Despachos/Pareceres/Decisões
18869/2004
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Acórdão _ DJ 188-6/9
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 188-6/9, da Comarca de BARUERI, em que é apelante JOSEFA NEMÉSIO DA SILVA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 08 de junho de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Escritura pública de venda e compra - Acesso negado - Lote destacado de área transcrita - Ausência de perfeita identificação tabular - Princípios da especialidade e da disponibilidade - Dúvida procedente - Recurso não provido.
1. Cuida-se de apelação interposta por Josefa Nemésio da Silva contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis de Barueri, o qual negou o registro de escritura pública de venda e compra pela qual a apelante adquiriu do Espólio de Fernando Ferreira Pessoa o imóvel designado como lote 79 da Quadra "D" do lugar denominado Recreio Santa Rosa, no Município de Jandira, com origem na transcrição nº 20.229 do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.
Entendeu o Juízo da Corregedoria Permanente, acolhendo as ponderações do registrador, que o imóvel não está corretamente individualizado, não sendo possível o registro. Observou que, a partir da transcrição da área maior, houve diversas alienações, o que dificulta o controle qualitativo e quantitativo de disponibilidade.
Alega a recorrente, ao revés, que não existe insegurança sobre a exata extensão e localização do lote, conforme documentos e plantas já juntados, aduzindo que se situa numa quadra delimitada por ruas asfaltadas, com todos os serviços públicos. Além disso, outros lotes oriundos da mesma área maior foram matriculados no próprio Registro de Imóveis de Barueri, devendo ser observada a isonomia. Frisa, por fim, que a realização do registro almejado não implica risco de prejuízos a terceiros, postulando a reforma da decisão recorrida.
Diverge o Ministério Público, para o qual a apelação não merece provimento.
É o relatório.
2. Nenhum reparo se justifica no atinente à r. sentença atacada, visto que entendimento distinto do por ela agasalhado configuraria afronta ao princípio da especialidade, um dos nortes de nosso sistema registrário.
Tal preceito, no dizer de Afrânio de Carvalho, "significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado". E pondera que, para tanto, há requisitos a serem observados, dos quais depende a viabilidade da inscrição. "Esses requisitos são os dados geográficos que se exigem para individuar o imóvel, isto é, para determinar o espaço terrestre por ele ocupado" (Registro de Imóveis, 4ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1997, p. 203).
Eis o que não se logrou conseguir na hipótese vertente.
Cuida-se de porção de terreno que se pretende extrair de área maior transcrita perante o 11º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, mas cumpre ter em mente que este, na certidão que expediu, consignou "que o imóvel da transcrição nº 20.229, relatada no início da presente certidão, não foi objeto de loteamento ou desmembramento registrado (ou regularizado) neste cartório" (fls. 76 verso).
Aplica-se, pois, o escólio de Narciso Orlandi Neto: "As regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro. Quando se tratar, por exemplo, de alienação de parte de um imóvel, necessário será que a descrição da parte permita localizá-la no todo e, ao mesmo tempo, contenha todos os elementos necessários à abertura da matrícula (conf. Jorge de Seabra Magalhães, ob. cit., p. 63)" (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, São Paulo, 1997, p. 68).
Em que pese a alegação de que o parcelamento é antigo, anterior à Lei nº 6.766/79 e realizado na vigência do Decreto-lei nº 58/37, cumpre ter em mente que, no âmbito do Registro Imobiliário propriamente dito, não se encontram dados suficientes para individualizar o "lote" em testilha, bem como o remanescente da área total primitiva. Do ponto de vista tabular, não modificam a situação a existência de certidões expedidas pela Prefeitura Municipal de Jandira (fls. 101/102), referentes ao cadastramento de tal terreno, nem a juntada de plantas pela recorrente (fls. 103/105). São documentos que poderão subsidiar pedido futuro, voltado à retificação ou regularização registrária, mas que não têm o condão, por estranhos ao fólio real, de viabilizar o pronto registro pretendido.
