Despachos/Pareceres/Decisões
17161/2004
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Acórdão _ DJ 171-6/1
: 26/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 171-6/1, da Comarca de COTIA, em que é apelante JCR - PARTICIPAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 20 de maio de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida inversa - Matéria prejudicial - Falta de título original e prenotação - Concordância, ademais, com algumas exigências do registrador - Imprescindibilidade do prévio atendimento destas para que não haja decisão condicionada a seu futuro cumprimento - Recurso não provido.
1. Cuida-se de apelação interposta por J.C.R. Participações e Construções Ltda. contra sentença que indeferiu, por não preenchidos requisitos procedimentais e por considerar justificada a devolução, pedido autuado como dúvida inversa, em que postulada a dispensa de atendimento de exigência do Oficial de Registro de Imóveis de Cotia com vistas ao registro de escritura pública de venda e compra, para o qual foi reputado indispensável o aditamento de carta de sentença relativa ao divórcio, com partilha de bens, do casal Maria Carmem Moccia Antunes e Mário Francisco da Mota Antunes, ora outorgante vendedor, a fim de que constasse a relação dos imóveis atribuídos a este, notadamente os que vendeu à apelante pela escritura citada.
Sustenta a recorrente, em preliminar, que a sentença é nula, uma vez que seu prolator, ao afirmar que a "Comarca tem histórico problemático no tocante a questões registrárias", julgou "segundo conhecimento próprio dos fatos" e "viciou o processo", "ante ausência do pressuposto processual da imparcialidade", "por ter atuado como testemunha extrajudicial". No mérito, embora concordando com outras exigências formuladas pelo registrador na mesma oportunidade, alega que o reclamado aditamento não se justifica, uma vez que constou da carta de sentença que caberiam exclusivamente a cada uma das partes os bens que houvessem recebido por direito hereditário, nessa categoria se inserindo os vendidos à apelante pelo varão (fls. 109/117).
O Ministério Público entende que o recurso não deve ser conhecido, pois a recorrente concordou com outras exigências do registrador, mas, caso dele se conheça, há que ser provido, por desnecessário o aditamento em discussão (fls. 127/130).
É o relatório.
2. Insustentável a preliminar argüida, que fica rechaçada pelos fundamentos a seguir expostos.
Ao inserir na sentença, à guisa de mera introdução, comentário de caráter geral sobre a situação da comarca, o MM. Juiz, de modo nenhum, enunciou conhecimento pessoal sobre os fatos propriamente ditos, nem nisso se baseou para decidir.
Sem qualquer base a alegação relativa a seu suposto "impedimento de exercer as suas funções jurisdicionais por ter atuado como testemunha extrajudicial" (fls. 112).
Evidentemente, não foi o caso.
De manifesta impertinência, outrossim, o argumento de que houve quebra "do pressuposto processual da imparcialidade" (fls. 111).
Limitou-se o magistrado a apreciar, com isenção, a hipótese concreta que lhe foi submetida, expondo, a seguir, a fundamentação de seu convencimento.
Note-se que sua assertiva, no sentido de que "é este o caso dos autos", prendeu-se à menção à impossibilidade de "regularização de situações complexas" de "forma simplista", sem observância dos rigores procedimentais (fls. 93).
Ao fazê-lo, de nenhum modo foi parcial, pois apenas expôs o entendimento técnico que lhe pareceu cabível. E, na seqüência, detalhou seu posicionamento:
"O requerente aparentemente pretende criar procedimento não previsto na lei ou nas normatizações da Corregedoria Geral da Justiça, deixando de apresentar o título original que pretende apresentar a registro, e mesmo questionando apenas parte da nota de exigência, o que concomitantemente enseja reconhecimento de que a conduta do Oficial foi correta, ao menos em parte. Ora, então que se cumpra primeiro as exigências incontroversas, sem o que não se pode questionar a exigência" (fls. 93).
Com efeito, a própria apelante admite que não pretendeu se valer de procedimento de dúvida, nem mesmo inversamente (fls. 113). Sabe-se, no entanto, que não existe outro caminho legal a ser percorrido na esfera administrativa, perante o Juízo da Corregedoria Permanente, em caso de recusa de registro pelo Oficial competente. Confira-se o teor dos artigos 198 e seguintes da Lei nº 6.015/73.
Embora a chamada dúvida inversa, suscitada diretamente pelo interessado, venha sendo admitida, as considerações expendidas no trecho da sentença reproduzido acima demonstram que não estão preenchidos, nem mesmo, os requisitos mínimos para que a pretensão possa ser conhecida como tal.
