Despachos/Pareceres/Decisões
16166/2004
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ACÓRDÃO _ DJ 161-6/6
: 25/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 161-6/6, da Comarca da CAPITAL, em que são apelantes o ESPÓLIO DE CARMELLA PERELLA DI MAURO e OUTROS e apelado o 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 20 de maio de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de imóveis - Dúvida - Escritura pública de partilha amigável - Título inapto para o registro da aquisição de domínio decorrente de sucessão hereditária - Necessidade de que integre formal de partilha - Descrição do imóvel que não permite identificar sua localização geodésica - Necessidade de retificação do registro - Registro recusado - Recurso a que se nega provimento.
1. Trata-se de apelação interposta pelos Espólios de Carmella Perella di Mauro, que também se denominou como Espólio de Carmella Perella de Mauro, e pelo Espólio de Maria Antonia Mastrobuono Perella, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida inversa suscitada contra recusa do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital e negou o registro de escritura pública de partilha, decorrente de sucessão "causa mortis", do imóvel objeto da transcrição nº 488 do 7º Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo porque existe deficiência na descrição da área do imóvel, a ser suprida em procedimento apropriado, e porque é necessária a homologação judicial da partilha.
Sustentam os apelantes, em suma, que os bens deixados pelo falecimento de Isabel Spina Perella foram objeto de inventário que teve curso na 8ª Vara Cível e no 15º Ofício Cível da Comarca de São Paulo. Dizem que referidos bens foram objeto de partilha amigável que foi celebrada, pelos herdeiros, por meio de escritura pública. Aduzem que a partilha assim realizada não depende de homologação judicial, na forma do artigo 512, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1939, e do artigo 1.773 do Código Civil de 1916, o que permitiu o registro em relação aos demais imóveis partilhados. Esclarecem que o imposto de transmissão "causa mortis" foi recolhido, devendo ser feito o registro da escritura que atendeu os requisitos legais da época da partilha. Alegam que a escritura foi lavrada em 1944 e que em relação à descrição do imóvel prevalece o princípio da boa-fé, devendo ser aberta matrícula em que será observada a mesma área descrita na transcrição. Além disso, o imóvel foi desapropriado, em sua totalidade, e integra o Parque Ecológico do Rio Tietê, o que impede a retificação do registro. Informam que o imóvel esteve cadastrado, para lançamento fiscal, em nome de Cósimo Fanganiello, constando João D'Angelo Sobrinho como compromissário comprador. Por fim, se for necessária poderá a retificação do registro ser feita mediante levantamento pericial, no DAEE, destinado a comprovar a localização da área do imóvel que foi desapropriado.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 91/95).
É o relatório.
2. Os apelantes pretendem o registro de escritura pública de partilha amigável celebrada, no ano de 1944, entre os sucessores de Izabel Spina Perella.
Afirmam que é dispensável o formal de partilha porque foi a partilha celebrada na vigência do artigo 512, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1939.
Não têm, porém, razão.
Isso porque a faculdade conferida aos herdeiros capazes para celebrar partilha amigável por meio de escritura pública não afasta a necessidade de apresentação da escritura no inventário, para integrar o respectivo formal de partilha.
Assim ocorria na vigência do Código de Processo Civil de 1939, que em seu artigo 465 estabelecia que o inventário era sempre judicial, e continua a ocorrer na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (artigos 982 e 1.031).
Neste sentido é a abalizada lição de Miguel Maria de Serpa Lopes que ao apreciar consulta formulada no ano de 1940 pelo Tabelião do 20º Ofício do Rio de Janeiro, relativa ao alcance do artigo 512 do Código de Processo Civil de 1939, assim decidiu:
"1. O art. 1.773 do Código Civil preceitua que: 'se os herdeiros forem maiores e capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos de inventário, ou escrito particular homologado pelo juiz'.
Todos os comentadores têm-se insurgido contra as leis processuais que restringem ao ato da partilha propriamente dito o que pode ser objeto de escritura pública, excluindo o inventário, sob a alegação de que a partilha nada mais é do que uma ação em que o inventário figura como um incidente.
Mas, o fato é que o atual Código de Processo Civil manteve claramente a distinção entre as duas fases, determinando precisamente no art. 512:
'Nos inventários em que os herdeiros forem capazes, a partilha do acervo hereditário poderá ser feita amigavelmente, depois de pago o imposto devido'.
Conseguintemente, e acreditamos que levado pelo interesse fiscal, a lei processual impõe que o inventário, sejam ou não os herdeiros plenamente capazes, será sempre judicial e somente a partilha é que poderá ser feita amigavelmente.
