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Coordenadoria de Correições, Organização e Controle das Unidades Extrajudiciais

Despachos/Pareceres/Decisões 22360/2004


ACÓRDÃO _ DJ 223-6/0
: 26/03/2009

   A C Ó R D Ã O
 
   Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 223-6/0, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelado o CONDOMÍNIO EDIFÍCIO SÃO JOÃO.
 
   ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
 
   Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
 
   São Paulo, 30 de setembro de 2004.
 
   (a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
 
   V O T O
 
   REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida - Hipoteca cedular previamente registrada - Cédula de crédito comercial - Possibilidade de posterior registro de penhora referente a débito condominial - Obrigação "propter rem" - Inteligência do art. 5º da Lei nº 6.840/80 e do art. 57 do Decreto-lei nº 413/69 - Recurso não provido.
 
   1. Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, o qual, ante a existência de hipotecas cedulares previamente registradas, decorrentes de cédulas de crédito comercial, negara registro de penhora pleiteado por Condomínio Edifício São João.
 
   Foi o almejado registro reputado viável na decisão recorrida sob o argumento de que dita penhora decorre de débito condominial referente à própria unidade autônoma penhorada, o qual se reveste da natureza de obrigação "propter rem", de modo que não prevalece a impenhorabilidade.
 
   Acena o apelante com a vedação do art. 57 do Decreto-lei nº 413/69 e requer provimento, para que a dúvida seja julgada procedente.
 
   Pela manutenção da sentença se manifesta o apelado, desenvolvendo os argumentos nela contidos.
 
   É o relatório.
 
   2. Decidiu este Conselho, recentemente, em Acórdão no qual figurei como relator, que é possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, ainda que gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade (Apelação Cível nº 138.6/1-00). O fundamento então invocado foi, precisamente, o caráter "propter rem" da obrigação.
 
   Não é demais reiterar, trazendo-as à colação, as ponderações lançadas a respeito, naquela oportunidade, em meu voto, nos termos que seguem:
 
   "A espécie da obrigação, entretanto, enseja a apreciação do recurso mediante análise da natureza jurídica das despesas de condomínio e da repercussão que o não pagamento causa ao próprio condomínio em que situada a unidade autônoma que as gerou.
 
   "A obrigação do condômino contribuir para as despesas de manutenção do condomínio, na proporção de suas frações ideais, está prevista no artigo 1.336, inciso I, do Código Civil de 2002 cujo teor, neste ponto, não diverge do artigo 12 da Lei nº 4.591/64.
 
   "Estas despesas são as decorrentes da manutenção das coisas de propriedade comum dos condomínios, e o dever de custeá-las se impõe a todos porque, como ensina Caio Mário da Silva Pereira: Interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas. (Condomínio e Incorporações, 10ª Edição, Ed. Forense, 1998, pág. 142).
 
   "A manutenção do edifício interessa e favorece a todos os condôminos porque, ainda conforme a lição de Caio Mário da Silva Pereira: Não se pode esquecer que o edifício é um conjunto e que a deterioração de uma parte atinge o conjunto. (obra citada, pág. 144).
 
   "Na manutenção do edifício existem, entre outras, despesas decorrentes do uso de serviços públicos, de relações trabalhistas e de atos que não podem ser postergados. Assim ocorre, por exemplo, com a necessidade de manter o suprimento de água e energia elétrica, com a obrigação de pagar os salários dos empregados e com a realização das obras que se mostrarem urgentes.
 
   "Para suprir as despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio é feito o seu rateio entre os condôminos e, com raras exceções, o condômino inadimplente acaba beneficiado com a manutenção do edifício que é feita com o dinheiro fornecido exclusivamente pelos demais condôminos.
 
   "Isto porque a manutenção das coisas comuns, que é necessária, interessa e beneficia a todos os condôminos, o que permite que o condomínio inadimplente tenha a conservação de seus próprios de bens efetuada por pessoas com quem, de forma geral, não mantém qualquer outro relacionamento senão o decorrente do fato de serem proprietários de unidades autônomas situadas no mesmo condomínio.
 
