Despachos/Pareceres/Decisões
13767/2004
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ACÓRDÃO _ DJ 137-6/7
: 25/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 137-6/7, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelado o CONDOMÍNIO EDIFÍCIO LAURA MARIA (repdo. p/s/ Síndica Marlene Lulia Gayotto Luiz).
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça
São Paulo, 11 de março de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida julgada procedente - Pretendido registro de escritura de dação em pagamento - Condomínio especial como adquirente - Ausência de personalidade jurídica - Inviabilidade da aquisição - Sentença reformada - Recurso provido.
1. Trata-se de apelação interposta pelo representante do Ministério Público de São Paulo (fls. 65/67) contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros da Capital (fls. 38/63), que julgou improcedente dúvida suscitada pelo Primeiro Oficial de Registros de Imóveis de São Paulo, deferindo o registro da escritura de dação em pagamento pela qual Daniel Chequer Arquitetura, Construção e Incorporadora Ltda. deu em pagamento ao Condomínio do Edifício Laura treze vagas de garagem situadas no andar térreo e subsolo do edifício, situado na Rua Azevedo Macedo n. 70, Vila Mariana, por entender que o condomínio tem personalidade jurídica para contratar.
Sustenta o recorrente que o condomínio não pode figurar como adquirente da propriedade imobiliária, uma vez que não tem personalidade jurídica, sendo admitida uma única exceção pelo Conselho Superior da Magistratura na hipótese prevista no artigo 63, parágrafo 3º da Lei 4591/64.
A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 81/85).
É o relatório.
2. O recurso comporta provimento.
A questão controvertida se refere à possibilidade do condomínio edilício adquirir direitos reais sobre imóveis.
O condomínio edilício possui uma série de peculiaridades, dentre as quais a coexistência da co-propriedade das áreas comuns e a propriedade exclusiva de cada unidade autônoma, a existência de uma convenção para administrar os interesses comuns, a instituição de uma assembléia como órgão deliberativo e eleição de um síndico administrador. Além disso, existe a fusão de interesses dos titulares dos direitos reais, que os torna indissociáveis (cf. Darcy Bessone de Oliveira Andrade, Direitos Reais, Saraiva, São Paulo, 1988, pp. 66/69).
Mas a despeito do agrupamento dos interesses dos condôminos, não se forma um ente imaterial com personalidade jurídica própria, sendo o condomínio objeto do direito, sem legitimidade para adquirir direitos reais.
Em que pese haver entendimentos em sentido contrário, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem reiteradamente entendido que o condomínio não tem personalidade jurídica e, portanto, não pode adquirir bem imóvel.
Com efeito, ensina Caio Mario da Silva Pereira que a personificação não tem amparo legal, uma vez que a lei 4591/64 trata cada unidade condominial como propriedade exclusiva, objeto de uma relação jurídica específica.
João Batista Lopes observa que:
"A pretendida personalização do patrimônio comum é, porém, insustentável, porque não existe uma pessoa jurídica titular das unidades autônomas e das partes comuns do edifício.
É certo que, em contrário, existem respeitáveis opiniões doutrinárias e alguns precedentes judiciários.
O argumento mais forte em que se apóia essa corrente é o dispositivo do art. 63, § 3º, da Lei 4591/64, in verbis: "no prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime da assembléia geral em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio".
Com se vê, o texto legal alude ao Condomínio, como adquirente dos bens levados ao leilão final, parecendo autorizar a conclusão de que o condomínio seria pessoa jurídica (titular de direitos e obrigações).
Essa interpretação, porém, entra em conflito aberto com o sistema da Lei 4591/64, notadamente seus arts. 1º e 2º (que se referem às unidades autônomas constituindo propriedade exclusiva de cada condômino), o art. 9º (que alude à aquisição de unidades autônomas), o art. 12 (que menciona o condômino como obrigado ao pagamento das despesas), o art. 19 (que trata de direitos do condomínio) etc.
Em verdade, ao dispor que o condomínio terá preferência na aquisição dos bens não está a lei, "ipso facto",conferindo-lhe personalidade jurídica, o que significaria flagrante contradição com o sistema que o próprio legislador elegeu.
A hipótese contemplada pela lei (cit. art. 63, § 3º) é especial e, só por isso, para atender a razões de conveniência ou praticidade, é que se aludiu ao condomínio como se fosse pessoa jurídica.
Em síntese, o só fato de a lei permitir a aquisição de bens pelo condomínio não confere a este os atributos de pessoa jurídica" (Condomínio, Editora Revista dos Tribunais, 5º Edição, pág. 58/59).
O novo Código Civil não inovou a matéria. Subsiste previsão legal apenas quanto à capacidade do condomínio de agir em juízo e de administração, institutos criados para viabilizar a defesa dos interesses comuns dos condôminos, e que não lhe atribuem personalidade jurídica para ser titular de domínio.
Exceção tem sido feita na hipótese do artigo 63, § 3º da Lei 4591/64, o qual possibilita a aquisição de imóvel pelo condomínio nos casos de inadimplência do condômino. Entretanto, mesmo nesse caso a lei não reconhece personalidade ao condomínio. Justamente por se tratar de exceção é que foi expressamente regulamentada.
Em que pese os avanços sociais e do direito, no nosso ordenamento jurídico ainda se mantém a regra de que o condomínio não ostenta personalidade jurídica, e sem nova legislação que disponha de forma contrária, não há como se criar interpretação diversa.
Ante o exposto, dou provimento à apelação.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Relator
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