Nessa esteira, já decidiu este Conselho, ao apreciar a Apelação Cível nº 35.016-0/4, que "não há como registrar parcela destacada de área maior, quando não for possível controlar, com eficiência, a partir de elementos tabulares, a disponibilidade da área destacada e da remanescente". Grifei.
Oportuna, pois, a observação do Oficial suscitante, no sentido de que, à margem da transcrição original, foram efetuadas as averbações de abertura das Ruas Jandira, Fernando Pessoa, Sorocabana, São José, Piratininga e Progresso, mas sem perfeita delimitação, verificando-se, ainda, além disso, que a área maior transcrita sofreu diversos destaques, "o que impossibilita o controle da disponibilidade quantitativa e da especialidade" (fls. 04).
Ou seja, os elementos presentes no álbum real, que são os que efetivamente importam para a finalidade colimada, não propiciam a certeza e a segurança indispensáveis para que possa ser levado a efeito o registro do título apresentado.
Como elucidado no julgamento da Apelação Cível nº 62.498-0/5, da Comarca de Guarulhos, independentemente da discussão sobre a necessidade de registro de loteamento realizado sob a égide do Decreto-lei nº 58/37, não se admite que o lote seja registrado sem a adequada especificação geográfica:
"Registro de Imóveis - Venda e compra de parte certa de imóvel - Desmembramentos anteriores - Necessidade de prévia retificação do registro para apuração do remanescente - Registro do título contratual recusado por tal motivo".
Contém o V. Acórdão trecho esclarecedor:
"A precariedade da descrição de tais lotes não permite sua localização com exatidão no terreno, impossibilitando o registrador de controlar com eficiência, a partir dos elementos constantes dos assentamentos registrários, a disponibilidade da área sob os aspectos quantitativo e geodésico, ou seja, a localização exata de tais lotes e daquele mencionado na escritura pública apresentada a registro na gleba maior, o que inviabiliza, sem prévia retificação dos assentamentos registrários para apurar as áreas ocupadas pelos lotes referidos nas mencionadas transcrições e a remanescente, o registro do título contratual".
De igual teor o entendimento adotado na análise da Apelação Cível nº 74.831-0/9, da Comarca da Capital, apoiado em outros precedentes então citados (Apelações Cíveis nºs. 33.138-0/6, 35.016-0/4, 37.373-0/7, 38.079-0/2 e 39.188-0/7):
"Registro de Imóveis - Dúvida. Escritura pública de venda e compra de área certa destacada de outra. Descrição precária na transcrição do imóvel que, aliás, já sofreu alguns desfalques. Necessidade de apuração do remanescente. Princípios da especialidade e da disponibilidade. Procedência da dúvida. Recurso não provido".
Para espancar qualquer dúvida, convém trazer à colação Aresto proferido em hipótese que guarda nítida similaridade em relação à presente, relativo à Apelação Cível nº 91.612-0/4, da Comarca de Guarulhos, cuja ementa se acha assim lançada:
"Registro de Imóveis - Apresentação de escritura de venda de lote sem identificação na tábua - Ausência de perimetrais da própria quadra do parcelamento, ainda que anterior à Lei 6.766 - Impossibilidade de controle da disponibilidade - Ausência de planta arquivada na serventia - Registro negado - Recurso Desprovido".
Eis a fundamentação então desenvolvida:
"Conforme denota o documento de fls. 13/15, na serventia imobiliária o que há é uma vetusta transcrição da venda de uma gleba completamente recortada, em diversas quadras, por sua vez divididas em inúmeros lotes, todavia só com a indicação da área total. Ou seja, ainda que abstraída a questão da inexistência de registro do parcelamento em si, que, aliás, sob a denominação de inscrição, não era desconhecido do Dec. Lei 58/37, ao que se infere de seus expressos termos, inexiste na tábua qualquer dado indicativo das medidas, não só dos lotes, mas mesmo das quadras em que se localizam.