   "A obrigação de contribuir com o pagamento das despesas condominiais, por outro lado, está vinculada à unidade autônoma de que estas despesas se originaram e é considerada como sendo "propter rem".
 
   "As obrigações 'propter rem', como ensina Orlando Gomes, ...existem quando o titular de um direito real é obrigado, devido a essa condição, a satisfazer determinada prestação. O direito de quem pode exigi-la é subjetivamente real. Quem quer que seja o propretário da coisa, ou titular de outro direito real, é, ipso facto, devedor da prestação. Pouco importa, assim, a pessoa em quem surgiu pela primeira vez. A obrigação está vinculada à coisa. (Direitos Reais, 10ª edição, Ed. Forense, 1988, pág. 13).
 
   "Ainda conforme o mesmo autor: Dentre outras, são obrigações ob rem ou propter rem as dos condôminos de contribuir para a conservação da coisa comum... (Orlando Gomes, obra citada, pág. 13).
 
   "Para afastar a perpetuação de fatos como os relatados, e diante da inequívoca relação que existe entre a obrigação e a titularidade de um direito real, mesmo antes da vigência do atual Código Civil a jurisprudência já admitia a penhora da unidade autônoma que originou as despesas condominiais, ainda que gravada com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade.
 
   "Neste sentido o v. acórdão citado por Nisske Gondo e J. Nascimento Franco in Condomínio em Edifícios, 5ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1988, págs. 170/171 (referido pelo apelante em suas razões do recurso), que foi prolatado pela Colenda 5ª Câmara do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo no Agravo de instrumento 313.518 - São Paulo, em que foi relator o Juiz Laerte Nordi e que teve com a seguinte fundamentação:
 
   "Descumprindo o acordo, pretendeu o agravante a penhora do imóvel, sem êxito, em face do despacho agravado, no qual o ilustre Magistrado afirmou não encontrar meios para superar o disposto no art. 649, I, do CPC, que afirma a impenhorabilidade absoluta dos bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos a execução.
 
   "Entretanto, o caso enfocado deve ser apreciado à luz de uma interpretação mais consentânea com o próprio espírito que norteia a proteção dos atos de última vontade, destinados a resguardar os bens gravados de eventuais desmandos de seus beneficiários.
 
   "Não se pode, como é óbvio, transformar tais atos em verdadeiros escudos contra o cumprimento das leis e obrigações, em prejuízo de credores, sobretudo quando o débito é originário do próprio uso e conservação da coisa gravada, consoante acentuado no despacho de fls. dos autos, proferido em caso idêntico.
 
   "A se admitir a impenhorabilidade absoluta, estaria a agravada na cômoda posição de não mais pagar as despesas de condomínio do apartamento, com inegáveis efeitos na massa condominial, que se veria forçada a ratear aquelas despesas, numa situação que não se compadece com nosso ordenamento jurídico. 
 
   "Animada pela perspectiva de uma decisão nesse sentido, poderia ela, ainda, fazer uma boa reforma no apartamento, para, no descumprimento de sua obrigação, acenar novamente com a impenhorabilidade.
 
   "Essa interpretação literal, adotada pelo digno Juiz 'a quo', deve ser afastada nas hipóteses em que o débito existente é resultado da utilização e conservação da coisa, quando prevalece a regra da penhorabilidade, especialmente em se tratando de condomínio. (Revista de Direito Imobiliário nº 13, janeiro a junho de 1984).
 
   "É também conveniente, por sua pertinência, citar o seguinte comentário efetuado por J. Nascimento Franco ao v. acórdão retro referido:
 
   "COMENTÁRIO
 
   "1. Com clareza e objetividade, o acórdão acima resolveu um dos problemas mais difíceis dos edifícios em condomínio, qual seja, o da penhorabilidade dos apartamentos vinculados com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, nas ações de cobrança das despesas de condomínio. Contando com o anteparo da impenhorabilidade de seu apartamento, condôminos relapsos e não possuidores de outros bens postam-se na privilegiada situação de pagar as despesas quando e como querem, criando desequilíbrio na caixa condominial, habitualmente deficitária, pois a inflação se encarrega de superar todos os orçamentos e previsões.
 
