A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 267-6/0, da Comarca de BARRETOS, em que é apelante MARCELO LEONEL DOS SANTOS e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 03 de março de 2005.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de imóveis - Dúvida - Escritura pública de doação - Indisponibilidade relativa decorrente de registro de hipoteca cedular constituída em garantia de cédula de crédito rural - Inteligência do artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 - Registro negado - Recurso não provido.
1. Trata-se de apelação interposta por Marcelo Leonel dos Santos, tempestivamente, contra r. decisão que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barretos e manteve a recusa do registro de escritura de doação do imóvel rural objeto da matrícula 45.435, o que fez em razão da indisponibilidade relativa que incide sobre a coisa gravada por hipoteca cedular constituída em garantia de cédula de crédito rural.
Sustenta o apelante, em suma, que o artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 somente exige a prévia anuência do credor hipotecário para a venda do imóvel dado em garantia. Afirma que apesar da anterior doação efetuada pelo antigo proprietário, que não foi registrada, no presente caso a transmissão do imóvel decorreu de sucessão "causa mortis" e, na forma do artigo 1.784 do Código Civil, ocorreu com a abertura da sucessão. Diz que a venda pressupõe a existência de preço e de consentimento específico, elementos que não se encontram presentes na doação efetuada e na posterior sucessão hereditária. Alega que a finalidade da lei é proteger o credor hipotecário que, porém, não será afetado pela transmissão da propriedade decorrente da sucessão "causa mortis". Requer a reforma da r. decisão, com a improcedência da dúvida.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 87/88).
É o relatório.
2. O apelante apresentou para registro escritura pública de doação da nua propriedade do imóvel rural objeto da matrícula 45.435 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barretos, outorgada por Anaide dos Santos e Nestor Leonel de Souza em favor de seus filhos Anselmo Leonel dos Santos, Marcelo Leonel dos Santos, Marina Leonel dos Santos, Nestor Leonel dos Santos, Adilson Leonel dos Santos, Luis Leonel dos Santos e Iolanda Leonel dos Santos.
Ainda, para atender exigência formulada pelo Oficial Registrador, o apelante apresentou escritura pública de retificação e ratificação da doação efetuada, que foi outorgada em favor dos mesmos donatários por Anaide dos Santos Leonel e por Nestor Leonel de Souza, sendo o último, então falecido, representado pelo inventariante Marcelo Leonel dos Santos.
Como corretamente observou a douta Procuradora de Justiça em seu parecer, o título apresentado para registro consiste em escritura pública de doação da nua propriedade de imóvel e reserva de usufruto, complementada por escritura pública de ratificação e retificação que foi celebrada para cumprir exigência que o Oficial de Registro de Imóveis formulou para promover o registro da doação e do usufruto.
Referido título é o único passível de qualificação neste procedimento, cabendo observar que no registro imobiliário prevalece o princípio da instância que está contido no artigo 13 da Lei nº 6.015/73 e que, como ensina Afranio de Carvalho, tem o seguinte significado: "A ação do registrador deve ser solicitada pela parte ou pela autoridade". (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed. Forense, pág. 269).
A notícia da morte do doador Nestor Leonel de Souza contida na escritura de ratificação e retificação da doação efetuada (fls. 13/17) não basta, por si só, para o registro da transmissão da propriedade decorrente da sucessão "causa mortis".
Isso porque apenas o formal de partilha e a carta de adjudicação estão previstos nos artigos 167, inciso II, nº 25, e 221, ambos da Lei nº 6.015/73, como títulos hábeis para o registro da transmissão de imóvel decorrente de sucessão “causa mortis”, e tais títulos, no presente caso, não foram apresentados. Neste sentido o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 19.824-0/4, da Comarca de Guarulhos, relator o Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, em que decidido:
"...'Inviável registrar a escritura de partilha amigável desacompanhada do formal. Até porque não há prova da realização do inventário, com a rigorosa observância do devido processo legal'. (Revista de Direito Imobiliário nº 34, págs. 125/128).
"Não bastasse isso, a apresentação do formal de partilha é também necessária porque somente este, e não a escritura pública, é título de que a Lei de Registros Públicos admite o registro (artigos 167, inciso I, nº 25, e 221, ambos da Lei nº 6.015, de 1973)".
