Despachos/Pareceres/Decisões
34063/2005
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ACÓRDÃO _ DJ 340-6/3
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 340-6/3, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante CID FERNANDO DE ULHOA CANTO e apelado o 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 05 de maio de 2005.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Condomínio edilício - Instrumento de instituição - Falta de manifestação da totalidade dos condôminos - Acesso recusado - Dúvida procedente - Ausência de perfeita identidade com o teor do registro da incorporação - Recurso não provido.
1. Cuida-se de apelação interposta por Cid Fernando de Ulhoa Canto contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que negou o registro de instrumento particular de instituição de condomínio, por reputar indispensável a expressa anuência da totalidade dos condôminos, sendo que, quanto àquele com feição de pessoa jurídica, entendeu necessário apresentar certidão negativa de débito da Receita Federal, bem como, em razão de sua falência, o comparecimento do síndico munido de alvará judicial.
Na r. decisão de fls. 111/113 as exigências foram consideradas pertinentes, exceto no que diz respeito à exibição de CND, tida por já apresentada no ensejo do artigo 32 da Lei nº 4.591/64.
Alega o apelante que basta a concordância de dois terços dos titulares de frações ideais, que a unanimidade exigida não tem respaldo legal e que é suficiente a convocação de todos os condôminos, não podendo a falta de comparecimento de algum inviabilizar o registro. Requer provimento, para que seja julgada improcedente a dúvida (fls. 116/124).
Pela manutenção da sentença manifestou-se o Ministério Público (fls. 133/135).
É o relatório.
2. A regra geral concernente à instituição do condomínio edilício vem delineada por Hélio Lobo Júnior (O Condomínio Edilício e o Novo Código Civil, in "O Novo Código Civil e o Registro de Imóveis", coord. Ulysses da Silva, SAFE, Porto Alegre, 2004, pág. 27):
"A instituição deverá discriminar e individualizar as unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das outras e das partes comuns, determinando, ainda, a fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns, bem como o fim a que as unidades se destinam. A construção que implique em nova unidade imobiliária dependerá da unanimidade dos condôminos (art. 1.343 do CC). Da mesma forma depende da unanimidade a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária.
"Evidente, portanto, que a instituição do condomínio dependerá sempre da totalidade dos condôminos, bem como as suas alterações posteriores.
"Já a alteração da convenção, que o legislador denominou como sendo o ato que constitui o condomínio, exige, para o seu registro inicial ou eventual alteração, o "quorum" correspondente a 2/3 dos condôminos (art. 1.333 do CC).
"Seguiu, pois, o legislador os mesmos parâmetros da Lei 4.591, de 1964, malgrado a novidade terminológica que estabeleceu uma espécie de distinção entre a instituição e constituição do condomínio".
Tal sistemática, todavia, comporta exceção expressamente prevista no subitem 211.1 do capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:
"211. A instituição e especificação de condomínio serão registradas mediante a apresentação do respectivo instrumento (público ou particular), que caracterize e identifique as unidades autônomas, acompanhado do projeto aprovado e do 'habite-se'.
"211.1. Para averbação da construção e registro de instituição cujo plano inicial não tenha sido modificado, será suficiente requerimento que enumere as unidades, com remissão à documentação arquivada com o registro da incorporação, acompanhado de certificado de conclusão da edificação e desnecessária anuência unânime dos condôminos".
Tal redação, hoje vigente, foi proposta em parecer do magistrado José Renato Nalini, à época oficiando junto à E. Corregedoria Geral, do qual constam as ponderações que seguem:
"Parece desnecessária a elaboração de memorial minucioso, repetindo-se a descrição do imóvel e de suas unidades autônomas, quando suficiente se mostra enumerá-las, com remissão à documentação apresentada quando do registro da incorporação.
"A observância estrita ao plano inicial da incorporação também permitirá que o registro da instituição condominial independa de anuência da totalidade dos titulares de frações ideais do terreno".
Anteriormente, o então magistrado José de Mello Junqueira, enquanto Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, nos autos de nº 83/83 daquele Juízo, já havia destacado que, "se houve rigoroso cumprimento dos contratos quanto ao plano de edificação e especificação apresentado por ocasião da incorporação, não há que se exigir o consenso unânime de todos os condôminos que, por capricho ou outros motivos pessoais ou de mero direito obrigacional, se recusam à subscrição do ato instituidor".
Aqui, porém, a situação é outra, uma vez que ausente a premissa autorizadora da dispensa da unanimidade, o que deixa o caso concreto sob a égide da regra geral primeiramente enunciada. Com efeito, não se verifica perfeita identidade entre o conteúdo do registro da incorporação (fls. 06vº/07vº) e o teor do instrumento de instituição de fls. 30/44.
Para aquilatá-lo, basta examinar as disposições referentes às vagas de garagem.