   "Freqüentemente somos consultados por síndicos de edifícios sobre a forma judicial eficiente de cobrar cotas atrasadas por um ou dois anos, porque o advogado do condomínio reluta em ajuizar a ação de cobrança quando o devedor só possui o apartamento protegido por aqueles vínculos. Sempre respondemos que a cota correspondente às despesas de condomínio constitui débito do próprio imóvel, visto que elas se destinam ao custeio da manutenção do edifício e à conservação e valorização de suas unidades autônomas. Os donos dos apartamentos gravados com a cláusula de impenhorabilidade e inalienabilidade utilizam, na mesma proporção dos demais condôminos, os empregados, os elevadores, o suprimento d'água, iluminação etc., não sendo justo, pois, que se implantem na cômoda posição de pagar sua cota quando quiserem, na suposição de que nenhuma cobrança judicial poderá acarretar a penhora e alienação compulsória do seu apartamento para solução do débito perante o condomínio.
 
   "2. Os riscos da sucumbência e respectivos encargos paralisam os síndicos e seus advogados, uma vez que, cuidando de negócio alheio, é natural que hesitem em tomar medidas de resultados aleatórios para o condomínio. Faltava, pois, uma decisão judicial assegurando ao condomínio credor o direito de penhorar a unidade autônoma pertencente ao condômino em atraso, caso resista à cobrança judicial e alegue, na tentativa de tomá-la inócua, que não possui outros bens e que sua unidade é impenhorável e inalienável.
 
   "Por ocasião da 3.ª CONAI - Conferência Nacional dos Administradores de Imóveis, realizada em São Paulo em novembro do ano passado, indagamos ao eminente Prof. Caio Mário da Silva Pereira se, a seu ver, mencionadas cláusulas imunizam da penhora o apartamento em débito para com o condomínio.
 
   "E tivemos a satisfação de receber resposta coincidente com nosso ponto-de-vista, ou seja, de que essa dívida é "propter rem", vale dizer, da própria coisa, motivo pelo qual pelas despesas de condomínio pode ser penhorada toda e qualquer unidade autônoma, sendo inoponíveis ao condomínio credor vínculos sobre ela incidentes...
 
   "...O dever de pagar em dia as despesas de condomínio impõe-se a todos os condôminos, sem exceção, porque não é justo que o síndico tenha de recorrer a rateios extras junto aos outros condôminos para suprir a caixa desfalcada pelo atraso dos inadimplentes. O condomínio em edifícios constitui uma comunidade singular, em que a obrigação jurídica e moral de colaborar e participar é maior do que em qualquer outro agrupamento humano. Nessa comunidade habitacional não há espaço para nenhuma forma de individualismo ou de egocentrismo. Nela impera com redobrado vigor o princípio constitucional que condiciona o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social e à harmonia do grupo.
 
   "Atendendo a essa regra hoje universal, o Tribunal de Apelação de Buenos Aires decidiu que a obrigação de pagar as cotas condominiais decorre do "deber de solidariedad, de lealdad y de sentido comunitario, que debe cumplirse inexcusablemente en forma puntual y hasta espontánea, puesto que se trata de subvenir a las exigencias imperiosas de salud, seguridad, servicios esenciales para la vida en común de una coletividad humana y la subsistencia de una institución jurídica como la organizada por la Ley 13.512, que intenta resolver un angustiante problema social" (cf. Propiedad Horizontal, vol., 143/28, Buenos Aires, janeiro de 1983). (Revista de Direito Imobiliário nº 13/105, 01/06 de 1984). Observo que em igual sentido é o posicionamento deste mesmo autor in Condomínio, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1999, págs. 257/258.
 