Outrossim, feita por escritura pública, a partilha não precisa ser homologada judicialmente, não somente à vista do disposto no artigo 1.713 do Código Civil, como ainda em face do § único do art. 512 do Cód. de Processo Civil.
2. Quanto à extração de guias para pagamento dos impostos devidos à Fazenda Pública, é matéria pertinente ao processo de inventário, e esses impostos deverão ser previamente pagos no juízo do inventário e mesmo é condição para se reputar encerrada essa primeira fase.
3. Em virtude das razões que já desenvolvemos, não somente o Tabelião deve aconselhar às partes a promoverem o inventário em Juízo como não o pode lavrar escritura senão do ato da partilha entre os herdeiros maiores e nada mais.
Tal escritura, para ser lavrada, cumpre ao Tabelião seja apresentada certidão da aprovação do cálculo e do pagamento dos impostos, de acordo com o art. 500 do Código de Processo Civil, o último termo da marcha do inventário." (Miguel Maria de Serpa Lopes, Tratado dos Registros Públicos, Vol. IV, 1997, 6ª edição, Ed. Brasília Jurídica, págs. 71/72).
Esclarecedor sobre tal matéria é, ainda, o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 19.824-0/4, da Comarca de Guarulhos, em que foi relator o Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, em que ficou consignado:
"Não há, entretanto, como registrar escritura de partilha amigável, sem que ela integre o formal de partilha.
Mesmo no tempo do revogado Código de Processo Civil de 1939, o inventário era sempre judicial, 'ainda que todos os herdeiros sejam capazes' (art. 465 daquele diploma legal).
O fato de estar a escritura pública de partilha amigável dispensada de homologação judicial, isso não excluía a necessidade de sua apresentação no inventário, donde seria, no final, extraído o formal de partilha, com os requisitos do art. 509 daquele revogado CPC. Do formal, que seria integrado com a escritura de partilha amigável, constaria também o termo de inventariante e os títulos de herdeiros, além da certidão de pagamento de impostos.
Inviável registrar a escritura de partilha amigável desacompanhada do formal. Até porque não há prova da realização do inventário, com a rigorosa observância do devido processo legal." (Revista de Direito Imobiliário nº 34, págs. 125/128).
Não bastasse isso, a apresentação do formal de partilha é também necessária porque somente este, e não a escritura pública, é título de que a Lei de Registros Públicos admite o registro (artigos 167, inciso I, nº 25, e 221, ambos da Lei nº 6.015, de 1973).
Convém observar que na época em que foi lavrada a escritura pública de partilha amigável vigia o Decreto nº 4.857, de 1939, que em seu o artigo 237, letra "d", estabelecia que:
"Art. 237 - Serão somente admitidos a registro:
...
d) Cartas de sentença, mandados, formais de partilha e certidões". (cf. Miguel Maria de Serpa Lopes, obra citada, págs. 59/60).
Não há como, portanto, admitir o registro de escritura pública de partilha amigável independente do respectivo formal de partilha extraído do inventário de bens.
Esta exigência não passou despercebida pelos herdeiros que segundo a escritura pública de partilha ajuizaram ação de inventário dos bens deixados pelo falecimento de Isabel Spina Perella (fls. 47).
A não localização dos autos do referido inventário (fls. 51) não constitui obstáculo intransponível uma vez que pode ser promovida a restauração ou eventualmente, se inviável a restauração, ser promovido novo inventário.
3. A escritura pública de partilha amigável diz respeito ao imóvel objeto da transcrição nº 488 do 7º Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, em que assim está descrito:
"...o imóvel situado no Bairro de Cangahyba, no subdistrito da Penha, consistente em uma olaria dentro de um terreno, com 200,00m de frente para o rio Tietê, por 200,00m, de fundos mais ou menos, dividindo de ambos os lados com terrenos devolutos e pela frente com o rio Tietê..." (fls. 11).
Trata-se de descrição extremamente vaga, que não fornece os elementos necessários para que seja identificada a localização geodésica do imóvel, suas medidas e sua área total.
Na realidade, com esta descrição pode o imóvel ser situado, conforme a ótica do interessado, tanto na margem direita como na margem esquerda do rio Tietê, em qualquer local, dentro das antigas divisas do Bairro de Cangahyba, em que confine com terrenos devolutos.