Assim, ao ser registrada a incorporação, constou apenas, embora reiteradamente, previsão de garagem que "abrangerá as áreas localizadas nos subsolos, com capacidade para 30 vagas, numeradas de 1 a 5, no 1º subsolo, de 1 a 5, no 2º subsolo, e de 1 a 20, no 3º subsolo, possuindo cada uma, a área total real de 53,37 m², sendo 41,53 m² de área útil real e 11,84 m² de área comum real, correspondendo-lhe no terreno uma fração ideal de 0,010055%" (fls. 07).
O instrumento de instituição cujo ingresso se almeja traz, por seu turno, a expressa vinculação de cada uma dessas vagas a determinado apartamento, à razão de três delas por unidade. Ou seja, as vagas estão numeradas, o que não se verifica no registro da incorporação, e agrilhoadas, em lotes de três, a apartamento certo (especificação também não realizada naquele registro).
Portanto, não existe, "in casu", uma mera reprodução daquilo que já está registrado, mas verdadeira inovação.
Note-se que, nos subseqüentes registros referentes às aquisições de unidades pelos condôminos (fls. 07vº e seguintes), posteriores ao da incorporação que não contempla a vinculação em tela, também não figuram, logicamente, vagas de garagem individualizadas com atrelagem a apartamentos adquiridos. Existe apenas menção genérica do direito a "03 (TRÊS) vagas na garagem localizadas no 1º, 2º e 3º subsolos".
É o que se vê, por exemplo, nos registros R-5, R-6 e R-7, correspondentes aos apartamentos de números 21, 41 e 31(fls. 07vº), adquiridos pela ora falida Casa Moysés Enxovais e Tecidos Ltda., à qual alude o registrador na nota de devolução de fls. 25.
Não obstante, no instrumento de instituição cujo acesso almeja o recorrente, foram atribuídas ao apartamento 21 a vaga 05 no 1º subsolo e as vagas 06 e 07 no 3º subsolo; ao apartamento 31 a vaga 02 no 2º subsolo e as vagas 11 e 12 no 3º subsolo; e ao apartamento 41 as vagas 03 e 04 no 1º subsolo e a vaga 13 no 3º subsolo (fls. 35).
Patente, como dito, a inovação. E está longe de ser irrelevante, visto que, como notório, bons ou maus lugares para estacionamento de veículos influem, inclusive, no valor de mercado das unidades condominiais a que agregados. Daí a necessidade de que haja concordância exteriorizada pela totalidade dos condôminos.
E não vinga a alegação de que isso pode ser reputado suprido pelo fato de todos terem sido convocados para manifestações.
Mais uma vez é de se trazer à colação o acertado ponto de vista de Hélio Lobo Júnior, desta feita externado em parecer de 17 de março de 1986, proferido no proc. nº 26/86 e publicado em Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo - 1986, RT, págs. 132/133:
"Não há que se falar, por outro lado, em concordância tácita dos condôminos que deixaram de comparecer e isso porque a manifestação de todos deve ser expressa, não sendo possível a prevalência de qualquer presunção" (pág. 133).
Imperativa, pois, a adesão de todos os adquirentes de unidades, devendo a falida, nos termos da exigência do registrador, estar representada pelo síndico ou administrador judicial autorizado. Aliás, vislumbra-se a possibilidade de que o apelante postule ao Juízo da falência que determine o comparecimento deste, pois a instituição do condomínio, com discriminação das respectivas unidades autônomas, é, em tese, de interesse da massa.
Quanto à CND, realmente despicienda a apresentação.
Se, por um lado, cabe dessumir que a incorporadora, tendo em vista a construção, já exibiu certidões negativas no ensejo do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, por outro, não é caso de se compelir, via de regra, pessoa jurídica condômina a fazê-lo por ocasião da instituição do condomínio, porquanto não há, propriamente, alienação ou oneração de imóvel, mas, sim, atribuição das partes respectivas àqueles que já são proprietários.
A respeito, comentam J. Nascimento Franco e Nisske Gondo (Condomínio em Edifícios, 5ª ed., RT, S. Paulo, 1988, pág. 16):
"No instrumento de instituição, discriminação e convenção de condomínio, podem os condôminos proceder à atribuição das unidades autônomas que ficarão pertencendo a cada um deles, extinguindo-se, por essa forma, a indivisão sobre as áreas de uso privativo. Trata-se de uma divisão atípica, menos solene, que dispensa a escritura pública. Conforme escrevemos em outra oportunidade, a 'divisão' a que se referem as partes, no instrumento de instituição e especificação do condomínio, não corresponde a um procedimento divisório típico, em que as partes reciprocamente transferem umas às outras o domínio sobre as partes que possuíam em comum, extinguindo a comunhão. Nesse caso, a comunhão não chega a existir, pois o terreno é adquirido em frações certas, embora ideais, que desde o início são destinadas às unidades autônomas, que realmente ficam predeterminadas... Em síntese, o vocábulo 'divisão' deve ser entendido como simples forma de identificação de unidades autônomas que as partes jamais possuíram em comum".
Deve, enfim, ser mantida a r. sentença apelada e, pelos fundamentos expostos, nego provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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