   "Nesta mesma linha pode ser citado o v. acórdão prolatado pela Colenda 7ª Câmara do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo no processo 469297-5, em que foi relator o Juiz Renato Takiguthi, e o v. acórdão prolatado pela Colenda 1ª Câmara do mesmo Egrégio Tribunal no processo 696834-9, em que foi relator o Juiz Luiz Correia Lima.
 
   "Ainda neste sentido o v. acórdão, citado pelo Douto Procurador de Justiça em seu r. parecer (fls. 57), que foi prolatado pela Colenda 2ª Câmara do Egrégio Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo na Apelação nº 606.070, j. 09.08.1995, em que foi relator o Juiz Alberto Tedesco:
 
   "DESPESAS CONDOMINIAIS - Penhora de imóvel quadro de inalienabilidade e impenhorabilidade - Validade em função da natureza da dívida.
 
   "Ementa da Redação: É legítima a penhora de apartamento, em execução das quotas de despesas de condomínio ainda que incida sobre aquela unidade condominial o gravame da inalienabilidade e impenhorabilidade. A exigibilidade das obrigações propter rem, de natureza especialíssima, não se inibe ou suspende por efeito das sobreditas cláusulas, por isso que a quota de despesas condominiais ostenta situação análoga à da obrigação tributária. (RT 727/205).
 
   "Consistindo, pois, obrigação propter rem, está a unidade autônoma sujeita a penhora em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, mesmo que gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas em testamento ou em doação.
 
   "Esta conclusão não se modifica pela vigência do Código Civil de 2002 que, ademais, não contempla a restrição à invalidação ou dispensa da cláusula de inalienabilidade que existia no artigo 1.676 do Código Civil de 1916.
 
   "Na realidade, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.715, parágrafo único, passou a permitir a execução do bem de família não apenas por dívidas provenientes de tributos relativos ao prédio como também por de despesas de condomínio, o que somente veio reforçar a conclusão de que a inalienabilidade e a impenhorabilidade impostas aos bens por ato de liberalidade não prevalecem em relação ao credor de despesas condominiais originadas do imóvel sobre o qual incidem estas restrições que, repito, não decorrem de imposição legal.
 
   "Observo, por fim, que na vigência do atual Código Civil já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua Colenda Terceira Turma, pela possibilidade de ser penhorado o imóvel gravado por cláusula de inalienabilidade, em execução decorrente de crédito de despesas condominiais que dele se originaram, como se verifica no v. acórdão prolatado no Recurso Especial 209046, em que foi relator o Ministro Ari Pargendler, que foi citado pelo Douto Procurador de Justiça em seu bem lançado parecer (cf. LEXSTJ 162/99).
 
   "É, portanto, possível a penhora da unidade autônoma em ação de execução de despesas de condomínio que dela se originaram, mesmo estando gravada por cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade impostas por ato de liberalidade".
 
   Cumpre acrescentar às ponderações expostas que, mesmo em se tratando de impenhorabilidade "ex lege", mostra-se viável vislumbrar exceção quando se cuidar de obrigação "propter rem" assim originada.
 
 
   Os fundamentos são idênticos e, por coerência, cabe igual conclusão.
 
   Pense-se, v.g., na blindagem que reveste o bem de família, a qual, conforme tratamento jurisprudencial que já lhe vinha sendo dispensado antes da vigência do novel estatuto civil substantivo, não resiste à execução por dívida condominial.
 
   Bem o exemplifica o julgamento proferido em 24 de novembro de 1997, pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial nº 150.379-0-MG, em que figurou como relator o Min. Barros Monteiro:
 
   "Civil - Penhora - Bem de Família - Contribuição condominial - Possibilidade - Lei 8.009/90.
 
   "Penhora. Bem de família. Contribuições condominiais. Art. 3º, inciso IV, da Lei nº 8.009, de 29.03.90.
 
   "É passível de penhora o imóvel residencial da família, quando a execução se referir a contribuições condominiais sobre ele incidentes".
 
