Despachos/Pareceres/Decisões
9365/2004
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ACÓRDÃO _ DJ 93-6/5
: 25/03/2009
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 93-6/5, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelada MARILENE MAGGIONI.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, e JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça.
São Paulo, 05 de fevereiro de 2004.
(a) LUIZ TÂMBARA, Relator
V O T O
EMENTA: REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida - Direito real de habitação - Instituição em cláusula de dissolução de sociedade de fato - Hipótese que não configura mera concessão de alimentos - Interpretação de cláusula - Pedido de assistência - Inadmissibilidade - Não cabimento no procedimento de dúvida - Recurso de terceiro prejudicado - Inteligência do artigo 202 da Lei 6.015/73 - Intempestividade que impede o conhecimento como tal - Recurso não provido.
Trata-se de apelação (fls. 68 a 70) interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, da r. sentença (fls.64 a 66) que julgou improcedente dúvida imobiliária relativa a instituição de direito real de habitação sobre o imóvel objeto da matrícula 254.071 do 11º Registro de Imóveis da Capital.
O apelante sustenta que não se trata de direito real de habitação, mas sim direito de moradia concedido como forma de alimentos, ou seja, não haveria direito real, mas sim obrigacional.
A interessada apresentou contra-razões (fls.73 a 80).
O titular do domínio, nos autos em apenso, pediu seu ingresso como assistente do recorrente, havendo manifestação contrária da interessada.
Processado o recurso, manifestou-se a Procuradoria Geral da Justiça pelo não provimento do recurso (fls. 88 a 94).
É o relatório.
Inicialmente deve ser resolvida a posição processual de Renato Kherlakian, titular do domínio do imóvel, que pretende ingressar como assistente do recorrente.
Trata-se de terceiro com interesse jurídico, mas, como reiteradas vezes decidido por este Colendo Conselho, não cabe assistência no processo de dúvida. Admite-se, apenas, o recurso de terceiro prejudicado, nos termos do artigo 202 da Lei 6.015/73.
Todavia, em razão da data da publicação da r. sentença e da apresentação das razões do titular do domínio, tem-se que não é possível receber o requerimento como recurso, dada sua intempestividade.
Assim, não se admite o ingresso do titular do domínio como assistente, nem se recebe seu requerimento como recurso de terceiro prejudicado.
Quanto ao mérito, a questão está na interpretação da cláusula 12 da dissolução da sociedade existente entre a recorrida e o titular do domínio, da qual advieram duas filhas, ambas ainda menores. A cláusula em questão está copiada a fls.19 e tem a seguinte redação:
"DA RESIDÊNCIA DA SEPARANDA E DAS FILHAS.
A SEPARANDA e as FILHAS continuarão residindo na casa de propriedade do SEPARANDO, na Rua Alabarda nº 189, nesta Capital, por tempo indeterminado.
Parágrafo único - Eventualmente, e de comum acordo, o imóvel a que se refere esta cláusula, em seu "caput" poderá ser substituído por outro, mantendo-se as mesmas condições aqui estabelecidas."
Note-se que do termo de acordo constam outras cláusulas, específicas, para os alimentos (cláusula 6 e 7, intituladas, respectivamente, "DA PENSÃO ALIMENTÍCIA DA SEPARANDA" e "DA PENSÃO ALIMENTÍCIA DAS FILHAS").
Veja-se, também, que o direito de habitação foi concedido por tempo indeterminado.
Segundo ORLANDO GOMES:
"Na feliz expressão de um escritor, o uso e a habitação constituem usufrutos em miniatura. Aplicam-se-lhes as disposições legais relativas a este direito, que não contrariem sua natureza. Distinguem-se, entretanto, conceitualmente, e por certas peculiaridades.
O direito real de uso confere a seu titular a faculdade de, temporariamente, fruir a utilidade da coisa que grava.
O direito real de habitação é o de uso gratuito da casa de morada." ( in Direitos Reais, 12ª edição, Editora Forense, 1997, atualizador: Humberto Theodoro Júnior, p.309).
E, mais adiante, na mesma obra, tratando da extinção desse direito, diz o autor:
"(...) O uso e a habitação acabam pelos mesmos modos que extinguem o usufruto.
A morte do usuário, a renúncia, a destruição da coisa, a consolidação e os outros modos de extinção do usufruto são comuns ao uso e à habitação.
Há um, porém, que é estranho ao uso e à habitação: o não-uso. É uma particularidade destes dois direitos reais decadentes" (obra citada, p.312).
No caso dos autos, a interpretação lógico-sistemática e teleológica conduz à conclusão de que o titular do domínio, à época da separação, pretendeu instituir em favor da sua ex-companheira e das filhas menores do casal o direito real de habitação.
Não se trata de mero direito obrigacional, situado no campo dos alimentos, até porque, na avença, esses foram contemplados em cláusulas próprias e específicas.
Parece que a intenção do titular do domínio foi mesmo a de assegurar a moradia para a ex-companheira e para as filhas do casal, de forma que elas não fossem atingidas por terceiros, ou seja, pretendeu instituir um direito oponível a todos, o que somente seria possível com o direito real de habitação. Reforça essa idéia a existência da possibilidade da sub-rogação do bem por outro, preservando-se o direito.
Se depois, por razões que não vêm ao caso, houve alteração de propósitos, não cabe aqui discutir, devendo as partes socorrer-se da via jurisdicional.
No âmbito do processo de dúvida deve-se indagar se o título é hábil ao registro e, nos termos da r. sentença recorrida, no caso, as razões para a recusa não se justificam.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
(a) LUIZ TÂMBARA, Relator
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