É de se observar que a transcrição foi efetuada em 1931, foi aberta conforme certidão do inventário de Domingos Perella, datada de 22 de dezembro de 1920, e que a expressão "terrenos devolutos" nela contida tanto pode significar terras públicas devolutas como terrenos desocupados, desabitados ou vagos (Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio, Ed. Nova Fronteira, 1ª edição, 14ª impressão, pág. 469).
Além disso, é sabido que o leito do rio Tietê sofreu retificações ao longo do tempo, como aliás se verifica às fls. 24/27, devendo para a correta localização do imóvel ser considerada a situação existente na época em que elaborada a descrição da área que serviu para a abertura da primeira transcrição que lhe for relativa.
As lacunas e imprecisões contidas na transcrição nº 488 não permitem que na matrícula, a ser efetuada na forma do artigo 228 da Lei nº 6.015/73, sejam observados os requisitos do artigo 176, parágrafo 1º, inciso II, nº 3, da mesma Lei.
Prevalece no Registro Imobiliário, portanto, o princípio da especialidade que obriga que: "...toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado." (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Ed. Forense, 4ª edição, 1998, pág. 203), o que impede o registro pretendido.
Admite-se, é certo, que na matrícula de imóvel se adote descrição lacunosa, contida em transcrição longeva, desde que observados os seguintes requisitos: a) o imóvel objeto da matrícula corresponda integralmente ao transcrito; b) a descrição tabular seja capaz de afastar risco de sobreposição, total ou parcial, com outros imóveis; c) exista lastro geodésico que permita a efetiva identificação da coisa. Neste sentido o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 37.203-0/2, da Comarca de São Paulo, em que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, em que ficou consignado:
"Este Conselho Superior já assentou, a partir do julgamento das Apelações nºs. 6.084-0 e 15.380-0/8, entendimento a propósito da abertura de matrículas em seqüência a restrições lacunosas, exigindo, em tais ocasiões, a observância de três requisitos mínimos para a prática do ato. Assim, é preciso que, em primeiro lugar, o imóvel objeto da futura matrícula corresponda, por completo, àquele transcrito, persistindo, em segundo lugar, uma descrição tabular capaz de afastar os riscos de sobreposição, total ou parcial, com outros prédios e que contenha, em terceiro lugar, lastro geográfico possibilitador da efetiva identificação do bem."
No presente caso, como visto, não existe lastro geodésico que permita a correta identificação do imóvel, e as lacunas na descrição da área contida na transcrição deixam ampla margem para que ocorram sobreposições de registros.
As lacunas na descrição da área, aliás, levaram o Sr. 7º Oficial de Registro de Imóveis a fazer constar na certidão da transcrição nº 488, juntada às fls. 11, que: "... tendo em vista a antiguidade da transcrição relatada nesta certidão e a inexistência de qualquer logradouro público, é impossível para esta Serventia atestar o atual subdistrito de situação do imóvel nela descrito."
É necessária a prévia retificação do registro para que ao se efetuar a matrícula do imóvel seja respeitado o princípio da especialidade.
A retificação do registro, por sua vez, deve ser promovida pelo procedimento apropriado, sendo que a dúvida registrária somente serve para apreciação da registrabilidade do título. Neste sentido o v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 032.269-0/6, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, em que foi decidido:
"Neste ponto, a questão desborda para um outro tema, concernente à especialização do imóvel, exsurgindo óbice intransponível.
Cumpre lembrar que a mesma lei que criou e introduziu o sistema cadastral, prestigiou, de modo especial, o denominado princípio da especialidade, segundo o qual cumpre: "que toda inscrição recaia sobre um objeto precisamente individuado" (in Registro de Imóveis, Afrânio de Carvalho, Forense, 3ª Edição, 1982, p. 243).
Tal como consta da transcrição 53.696, o imóvel está desconfigurado. O acertamento de seu corpo, pois, visando à recuperação de sua figura geométrica, para conformá-lo ao rigor do princípio da especialidade, só poderá ser alcançado por meio da retificação do registro.
É que o procedimento de dúvida não admite se realize por meio dele a retificação de erros registrários pretéritos, de cuja providência dependa o acolhimento do título para registro. O provimento judicial neste feito deve ter em conta apenas a questão da registrabilidade.
Cumpria assim denegar o acesso do formal de partilha ao cadastro imobiliário, como ocorreu. Só a reunião de todas as partes ideais, ou a prévia retificação do registro-suporte, para os fins acima, viabilizará o perseguido registro. Sem isso a recusa é de ser mantida.
Isto posto, negam provimento ao recurso."
Note-se, por fim, que a retificação do registro se faz por ato de averbação e não se insere na competência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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