"Mesmo a planta apresentada pela interessada, nos autos, a par de nunca antes arquivada na serventia, omite completamente os dados de especialização do imóvel.
"Na verdade, portanto, nenhum dado tabular permite o adequado controle da disponibilidade da área, de fato não especializada, como de rigor.
"Nem se alegue que inúmeros outros registros, nas mesmas condições, acabaram sendo efetivados. Tranqüilo o entendimento, do Conselho Superior, de que pretéritos erros registrários não justificam se os repitam (cf., por exemplo, Aps. ns. 15.980-0/0 e 17.690-0/7). E, mais, a vingar o raciocínio da recorrente, eventualmente poderia ocorrer que os últimos adquirentes, que procurassem o registro, acabassem detendo títulos sem base física alguma.
"Explica-se. O controle da disponibilidade registrária, que a especialidade impõe, significa, de um lado, a segurança sobre a extensão aritmética do imóvel. Significa, de outro, a segurança sobre sua localização geodésica. É a disponibilidade quantitativa e a disponibilidade qualitativa, que, justamente, faltam na hipótese vertente.
"Esta insegurança sobre a exata extensão das unidades e sobre sua localização no solo, facultados, indistintamente, os registros dos lotes, no fundo uma segregação de área maior, não especializada, pode bem levar, afinal, à existência de títulos que não correspondam a lastro físico algum. Daí a necessidade de retificação.
"Por fim, também não socorre a interessada a existência de planta fiscal ou o lançamento fiscal do imóvel, pois que, como é da jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura, 'o interesse fiscal não se confunde com aquele imobiliário registral e a própria Municipalidade, ao autorizar parcelamentos, não assume qualquer responsabilidade na análise do aspecto dominial, mesmo porque efetivados com dados que ela dispõe e ofertados de forma unilateral.' (Apelação Cível n. 29.159-0/7, Praia Grande, j. 26.04.96, rel. Des. MÁRCIO BONILHA)".
Como visto, o texto transcrito deixa patenteada, inclusive, a falta de alicerce do argumento de que, por isonomia, deve ser permitido o registro postulado, uma vez que anteriormente registrados outros "lotes" destacados da mesma área. Sabido é que equívocos pretéritos não justificam que se persista no erro. Deveras, como acima frisado, prosseguir registrando, indiscriminadamente, títulos concernentes a "lotes" sem preciso enquadramento geodésico poderia levar à dissociação dos assentos tabulares da realidade física, dando lugar a registros de terrenos inexistentes ou impossíveis de demarcar. Cabível, em tese, até mesmo cogitar da hipótese de que os registros descuidadamente realizados acabassem por preencher toda a superfície da área maior original, inviabilizando o ingresso de outros títulos, porventura legítimos, pertencentes a terceiros (o que esvazia a alegação de que registrar o título da apelante não acarreta qualquer risco a interesses de outrem).
Eis, a respeito da não reiteração de erros pretéritos, o já decidido nos autos da Apelação Cível nº 41.855-0/1, da Comarca de Jaú:
"Não socorre o recorrente o fato de ter obtido anteriormente o registro de outras partes ideais relativas à mesma matrícula, sendo pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura... no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam novos e reiterados erros, dada a inexistência de direito adquirido ao engano, como expresso no v. acórdão que decidiu a apelação cível n.º 28.280-0/1, da Comarca de São Carlos, Relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga: 'Tranqüila a orientação do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (apelações n.ºs 14.094-0/5, 15.372-0/1, 13.616-0/1, 3.201-0, 5.146-0 e 6.838-0, entre outras)'".
Justificada, enfim, a recusa do registrador, uma vez que lhe incumbe, a bem do interesse público, zelar pela higidez do sistema registrário, com o rigor formal que se impõe.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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