   Esse entendimento, aliás, não mais comporta controvérsia alguma, visto que hodiernamente consagrado pelo texto do art. 1.715 do atual Código.
 
   Portanto, à luz da mesma lógica, mister se faz ter presente que a origem legal da vedação à penhora de imóveis atrelados às cédulas de crédito industrial e comercial não os imuniza, por força dessa gênese peculiar, quando o objeto da execução for débito decorrente de despesas de condomínio.
 
   Por outro lado, é certo que, como exaustivamente explanado, a própria natureza da obrigação "propter rem" torna despicienda ressalva expressa, em lei, para que não prevaleça a impenhorabilidade diante dela.
 
   A coonestar tal assertiva está o fato de que, como acima lembrado, ainda sob a égide do Código Civil de 1916 (cujo art. 1.676 era categórico ao estabelecer que a cláusula de inalienabilidade - importando em impenhorabilidade - não podia, "em caso algum", salvo desapropriação e dívida tributária oriunda do próprio bem, "ser invalidada ou dispensada por atos judiciais"), robusteceu-se o posicionamento pretoriano no sentido de que a vedação não tinha lugar em face de dívida condominial.
 
   Nesse diapasão diversos Acórdãos do C. Segundo Tribunal de Alçada Civil deste Estado oportunamente xerocopiados pelo recorrido e juntados aos autos (fls. 28/48: Agrs. de Inst. nºs. 627.805-00/0, j. em 05/04/2000; 590.322-00/0, j. em 26/07/99; 732.526-00/0, j. em 26/03/2002; 698.440-00/6, j. em 27/06/2001; 627.798-00/7, j. em 26/04/2000).
 
   No atinente aos bens adstritos, a título de garantia hipotecária, às cédulas de crédito industrial e comercial, ainda mais clara deve ser reputada a situação, uma vez que, ao invés de consagrar a peremptória vedação contida no art. 1.676 do Código de 1916, o texto do dispositivo pertinente, constante da legislação específica, se presta, por seus próprios termos, a interpretação consentânea com a orientação acima enunciada.
 
   Cogita-se neste caso concreto de cédula de crédito comercial e convém lembrar que, por remissão consignada no art. 5º da Lei nº 6.840/80, aplicam-se as normas do Decreto-lei nº 413/69, relativo às cédulas de crédito industrial.
 
   Destarte, segundo o art. 57 desse derradeiro diploma, "os bens vinculados à cédula de crédito industrial não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real". Grifei.
 
   Na hipótese vertente, todavia, em que se focaliza obrigação condominial, a dívida, como está claro, não se vincula propriamente à pessoa do emitente (ou desse terceiro). Acha-se o débito, isto sim, intrinsecamente ligado ao imóvel, tanto que, transferido este, acompanha-o, passando a onerar o novo titular.
 
   Nesse aspecto, há um vínculo de natureza real, que adere ao bem, independentemente de quem seja seu proprietário. É o que dimana da já estudada feição "propter rem". Daí se falar, sob tal prisma, em dívida própria da coisa, distinta, pois, das "dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real", apontadas na norma em tela como impeditivas da penhora.
 
   Pondere-se, à luz da boa Hermenêutica, que se no dispositivo legal não se visasse delinear tal particularização, bastaria estabelecer que os bens atrelados à cédula não serão penhorados "por outras dívidas". Concluir-se-ia que, ante a ausência de especificação, a menção se dirigiria a quaisquer dívidas, inclusive as "propter rem". Porém, seguiu-se detalhamento, explicitando-se no texto de que se trata de "dívidas do emitente ou do terceiro prestante da garantia real". Ou seja, peculiares a essas pessoas. Se assim não fosse, estar-se-ia a dar guarida à idéia de que a lei contém palavras inúteis, o que sabidamente não se admite na seara da boa técnica interpretativa.
 
   "Verba cum effectu, sunt accipienda."
 
   Não é outro o escólio de Carlos Maximiliano: "Dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto; porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperativa ou supérflua, nula ou sem significação alguma" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1990, págs. 250/251).
 
