Despachos/Pareceres/Decisões
29860/2005
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ACÓRDÃO _ DJ 298-6/0
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 298-6/0, da Comarca de SERRA NEGRA, em que é apelante ÁLVARO MARQUES DIAS e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 31 de janeiro de 2005.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida - Compromisso de compra e venda - Possibilidade de celebração por instrumento particular independentemente do valor da operação - Negócio relativo a três lotes correspondentes a matrículas individualizadas - Edificação de prédio sobre todos eles - Construção consignada nas três matrículas - Imóveis fisicamente unidos - Fusão de matrículas cancelada por decisão judicial pretérita - Cabimento, ante a peculiaridade do caso concreto, do registro do contrato em cada uma delas, visto que contém descrições individualizadas dos lotes e do prédio - Promessa, a um único promitente comprador, que abarca a totalidade dos bens jungidos - Recurso provido.
1. Cuida-se de apelação interposta por Álvaro Marques Dias contra sentença do Juízo da Corregedoria Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Serra Negra que julgou procedente a dúvida por este suscitada, para negar o acesso de instrumento particular de compromisso de venda e compra referente aos lotes matriculados sob nºs. 1.529, 1.530 e 1.531.
Fundou-se a recusa do registrador na necessidade de prévia unificação das matrículas, uma vez que consta a existência de prédio edificado sobre os três terrenos, e na obrigatoriedade de escritura pública para a validade de promessa de compra e venda relativa a imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente.
Sustenta o apelante a viabilidade do ingresso (fls. 69/76), mas discorda o Ministério Público (fls. 87/89).
É o relatório.
2. Não se sustenta a pretendida imprescindibilidade de escritura pública, apesar do valor da operação, em se tratando de compromisso de compra e venda.
Deveras, o artigo 108 do novo Código Civil, ao enunciar a exigência invocada, ressalva: "não dispondo a lei em contrário".
Ora, na hipótese da promessa ora em foco, a disposição em contrário acha-se insculpida no mesmo estatuto substantivo, cujo artigo 1.417 é expresso e trata, justamente, do ingresso do contrato no fólio: "Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel" (grifei).
Por isso mesmo, Theotônio Negrão, em glosa àquele artigo 108, assinala que "podem, porém, ser celebrados por instrumento particular, qualquer que seja o seu valor, entre outros: ...os compromissos de compra e venda" (Código Civil e Legislação em Vigor, 23ª ed., Saraiva, S. Paulo, 2004, p. 64).
Disso não discrepa Pablo Stolze Gagliano: "A forma deste contrato, como se pode perceber da simples leitura do art. 1.417, poderá ser pública ou particular, cabendo-nos advertir que este artigo é de aplicação específica em face do art. 108 que exige a escritura pública nos atos de alienação ou constituição de direitos reais imobiliários que superem o teto de 30 (trinta) salários mínimos. E é melhor que assim o seja. Uma das vantagens da promessa de compra e venda é, exatamente, a possibilidade de sua formalização sem os rigores do instrumento público, o que, de certa forma, evita a ocorrência de nulidade decorrente de vício de forma" (Código Civil Comentado, vol. XIII, Atlas, S. Paulo, 2004, p. 232). Arremata: "Portanto, podemos concluir que a inexigibilidade da forma pública facilita a celebração da promessa de compra e venda, tornando-a mais acessível às classe menos abastadas, além de evitar nulidade pelo vício de forma" (ob. cit., p. 233).
Em suma, cuidou o legislador de disciplinar o compromisso por meio de regra especial, que o afasta do lugar comum e autoriza, independentemente da expressão econômica, sua concretização por instrumento particular, tal como o de que aqui se cogita.
Sob esse aspecto, pois, não se sustenta a recusa do registrador.
Quanto à aventada necessidade de prévia fusão das matrículas em tela, mister se faz reconhecer que as peculiaridades do caso concreto permitem dispensá-la.
Encontram-se xerocopiadas a fls. 10/23vº e sua análise permite constatar que já estiveram unificadas, conforme a averbação nº 03 de cada uma delas, encerrando-se e originando a matrícula de nº 8.121 (fls. 14). Esta, no entanto, veio a ser cancelada, assim como aquelas averbações, por decisão judicial, o que gerou a repristinação daquelas três matrículas primitivas e a restauração de seus respectivos registros de nº 01, pelos quais é titular do domínio a ora promitente vendedora.
Nesse contexto, veio a ser celebrado o contrato de compromisso em testilha, valendo observar que, a despeito dos lotes se acharem fisicamente jungidos pela existência de edificação sobre eles, encontram-se individualmente descritos no instrumento particular, assim como o próprio prédio, com menção expressa a cada uma das matrículas repristinadas (fls. 08).
Logo, houve a inequívoca promessa de venda do todo, sem nenhum conflito com a realidade física, mas respeitada a presente situação tabular. E se apresenta como interessado no ingresso um único promitente comprador, qual seja o ora apelante.
Ademais, cuida-se, por ora, de mera promessa, que implica transitoriedade, sabendo-se que a efetiva transferência do domínio dependerá de ulterior formalização da aquisição e respectivo registro.
Admissível, "in casu', trilhar o rumo traçado por este Conselho no julgamento da Apelação Cível nº 34.485-0: "O segundo óbice, referente à prévia necessidade de unificação das matrículas, pode ser superado. O contrato faz expressa referência a duas matrizes, que se encontram fisicamente unidas. Isso, porém, não acarreta a necessidade de sua fusão registrária, podendo o contrato, sem maiores indagações, ser registrado em ambas as matrizes, diante da inequívoca vontade das partes".
Diante do exposto, para que seja efetuado o registro nas três matrículas, dou provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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