3. Por sua vez, as certidões de fls. 28/30 demonstram que o imóvel objeto da matrícula 45.435 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barretos, que teve a nua propriedade doada por Anaide dos Santos e Nestor Leonel de Souza aos seus filhos, está gravado por hipoteca cedular que foi dada em garantia de cédula de crédito rural emitida por seus proprietários em favor do Banco do Brasil S.A.
O artigo 59 do Decreto-lei nº 167/67 estabelece que a venda do imóvel hipotecado em garantia de cédula de crédito rural depende de prévia anuência do credor, por escrito.
Trata-se de limitação ao direito do proprietário dispor da coisa hipotecada que foi instituída em benefício exclusivo dos órgãos financiadores da economia rural e que, diante da finalidade da lei, abrange também a doação que é forma de transmissão voluntária da propriedade.
Eventual inexistência de prejuízo ao credor hipotecário, por outro lado, é matéria que somente a este interessa e que não pode ser apreciada no âmbito da dúvida registrária. Neste sentido o seguinte v. acórdão prolatado por este E. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 028.794-0/7, em que foi relator o Desembargador Antônio Carlos Alves Braga:
"Não há, no caso, como transpor o óbice contido no art. 51 do Dec.-lei 413/69 assim redigido: "A venda de bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor por escrito". Em regra, nada impede alienação de bem hipotecado, mas, em circunstâncias peculiares, a própria lei estabelece necessidade de vênia do credor hipotecário e a formalidade não pode ser dispensada por mera conveniência do registrador.
"É certo que a lei menciona "venda", mas a expressão, como já decidiu o C. Conselho Superior da Magistratura, no julgamento da Ap. 3.734-0, relator o Des. Marcos Nogueira Garcez, não é restritiva, mas genérica, de molde a impedir transmissão do bem, ainda que em benefício da própria devedora. Objetiva-se impedir que os imóveis sejam alienados a qualquer título sem expressa concordância do credor hipotecário, e não há como negar que, com eventual registro, haverá transferência de domínio dos imóveis para a sociedade comercial.
"A existência ou não de prejuízo ao credor hipotecário é matéria que a ele interessa com exclusividade, insuscetível de análise em sede de dúvida, além do que não há qualquer discussão sobre a instrumentalidade do negócio jurídico (Lei 8.934/94)." (Revista de Direito Imobiliário 37/246-247).
4. Cabe ressalvar, outrossim, que nada impede que na partilha dos bens deixados pelo falecimento de Nestor Leonel de Souza a viúva receba o usufruto e os herdeiros recebam a nua propriedade do imóvel, e em se tratando de transmissão decorrente de sucessão “causa mortis” não constituirá a hipoteca cedular obstáculo ao registro do formal de partilha.
A partilha, entretanto, deve ser submetida à homologação judicial, ainda quando celebrada por meio de escritura pública (artigo 2.015 do Código Civil), e não pode, como já exposto, ser substituída pela escritura de retificação e ratificação juntada às fls. 13/17.
Além disso, não se mostra adequada a indicação de que a escritura de retificação e ratificação juntada às fls. 13/17 foi outorgada pelo falecido Nestor Leonel de Souza representado pelo inventariante dos bens que deixou. Da referida escritura de retificação deveria participar o Espólio de Nestor Leonel de Souza, este sim representado pelo inventariante que para a prática do ato, entretanto, necessitava de prévia autorização judicial, na forma do artigo 992, inciso I, do Código de Processo Civil.
No presente caso, porém, nenhuma outra consideração cabe sobre o eventual futuro registro da partilha dos bens deixados pelo falecimento de Nestor Leonel de Souza, pois não foi apresentado ao Oficial de Registro de Imóveis título para isso destinado.
Por fim, anoto que a exigência de retificação da escritura de doação para constar a descrição do imóvel com a área e as medidas perimetrais que a matrícula passou a conter depois da retificação nela promovida poderá ser superada mediante aplicação do artigo 213, parágrafo 13, da Lei nº 6.015/73, o que dispensa uma nova retificação da escritura de doação caso ultrapassado o óbice que atualmente impede o seu registro, ou seja, cessado o impedimento decorrente da falta de anuência, por escrito, do credor hipotecário.
5. Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator