Despachos/Pareceres/Decisões
14867/2004
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ACÓRDÃO _ DJ 148-6/7
: 25/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 148-6/7, da Comarca de SÃO BERNARDO DO CAMPO, em que é apelante BEATRIZ GRASSI BERTOCHI e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 08 de junho de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de imóveis - Dúvida - Formal de Partilha - Fração ideal de imóvel a que atribuída área certa - Inexistência de ânimo, na sucessão "causa mortis", de fraudar a lei - Antecedentes do Conselho Superior da Magistratura - Recurso provido.
1. Trata-se de apelação interposta por Beatriz Grassi Bertochi, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Bernardo do Campo, e negou o ingresso de formal de partilha, na matrícula 343, com relação a fração ideal de terreno a que vinculada área total definida, por considerar demonstrada a existência de loteamento implantado em fraude à legislação que regulamenta o parcelamento do solo.
Sustenta a apelante, em suma, que o formal de partilha é título hábil para o registro pretendido e que a negativa do referido registro viola os princípios constitucionais que garantem o direito de propriedade e o direito de herança. Aduz que recebeu o imóvel, em conjunto com seus filhos, na partilha dos bens deixados por seu ex-marido, Primo Bertochi, e que dele já figura no registro imobiliário como co-titular do domínio. Alega que não pode ser penalizada pelo suposto parcelamento irregular do solo, de que não participou. Diz que na mesma matrícula, na vigência das Leis nº 6.766/79 e nº 4.591/64, foram registrados outros títulos relativos a transmissões de frações ideais do imóvel, inclusive decorrentes de sucessões hereditárias. Afirma, por fim, que para o exercício do direito de propriedade imóvel necessita do registro do formal de partilha no registro imobiliário.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 124/127).
É o relatório.
2. A origem judicial do título apresentado para registro não o torna imune à qualificação pelo registrador, como tem reiteradamente decidido este Egrégio Conselho Superior da Magistratura. Sobre este tema, assim foi decidido na Apelação Cível nº 30.657-0/2, da Comarca de Praia Grande, em que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:
"Em primeiro lugar, salienta-se que o fato de ser apresentado a registro um título de origem judicial não o isenta do exame qualificativo dos requisitos registrários, cabendo ao registrador, como o firmado na Ap. Cível 15.028-0/7, da mesma Comarca de Praia Grande, apontar eventual hipótese de incompetência absoluta da autoridade judiciária, aferir a congruência do que se ordena, apurar a presença de formalidades documentais e, finalmente, analisar existência de eventuais obstáculos registrários, como é o caso." (Revista de Direito Imobiliário 38/251-252).
No mesmo sentido foram os v. acórdãos prolatados nas Apelações Cíveis nº 71.397-0/5 e nº 76.101-0/2, ambas da Comarca da Capital.
3. A apelante pretende o registro de formal de partilha relativo a parte ideal do imóvel objeto da matrícula 343 do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Bernardo do Campo, que foi deixada pelo falecimento de Primo Bertochi.
A certidão de fls. 31/46 demonstra que por escritura de compra e venda lavrada em 11 de julho de 1994, registrada em 05 de setembro de 1994 (registro 54), a apelante e seu ex-marido, Primo Bertochi, adquiriram fração ideal equivalente a 2,2200%, ou 1.076,00m², do imóvel com área total de 48.400,00m² que é objeto da matrícula 343 do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Bernardo do Campo.
A mesma certidão demonstra que em 21 de fevereiro de 1990 foi registrada na matrícula 343 (registro 5) a venda de quatorze frações ideais distintas do imóvel, feita para pessoas que não têm relações de parentesco ou outros vínculos perceptíveis pela análise do registro imobiliário.
A partir de então os quatorze adquirentes originais destas frações ideais passaram a promover outras alienações, desta feita partilhando o imóvel em novas frações ideais ainda menores.
Assim fizeram Luiz Antonio Santiago e Maria Aparecida Santiago que adquiriram fração ideal correspondente a 5,930% do imóvel (registro 5) e depois venderam: a) fração ideal de 2,068% do total do imóvel para Lívio Techio e Vilma Naddeo Techio (registro 7); b) fração ideal de 1,962% do total do imóvel para José Geraldo Alves, Marisa Franco Alves, Mário Tuppan Netto e Leila Alves Tupam (registro 8); c) fração ideal de 1,899% do total do imóvel para Antonio Ferrari Netto, Odette de Moraes Ferrari e Luiz Carlos Moreno (registro 9 da matrícula 343).
Outras subdivisões do imóvel, mediante vendas de frações ideais menores que aquelas que originalmente adquiriram, foram promovidas por, entre outros, José Aparecido Rodrigues (registro 6, averbação 10, e registro 58); Gerson Gilberto de Almeida (registros 11, 17 e 20); Rita de Cássio Zinevicius (registros 15 e 60); Vladmir Luiz Romera e Janete Silvestrin Romero (registros 22, 24 e 27); Elizabete Ramos de Lima Arena e Manoel Acácio Arena Martini (registros 25 e 30); Sidney Rodrigues (registros 44, 56 e 57 da matrícula 343), sendo que estas alienações foram feitas para pessoas que, segundo decorre da matrícula, também não mantém vínculos que justificassem a formação do condomínio voluntário.
A apelante e seu ex-marido, Primo Bertochi, compraram fração ideal correspondente a 2,2200% do total do imóvel de Lúcio Elias Ferreira e Sueli Aparecida Ferreira (registro 54) que, por sua vez, adquiriram do anterior proprietário fração equivalente a 9,326%, ou 4.515,00m², do total do imóvel (registro 5), da qual venderam: a) 3,55% ou 1.723,00m² para Carlos Alberto Guimarães (registro 19); b) 1,448% ou 701,00m² para Odair de Abreu e Suely Rosangela de Abreu (registro 29); c) 2,095% ou 1.014,00m² para Odair de Abreu e Suely Rosangela de Abreu (registro 53 da matrícula 343).
As diversas vendas de pequenos quinhões de frações ideais do imóvel, a que atribuídas metragens certas, feitas para pessoas que não mantém vínculo de parentesco ou outros vínculos especiais, demonstram, de forma inequívoca, que o imóvel com 48.400,00m² foi loteado e desta forma alienado, o que se fez sem atendimento dos requisitos estabelecidos da Lei nº 6.766/79 que já era vigente quando iniciadas as vendas das referidas frações.
Apesar disso, a transmissão do domínio pela sucessão "causa mortis", quando isoladamente considerada, não caracteriza fraude à lei capaz de impedir o registro de formal de partilha relativo a fração ideal de imóvel a que atribuída área certa, como foi decidido por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 100.039-0/7, da Comarca de Campinas, em que foi relator o Desembargador Luiz Tâmbara, que teve a seguinte ementa:
"Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - Pretendido registro de formal de partilha - Transmissão 'causa mortis' de parte ideal - Precedentes - Conjuntura descaracterizadora de fraude à lei - Registro viável - Recurso provido".
Esta orientação, a par de permitir a concretização do direito de sucessão "causa mortis", dá aos sucessores a possibilidade de em nome próprio, independente de alvará judicial autorizador da prática de determinado ato pelo Espólio de Primo Bertochi, promover o que for necessário para a regularização do loteamento que de fato foi implantado no imóvel de que destacada a fração ideal que acabou partilhada.
Ressalvo, entretanto, que o registro do formal de partilha não acarretará o saneamento do vício decorrente do desmembramento que foi implantado em desrespeito à legislação cogente que regulamenta o parcelamento do solo.
Assim, se forem apresentados ao registrador eventuais títulos de alienações voluntárias de frações ideais do imóvel, onerosas ou gratuitas, que ocultarem parcelamento irregular do solo, deverá ser aplicada a orientação, com força normativa, contida no v. acórdão prolatado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 72.365-0/7, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo, em que decidido que o fato do registrador se limitar à análise dos elementos tabulares ou expressamente constantes do título não se presta para: "... viabilizar a fraude às normas cogentes que disciplinam o uso e o parcelamento do solo".
Por fim, verificado pelos elementos registrários que houve, em momento anterior à sucessão "causa mortis", alienações de frações ideais a que atribuídas áreas certas e, presume-se pelos elementos registrários existentes, localizações geodésicas determinadas, em fraude à legislação que regulamenta o parcelamento do solo, remeta-se cópia de todo o processado para a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, para as providências que se mostrarem cabíveis.
Ante o exposto, com a observação retro, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro do formal de partilha.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
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