. 65/73).
O órgão de segundo grau do "Parquet" se pronunciou pela manutenção da sentença (fls. 78/81).
É o relatório.
Não é de ser acolhida a insurgência recursal. A hipótese, aliás, já foi recentemente analisada na Apelação Cível nº 323.6/6-00, da Comarca de São Paulo.
Com efeito, muito embora o casamento em testilha tenha sido realizado na vigência do Código Civil de 1916, não se justifica aplicar ao caso a disposição contida em seu artigo 235, I, mediante invocação, à guisa de fundamento, do artigo 2.039 do estatuto ora em vigor.
O Código revogado rezava, deveras, em seu artigo 235, I, que o marido não podia alienar bens imóveis sem o consentimento da mulher, qualquer que fosse o regime de bens do matrimônio. A exigência de outorga era, pois, decorrente do casamento em si e totalmente independente do regime adotado. "Ipso facto", dessume-se que, em tal sistemática, a disciplina da outorga uxória não integrava o regime de bens. Era exterior a ele.
Inviável, por isso, pretender que se ache compreendida pela regra do artigo 2.039 do Código novel. E, da mesma forma, não merece guarida o entendimento de que a aplicação imediata de seu artigo 1.647, I (dispensando a autorização quando o regime for o da separação absoluta), viola ato jurídico perfeito, qual seja o pacto antenupcial celebrado sob a égide da legislação pretérita. Tal pacto versa, evidentemente, sobre o regime de bens em si e não acerca de aspectos exteriores a ele, como o que aqui se examina.
Assim, impende concluir que os negócios jurídicos realizados na vigência do velho Código Civil, envolvendo imóveis de pessoas casadas, obedecem às regras por ele estabelecidas, enquanto que aqueles celebrados sob a vigência do novo estatuto substantivo respeitarão as normas previstas neste último, de modo a se dispensar a autorização do outro cônjuge nos casos de alienação e oneração de imóveis quando o regime for o da separação, ainda que o alienante tenha se casado com pacto de incomunicabilidade patrimonial sob a égide da legislação anterior.
A respeito do disposto no artigo 2.039 do diploma civil de 2002, a doutrina e a jurisprudência têm firmado o entendimento de que este apenas determina que, para os casamentos anteriores ao novo Código, não poderão ser utilizadas regras peculiares nele previstas, referentes a cada espécie de regime de bens, para efeito de partilha do patrimônio do casal. Ou seja, somente as regras específicas acerca de cada regime é que se aplicam em conformidade com a lei vigente à época da celebração do casamento, mas, quanto às disposições gerais comuns a todos os regimes, incide prontamente o novo Código Civil.
Nesse sentido as lições de Luiz Felipe Brasil Santos (Direitos Fundamentais do Direito de Família, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2004, p. 220), Euclides de Oliveira (Questões Controvertidas no Novo Código Civil, Coordenação de Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado, Método, São Paulo, p. 394 e 395) e Mário Luiz Delgado, citado pelo último doutrinador mencionado.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem conferindo a mesma interpretação ao disposto no referido artigo 2.039 do Código Civil atual, ao analisar pedidos de alteração de regimes de bens em casamentos ocorridos antes de sua vigência. Vejam-se a propósito os seguintes arestos proferidos na Apelação Cível nº 317.906-4/6 (São Paulo, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Boris Kauffmann, j. 28.09.2004) e na Apelação Cível nº 334.074-4/2 (São Paulo, 1ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Elliot Akel, j. 20.04.2004).
No caso dos autos - frise-se - a regra que dispõe sobre a necessidade de outorga uxória para que o marido aliene imóvel, prevista no artigo 235, I, do Código Civil de 1916, ora invocada pelo Oficial do Registro, encontra-se no título II do referido diploma legal, que trata dos efeitos jurídicos do casamento, não se localizando entre as disposições concernentes a regime de bens, que acham nos seus artigos 256 e seguintes.
O dispositivo primeiramente mencionado, ao se referir à outorga uxória, sem a qual determinados atos não podem ser praticados pelo marido, não regula, nem atinge, regime de bens propriamente dito. É outro o escopo da norma, consistente em viabilizar uma proteção à instituição da família, à sua manutenção e eventualmente, à prole. Tudo a confirmar que a regra do artigo 235 do Código Civil de 1916 não é especificamente destinada a regulamentar regime de bens, qualquer que seja ele.
Destarte, forçoso concluir que não tem incidência no caso a previsão do artigo 2.039 do novo Código Civil, devendo, em conseqüência, prevalecer o estabelecido no artigo 1.647, I, do mesmo diploma legal, em detrimento do antes disposto no artigo 235, I, do estatuto revogado. Esta norma, repita-se, não constituía regra específica sobre regime de bens, a exigir a aplicação da lei vigente à época da celebração do casamento.
Segundo Euclides de Oliveira, é exatamente nesse rumo a interpretação merecida pelo aludido artigo 2.039, em consonância com o sistema jurídico e por adequação à "mens legis" (ob. cit. p. 395).
De se reputar, pois, correto o enfoque adotado na r. sentença apelada.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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