   Portanto, se a lei especifica que a penhora não valerá quando se executar dívida "do emitente", há espaço para se vislumbrar que a vedação não incide quando se tratar de dívida própria "da coisa", como o é a condominial.
 
   Esse o significado da glosa de Nascimento Franco, supra citada, em que afirma se estar diante de débito "da própria coisa, motivo pelo qual pelas despesas de condomínio pode ser penhorada toda e qualquer unidade autônoma, sendo inoponíveis ao condomínio credor vínculos sobre ela incidentes".
 
   Pertinente, da mesma forma, a lição de Sílvio Rodrigues: "Convém notar que tanto nesta hipótese, quanto nas anteriores, o devedor se libera das obrigações que o prendem, se abrir mão de seus direitos no condomínio; isso revela que o vínculo se estabelece não com uma pessoa determinada, mas com quem quer que seja o titular daquele direito real" (Direito Civil, vol. 2, 23ª ed., Saraiva, S. Paulo, pág. 101). Grifei.
 
   Percebe-se, pois, que não obstante a obrigação venha a recair, circunstancialmente, sobre certa pessoa, a ela não se liga, uma vez que a dívida se afigura, na verdade, agrilhoada à coisa.
 
   Que não se queira, outrossim, obstar o ingresso da penhora no fólio real sob invocação da natureza hipotecária da garantia cedular.
 
   O E. Segundo Tribunal de Alçada Civil vem proferindo, a respeito, reiterados julgamentos, como, v. g., o referente ao Agravo de Instrumento nº 779.814-0/9, relatado pelo Juiz Felipe Ferreira (j. em 18/10/2000), cuja ementa é a seguinte:
 
   "AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. COBRANÇA. EXECUÇÃO. CREDOR HIPOTECÁRIO. PREFERÊNCIA. INEXISTÊNCIA. PRIVILÉGIO ESPECIAL DA DÍVIDA CONDOMINIAL. A dívida condominial é despesa feita por terceiro (o condomínio) para a conservação e manutenção da própria coisa e a ela se incorpora como dívida 'propter rem', gozando de privilégio especial de preferência frente ao crédito hipotecário, conforme inteligência do art. 1.564, do Código Civil de 1916. Decisão mantida. Recurso improvido".
 
   No corpo do voto que serviu de fundamento ao Aresto veio transcrita a elucidativa decisão agravada, proferida pelo Juiz Pedro Luiz Baccarat da Silva:
 
   "Fls. 473/474: Indefiro. As contribuições condominiais devem ser satisfeitas, antes do pagamento do credor hipotecário. O credor hipotecário tem seu crédito garantido pelo imóvel, com precedência sobre outros credores que pretendam alcançar a mesma coisa para a satisfação de seus créditos. Todavia as contribuições condominiais representam o rateio das despesas de manutenção da coisa e, bem por isso, estão vinculadas à coisa, do que resulta o enquadramento entre as obrigações "propter rem". Assim, não pode o credor hipotecário exigir a preferência na satisfação de seu crédito em prejuízo do condomínio porque se assim fosse estaria impondo aos demais condôminos as despesas de manutenção da sua garantia. Em síntese, não pode o credor hipotecário recuperar seu crédito, levando à praça o imóvel que tem na composição do seu preço as despesas de manutenção já suportadas pelo condomínio. ...A garantia do credor hipotecário foi preservada por conta do condomínio, cujo patrimônio deverá ser reembolsado antes da satisfação do credor hipotecário".
 
   De igual jaez os Acórdãos proferidos por aquela mesma Corte ao analisar os Agravos de Instrumento nºs. 763.949-00/0 (j. em 26/11/2002), 659.472-00/4 (j. em 18/10/2000) e 727.110-00/7 (j. em 29/01/02).
 
   Diante de todos os argumentos expostos, enfim, em que pese a existência de decisões anteriores em outro sentido, cumpre examinar a matéria sob novas luzes. "Ipso facto", nego provimento ao recurso.
 
   (a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
 


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