Assim, além de nestes autos não ter sido exibido o título original, verifica-se que ele não se acha, sequer, prenotado, uma vez que a prenotação de 21/10/2002 (fls. 28), quando apresentado ao Juízo o presente pedido, em 2003, já havia caducado, por decorridos os trinta dias previstos no artigo 205 da Lei de Registros Públicos.
Acerca de hipóteses quejandas este Conselho tem posição firmada, da qual é representativo o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 43.728-0/7, da Comarca de Batatais, publicado D.O.E., Poder Judiciário, Caderno I, Parte I, de 13 de outubro de 1998, página 04, e relatado pelo eminente Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição. Eis sua ementa:
"REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida inversamente suscitada - Falta do título original e de prenotação - Inadmissibilidade - Prejudicialidade - Recurso não conhecido".
O texto do julgado, no qual há referência a outro precedente, é esclarecedor:
"Pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da necessidade de apresentação do título original, como decidido na apelação cível n.º 30.728-0/7, da Comarca de Ribeirão Preto, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos: 'Ora, sem a apresentação do título original, não admite a discussão do quanto mais se venha a deduzir nos autos, porque o registro, em hipótese alguma, poderá ser autorizado, nos termos do artigo 203, II, da Lei 6.015/73. Não é demasiado observar que no tocante à exigência de autenticidade, o requisito da exibição imediata do original diz respeito ao direito obtido com a prenotação do título, direito que não enseja prazo reflexo de saneamento extrajudicial de deficiências da documentação apresentada'".
Prossegue-se:
"Ao ser suscitada a dúvida, a requerimento do interessado, o título recusado deve ser prenotado para que esteja assegurado o direito de prioridade do apresentante. Se fosse admitido cumprir exigência durante o procedimento, estaria aberto caminho para uma injusta prorrogação do prazo da prenotação que, muita vez, viria em prejuízo dos eventuais detentores de títulos contraditórios".
E conclui-se:
"Não tendo sido mantido nos autos, no original, nem oportunamente prenotado, o título cujo registro pretende a recorrente, não é de ser conhecido o recurso, prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes".
A ausência dos requisitos supra mencionados já basta, enfim, para deixar prejudicado o pedido e inviabilizar o conhecimento do presente recurso.
Mas não é só.
Está configurada nos autos, ainda, outra situação ensejadora desses mesmos efeitos.
Consiste em que a apelante não se insurgiu, como seria de rigor, contra todas as exigências do Oficial do Registro de Imóveis, aceitando algumas, sem, contudo, cumpri-las desde logo.
Ao revés, de forma inusitada, condicionou seu cumprimento ao afastamento, pelo Juízo, do óbice que impugnou, como se vê em sua inicial: "Quanto às demais exigências, nº 2 e 3, ali constantes, serão cumpridas, com a apresentação dos respectivos, após superada a indevida exigência constante de número 1 (hum)".
Reiterou-o nas razões recursais, postulando o provimento, para que, "superado o empecilho (sic) levantado, a apelante cumpra, após, as demais solicitações constantes dos outros itens da referida 'nota de exigência'".
Inadmissível tal condicionamento, como revela iterativa jurisprudência desta Corte, bem espelhada no julgamento da Apelação Cível nº 44.030-0/9, da Comarca de Campinas, publicado D.O.E., Poder Judiciário, Caderno I, Parte I, de 27 de março de 1998, página 05, também relatado pelo Des. Nigro Conceição. A ementa é a seguinte:
"REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida - Apelante que expressamente concorda com algumas das exigências feitas pelo registrador - Falta de interesse recursal - O procedimento de dúvida se presta ao exame da registrabilidade do título no momento da sua apresentação - Não há como proferir decisão condicionada ao futuro cumprimento de exigências com as quais haja concordância, nem como admitir o atendimento dessas exigências no curso do procedimento - Dúvida prejudicada - Recurso de que não se conhece".
De igual feição os Arestos oportunamente invocados pelo Ministério Público, que não é demais reproduzir:
"Quando o interessado se conforma com apenas uma que seja das exigências, ainda que tacitamente, deve cumpri-la, reapresentar o título e, mantidas as demais, aí sim requerer a suscitação" (Apelação Cível nº 35.020-0/2, da Comarca da Capital).
"Concorde o recorrente com um dos óbices, cujo atendimento está disposto a efetivar, é inviável o conhecimento do recurso, restando prejudicada a dúvida" (Apelação Cível nº 54.073-0/2, da Comarca de Araçatuba).
Diante do anteriormente explicado a respeito deste caso concreto, constata-se que se acha bem pavimentado o caminho a ser percorrido no que concerne à presente apelação.
Por todos os fundamentos expostos, enfim, fica improvido o recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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